domingo, 22 de outubro de 2017

Raposa
            Pela floresta chamuscada, por cima de cinzas quentes, corre Cão, com uma ave presa em sua grande boca. Ele a leva para sua caverna, cima do rio, e lá tenta tratar da asa queimada de Gralha, mas ela não quer sua ajuda.
            -Nunca mais conseguirei voar – ela sussurra.
            -Eu sei- diz Cão.
            Após um momento de silêncio, ele fala:
            -Sou cego de um olho, mas a vida ainda é boa.
            -Um olho não é nada! Diz Gralha.
            -Como você se sentiria se não pudesse correr?- ela pergunta.
            Cão não responde.


                Gralha arrasta seu corpo para a sombra das rochas, até fundir-se à escuridão.
            Dias, talvez semanas depois, ela acorda com um sobressalto de tristeza. Cão está à espera e a convence a acompanhá-lo até às margens do rio.
            -Suba nas minhas costas – ele diz.
            -Olhe dentro da água e me diga o que você vê.
            Suspirando, Gralha faz o que ele pede. Refletidos na água estão o céu, as nuvens, as árvores  - e algo mais.
            -Vejo uma estranha criatura! – ela exclama.
            -Somos nós – diz Cão – agora, segure-me firme!
            Com Gralha agarrada em suas costas, ele corre pelas moitas, através da mata de espinheiros amarelos, até o azul. Vai tão rapidamente que parece estar voando.
                Gralha sente o vento fluindo por suas penas e alegra-se:
            -Voa, Cão, voa! Eu serei o olho que lhe falta, e você será minhas asas.
            E, assim, Cão corre com Gralha em suas costas todos os dias, no verão e no inverno.
            Depois das chuvas, quando os brotos aparecem por toda parte, uma raposa surge na floresta.
            Raposa, com seus olhos ferinos e pelo grosso avermelhado. Ela se esgueira entre as árvores como uma língua de fogo, e Gralha treme de medo.
            Mas Cão diz:
            -Bem-vinda! Podemos lhe oferecer casa e comida.
            -Obrigada! – diz Raposa.
            Eu os vi correndo esta manhã. Achei fantástico!
            Cão sorri, mas Gralha se encolhe toda.
            Ela percebe Raposa de olho em sua asa queimada.
            Ao anoitecer, quando o ar fica perfumado com o aroma das flores, Cão e Gralha descansam na entrada da caverna, desfrutando da companhia um do outro. Vez por outra, Raposa participa da conversa dos dois, mas Gralha percebe seu olhar, sempre dirigido para ela.
            E, à noite, seu cheiro parece penetrar na caverna, um cheiro de raiva, inveja e solidão.
            Gralha tenta avisar Cão sobre Raposa:
            -Ela não tem amigos, não ama ninguém.
            Mas Cão responde:
            -Deixa para lá! Não se preocupe!
            Naquela noite, enquanto Cão dormia, Raposa sussurrou para Gralha:
            -Eu corro mais depressa do que Cão. Mais depressa do que o vento, Deixe Cão e venha comigo.
            Gralha respondeu:
            -Nunca deixarei Cão. Sou o olho que lhe falta, e ele é as minhas asas.
            Raposa nada mais disse naquela noite, porém, no dia seguinte, quando Cão foi até o rio, ela volta a sussurrar para Gralha:
            Você se lembra de como era bom voar? Voar de verdade?
            Novamente Gralha responde:
            -Eu nunca deixarei Cão. Eu sou o olho que lhe falta, e ele é as minhas asas.
            Mas, naquela tarde, quando Cão corre pela mata com Gralha nas costas, ela pensa: “Isso nada tem a ver com voar. Nada!”
            E, de madrugada, quando Raposa lhe sussurra pela terceira vez, ela responde:
            -Estou pronta.
            Enquanto Cão dorme, Gralha e Raposa correm pela floresta, voam pela grama e saltam sobre as rochas.
            Raposa corre tão depressa que suas patas mal tocam o chão, e Gralha vibra:
            -Finalmente estou voando. Realmente voando!
            Raposa corre pelas colinas, por planícies poeirentas e pelas caatingas, até chegar ao deserto vermelho e quente.
            Ela para de repente. Entre ambos só há silêncio. Ninguém se move e ninguém diz nada. Então Raposa sacode Gralha de cima de suas costas, como se tirasse uma pulga e sai andando.
            Ela se vira, olha para Gralha e diz:
            -Agora você e Cão saberão o que é a solidão.
            E então ela some.
            Em meio ao silêncio, Gralha ouve um grito ao longe. Ela não sabe se é um grito de vitória ou de desespero.
            Gralha junta suas penas, que planam no ar quente.
            Ela se sente queimando no meio do nada: ” Seria tão fácil morrer aqui no deserto!”
            Mas, então, Gralha pensa em Cão acordando, descobrindo que ela se foi.
            E, lentamente, cambaleando, ela começa seu longo caminho de volta.


Autores: Margaret Wild e Ron Brooks             

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