Raposa
Pela
floresta chamuscada, por cima de cinzas quentes, corre Cão, com uma ave presa
em sua grande boca. Ele a leva para sua caverna, cima do rio, e lá tenta tratar
da asa queimada de Gralha, mas ela não quer sua ajuda.
-Nunca
mais conseguirei voar – ela sussurra.
-Eu
sei- diz Cão.
Após
um momento de silêncio, ele fala:
-Sou
cego de um olho, mas a vida ainda é boa.
-Um
olho não é nada! Diz Gralha.
-Como
você se sentiria se não pudesse correr?- ela pergunta.
Cão
não responde.
Gralha
arrasta seu corpo para a sombra das rochas, até fundir-se à escuridão.
Dias,
talvez semanas depois, ela acorda com um sobressalto de tristeza. Cão está à
espera e a convence a acompanhá-lo até às margens do rio.
-Suba
nas minhas costas – ele diz.
-Olhe
dentro da água e me diga o que você vê.
Suspirando,
Gralha faz o que ele pede. Refletidos na água estão o céu, as nuvens, as
árvores - e algo mais.
-Vejo
uma estranha criatura! – ela exclama.
-Somos
nós – diz Cão – agora, segure-me firme!
Com
Gralha agarrada em suas costas, ele corre pelas moitas, através da mata de
espinheiros amarelos, até o azul. Vai tão rapidamente que parece estar voando.
Gralha sente o vento fluindo por
suas penas e alegra-se:
-Voa,
Cão, voa! Eu serei o
olho que lhe falta, e você será minhas asas.
E,
assim, Cão corre com Gralha em suas costas todos os dias, no verão e no
inverno.
Depois
das chuvas, quando os brotos aparecem por toda parte, uma raposa surge na
floresta.
Raposa,
com seus olhos ferinos e pelo grosso avermelhado. Ela se esgueira entre as
árvores como uma língua de fogo, e Gralha treme de medo.
Mas
Cão diz:
-Bem-vinda!
Podemos lhe oferecer casa e comida.
-Obrigada!
– diz Raposa.
Eu
os vi correndo esta manhã. Achei fantástico!
Cão
sorri, mas Gralha se encolhe toda.
Ela
percebe Raposa de olho em sua asa queimada.
Ao
anoitecer, quando o ar fica perfumado com o aroma das flores, Cão e Gralha
descansam na entrada da caverna, desfrutando da companhia um do outro. Vez por
outra, Raposa participa da conversa dos dois, mas Gralha percebe seu olhar,
sempre dirigido para ela.
E,
à noite, seu cheiro parece penetrar na caverna, um cheiro de raiva, inveja e
solidão.
Gralha
tenta avisar Cão sobre Raposa:
-Ela
não tem amigos, não ama ninguém.
Mas
Cão responde:
-Deixa
para lá! Não se preocupe!
Naquela
noite, enquanto Cão dormia, Raposa sussurrou para Gralha:
-Eu
corro mais depressa do que Cão. Mais depressa do que o vento, Deixe Cão e venha
comigo.
Gralha
respondeu:
-Nunca
deixarei Cão. Sou o olho que lhe falta, e ele é as minhas asas.
Raposa
nada mais disse naquela noite, porém, no dia seguinte, quando Cão foi até o
rio, ela volta a sussurrar para Gralha:
Você
se lembra de como era bom voar? Voar de verdade?
Novamente
Gralha responde:
-Eu
nunca deixarei Cão. Eu sou o olho que lhe falta, e ele é as minhas asas.
Mas,
naquela tarde, quando Cão corre pela mata com Gralha nas costas, ela pensa:
“Isso nada tem a ver com voar. Nada!”
E,
de madrugada, quando Raposa lhe sussurra pela terceira vez, ela responde:
-Estou
pronta.
Enquanto
Cão dorme, Gralha e Raposa correm pela floresta, voam pela grama e saltam sobre
as rochas.
Raposa
corre tão depressa que suas patas mal tocam o chão, e Gralha vibra:
-Finalmente
estou voando. Realmente voando!
Raposa
corre pelas colinas, por planícies poeirentas e pelas caatingas, até chegar ao
deserto vermelho e quente.
Ela
para de repente. Entre ambos só há silêncio. Ninguém se move e ninguém diz
nada. Então Raposa sacode Gralha de cima de suas costas, como se tirasse uma
pulga e sai andando.
Ela
se vira, olha para Gralha e diz:
-Agora
você e Cão saberão o que é a solidão.
E
então ela some.
Em
meio ao silêncio, Gralha ouve um grito ao longe. Ela não sabe se é um grito de
vitória ou de desespero.
Gralha
junta suas penas, que planam no ar quente.
Ela
se sente queimando no meio do nada: ” Seria tão fácil morrer aqui no deserto!”
Mas,
então, Gralha pensa em Cão acordando, descobrindo que ela se foi.
E,
lentamente, cambaleando, ela começa seu longo caminho de volta.
Autores:
Margaret Wild e Ron Brooks
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