FUNDAMENTOS
TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL (perspectiva
histórico-cultural)
José Carlos Libâneo
Universidade
Católica de Goiás - Brasil
1. Pedagogia crítico-social: breve
histórico de uma corrente pedagógica
A formulação da pedagogia
crítico-social no Brasil está diretamente ligada ao período de abrandamento do
regime militar, a partir de 1980[1]. A
retomada do movimento sindical em 1978, os indícios de esgotamento do poder
militar e a rearticulação das forças de oposição dão impulso à abertura
política e ao movimento de redemocratização do país que culminou, em 1985, com
a eleição, por um Colégio Eleitoral, de novo presidente da República, pondo fim
à ditadura militar. No ano de 1980 foi realizada, em São Paulo , a I
Conferência Brasileira de Educação, marco da retomada dos estudos críticos em
educação.
A década de 1980, marcada pelo clima
de transição entre o cerceamento da atividade intelectual e investigativa e a
abertura política, representa no campo da educação, um período de duras
críticas à estrutura sóciopolítica do país e às políticas educacionais vigentes.
As críticas eram formuladas por várias correntes de esquerda fortemente
influenciadas pelo marxismo. Nesse período, verifica-se a presença de teorias
recebidas do exterior tais como as teorias reprodutivistas, especialmente a
teoria de ensino enquanto violência simbólica desenvolvida por P. Bourdieu e J.
C. Passeron (1975), a teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado
de L. Althousser (1975), as teorias crítico-emancipatórias produzidas pela
Escola de Frankfurt, junto com outras, dentro do país, como a pedagogia
libertadora de Paulo Freire ,
a pedagogia histórico-crítica e pedagogia crítico-social dos conteúdos, estas
de orientação marxista, além de estudos esparsos de Pedagogia Libertária.
Até o final da década de 1970, o
pensamento de esquerda não tinha nenhuma manifestação explícita em relação a
propostas educacionais. O que dominava era o ideário do movimento da escola
nova e, próximo a uma visão da esquerda, o pensamento pedagógico de Paulo
Freire. Na segunda metade dessa década, no entanto, vários intelectuais do
campo da educação assumiram posições marxistas, em boa parte sob a orientação
de Dermeval Saviani. Este pesquisador começou por uma crítica ao caráter
reducionista da teoria da violência simbólica de P. Bourdieu, no livro “A
Reprodução”, e, igualmente, da teoria desenvolvida por Baudelot e Establet em “A
escola capitalista na França” e das posições de Althousser, que visavam
demonstrar a escola como inculcadora da ideologia burguesa e reprodutora das
relações de dominação sob o capitalismo (Cf. Saviani, 1983). Em seguida, Saviani
passou a formular as bases de uma teoria pedagógica fundamentada no marxismo,
acentuando especialmente o papel contraditório da escola. Este teórico apontava
a falta de enraizamento histórico das teorias crítico-reprodutivistas, o que não
lhes permitia “a apreensão do movimento histórico que se desenvolve
dialeticamente em suas contradições” (2008, p. 140). Saviani deu à sua concepção
a denominação de pedagogia histórico-crítica, conforme escreve:
Quando se pensam os fundamentos teóricos, observa-se
que, de um lado, está a questão da dialética, essa relação do movimento e das
transformações; e, de outro, que não se trata de uma dialética idealista, uma
dialética entre os conceitos, mas de uma dialética do movimento real. Portanto,
trata-se de uma dialética histórica, expressa no materialismo histórico, que é
justamente a concepção que procura compreender e explicar o todo desse processo,
abrangendo desde a forma como são as produzidas as relações sociais e suas
condições de existência até a inserção da educação nesse processo (Ib., p.
141).
Por sua
vez, a pedagogia crítico-social dos conteúdos surgiu como uma versão da
pedagogia histórico-crítica voltada para a didática. A denominação ficou
conhecida com a publicação do livro Democratização da escola pública: a
pedagogia crítico-social dos conteúdos (Libâneo, 1985)[2].
O livro apareceu no contexto de um movimento muito forte em defesa da escola
pública, no estado de São Paulo, liderado por educadores ligados à Associação
Nacional de Educação–ANDE. Esse movimento,
do qual também fazia parte Saviani, tinha um posicionamento muito afirmativo em
relação à escola, como instância auxiliar de democratização da sociedade. Em
torno dessa Associação, foram se desenvolvendo estudos e pesquisas sobre os
fatores históricos e sociais determinantes da escola pública brasileira, a
influência de fatores extra e intra-escolares na marginalização escolar de
crianças pobres, as propostas de escolarização na perspectiva de um ensino
voltado para os interesses populares. Esse movimento pretendia juntar a análise
crítica mais global da problemática da escola brasileira com propostas
concretas de intervenção pedagógica, tendo como referencial teórico o marxismo.
Em 1985 eu escrevi: “a ênfase desse movimento recai sobre o papel da escola
enquanto determinada historicamente, mas, também, enquanto campo de luta para a
eliminação das contradições sociais” (Libâneo, 1985). Ou seja, os militantes da
ANDE não queriam apenas fazer a crítica, mas a intervenção no cotidiano real
das escolas do ponto de vista curricular, metodológico, visando uma educação
crítica. Desse modo, a pedagogia crítico-social pretendeu, ao lado de outras
correntes, dar respostas mais específicas a questões pedagógicas e didáticas da
escola pública.
Caracterização
No Brasil a pedagogia crítico-social
é uma das correntes da pedagogia crítica que propõe uma educação vinculada à
realidade econômica e sócio-cultural dos educandos, ligando ensino e ação
transformadora da realidade, ação e reflexão, prática e teoria. Sustenta a
idéia de que o conhecimento está comprometido com a emancipação das pessoas,
com a liberdade intelectual e política. Por isso, associa as tarefas do ensino
a uma análise crítica sócio-histórico-cultural do contexto em que as pessoas
vivem.
A pedagogia crítico-social defende,
com muita determinação, que o papel da escola é o de formação cultural, de
difusão do conhecimento científico. Formula princípios e orientações para a
conversão do saber cientifico em saber escolar. Entende que a ação pedagógica
está carregada de intencionalidade e que o ensino da ciência pressupõe
interesses que são sociais, políticos, daí a ideia de aprender uma cultura
crítica.
Na prática, significa uma abordagem
crítica dos conteúdos, crítica no sentido de tratar os conteúdos escolares
dentro de uma análise concreta das relações econômicas, sociais, culturais que
envolvem a prática escolar. A pedagogia crítico-social quer contribuir
efetivamente para a formação sujeitos pensantes e críticos. Por isso,
compreende que o ensino cria modos e condições para o desenvolvimento da
capacidade do sujeito para colocar-se ante a realidade a fim de pensá-la e nela
atuar, visando à transformação. Ensinar a pensar criticamente é fazer a ação
docente incidir sobre a capacidade do aluno de apropriar-se de forma crítica dos
objetos de conhecimento, a partir de um enfoque totalizante da realidade e de
sua problematização. A culminação desse ensino deve ser a aquisição, pelos
alunos, de conceitos que orientam e fortalecem criticamente suas ações no mundo
em que vivem.
A PCSC assume hoje a visão
histórico-cultural, na tradição da Escola de Vygotsky, cujos traços podem ser
assim resumidos: o sujeito tem papel sujeito em sua aprendizagem; o ensino é
mediado pela ação do professor e também pelos outros sujeitos envolvidos no
processo; desenvolver o pensamento é aprender a pensar por conceitos; aprender
a pensar por conceitos requer um ensino que influencie, por meio dos conteúdos,
no desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno; no ensino há dois
processos de mediação indissociáveis, ambos influenciando o desenvolvimento do
pensamento do aluno: a mediação cognitiva dos conteúdos e a mediação didática
desta mediação cognitiva, providenciada pelo professor.
Mas, pedagogia crítico-social dos conteúdos está aberta também a outras orientações teóricas
contemporâneas, desde que enriqueçam idéias assentadas na matriz vygotskiana.
Defende, por exemplo, a idéia de escola
como um espaço de síntese entre a cultura experiencial (que ocorre na família,
nos grupos de vizinhança, na rua, na cidade, nos meios de comunicação etc.) e a
cultura formal (os conteúdos do ensino escolar). Assim, considera extremamente
relevantes implicações pedagógicas e didáticas vindas do interculturalismo (como
o acolhimento da diversidade cultural dos alunos), da educação ambiental,
da luta pela paz, dos movimentos sociais. São bem vindas essas contribuições se
levarem ao que é essencial na formação dos alunos: que os conteúdos culturais e
científicos incidam no desenvolvimento das capacidades cognitivas, das competências
para pensar, das habilidades de pensamento, da aquisição de conceitos unida ao
desenvolvimento de uma subjetividade capaz de fazer frente aos problemas e
desafios do nosso tempo, da realidade tecnológica, planetária, ambiental,
global.
2. Fundamentos epistemológicos
2.1.
Uma visão pedagógica baseada na dialética marxista que concebe o processo educativo
como processo co-determinado pelo processo social global da produção da vida
humana e como mediação no processo de relação ativa sujeito-mundo. Nesse
sentido, adota o princípio do trabalho – atividade humana transformadora - como
elemento definidor da existência humana, base da sociabilidade humana.
2.2.
O desenvolvimento histórico tem como fundamento a vida social – atividade
humana prática de produção das condições de existência (Marx, Ideologia alemã).
A práxis social, assim, é o fundamento do processo educativo: as práticas
educativas se constituem socialmente. Ou seja, o desenvolvimento histórico, a
história da sociedade, a história do conhecimento, a história das relações
econômicas, têm como fundamento, a sociabilidade humana. Por isso se diz que a
educação está enraizada na prática social, na dinâmica das relações sociais.
Daí, caráter de intencionalidade da ação pedagógica, i.e., didática como
prática de comunicação intencional e mediação da relação ativa do sujeito com
os objetos de conhecimento.
2.3.
O conhecimento tem caráter histórico-social. Sujeito e objetos do conhecimento
são históricos (sujeito produto de relações sócio-históricas concretas); objeto
historicamente constituído em objeto social humano. Portanto, o processo de
conhecimento não é espontâneo, mas mediado por significados e símbolos
socialmente constituídos. Daí dizer-se que a relação sujeito-objeto é socialmente
mediada. A reflexão dialética é instrumento cognitivo de apreensão da
historicidade dos conteúdos.
2;4.
O desenvolvimento humano ocorre em sua atividade sobre o meio natural e social,
atividade está que assume a forma de práxis social. Em face de determinadas
relações sociais que impedem a atividade livre e consciente do ser humano
devido à alienação, a pedagogia posiciona-se frente à práxis social de modo
radicalmente crítico. As práticas educativas visam enriquecer, teórica e praticamente,
a atividade humana.
2.5.
Em coerência com as teses anteriores, entende-se que a pedagogia estuda a
educação nos seus vínculos materiais e sociais, isto é, na sua historicidade,
na sua transformação. Ela não pode fundamentar-se a si própria a não ser
enquanto referida às exigências de humanização da práxis humana em suas
determinações econômico-sociais. Por essa razão, o objeto de estudo da
Pedagogia é um objeto sempre em construção, i.e., a pedagogia vai intervindo na
prática educativa e, com isso, formando seu conteúdo.
O caráter “pedagógico” refere-se às
formas de prática social, mormente as práticas educativas, que promovem e ampliam
o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos sujeitos. Tais formas de
prática social referem-se a fatores sociais, culturais, históricos,
institucionais que afetam o ensino e a aprendizagem. Nesse sentido, o contexto
sócio-cultural é fonte para o desenvolvimento, transformando-se em mediação
cultural para as aprendizagens.
2.6.
O ensino consiste dos modos e condições de apropriação das capacidades formadas
historicamente e objetivadas na cultura material e espiritual. O papel central
do ensino é a promoção do desenvolvimento mental pela interiorização de signos,
isto é, formação de conceitos abstratos para além da experiência sensível
imediata.
O ensino atua como mediação, como
intervenção pedagógica, na relação ativa do sujeito com os objetos de
conhecimentos, visando à formação e desenvolvimento de ações mentais unidas a
uma realidade concreta. O caráter do “pedagógico” se define na dialética entre
a direção dada pelo professor à atividade de aprendizagem do aluno e sua
autoatividade de aprender.
3. Pedagogia crítico-social: uma
didática para a formação de sujeitos pensantes e críticos: aportes da teoria
histórico-cultural
3.1.
Frente às necessidades educativas presentes, a escola consolida-se como lugar
de mediação cultural, visando à assimilação e reconstrução da cultura. A
pedagogia, ao viabilizar a prática educativa escolar, constitui-se como prática
cultural, como forma de trabalho cultural, intencional, de produção e
internalização de significados. Consequentemente, a função da escola é promover
e ampliar o desenvolvimento mental e a personalidade. pela mediação cultural. A
mediação cultural consiste em ações pedagógicas destinadas ao domínio dos
conteúdos e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento das capacidades cognitivas e
operativas (pela formação de conceitos como processo de reflexão dialética dos
objetos).
3.2.
A concepção histórico-cultural prioriza o papel do contexto sócio-cultural no
desenvolvimento das funções psicológicas humanas. O desenvolvimento das
capacidades de pensamento se realiza ao se utilizar a cultura humana (no
sentido de experiência sócio-histórica da humanidade), o que podemos chamar
“mediação cultural”. Os indivíduos tornam-se cada vez mais humanos à medida que
adquirem as bases da cultura humana. Ou seja, a dimensão cultural é
constitutiva do desenvolvimento individual.
Essa constituição depende da aprendizagem
que, por sua vez, depende do uso de signos culturais (enquanto representação
simbólica da realidade) como instrumentos da atividade humana para a construção
de processos mentais superiores. A internalização dos signos é requisito para
os indivíduos organizarem seu comportamento e suas ações. A educação e o ensino
escolar são meios fundamentais de promover a interiorização (“apropriação”) dos
signos. A interiorização dos signos culturais pelo indivíduo é condição
essencial para a qualidade auto-reguladora de suas ações e comportamento.
A explicação de Vygotsky é de que
“toda função mental surge em cena duas vezes e de dois modos: primeiro,
socialmente, interpessoalmente, ou interpsicologicamente e, segundo,
psicologicamente, dentro da mente da criança, isto é, instrapsicologicamente”.
Eu me relaciono comigo tal como as pessoas
relacionam-se comigo. (...) A relação entre as funções psicológicas superiores
foi, outrora, relação real entre pessoas (Vigotsky).
A atividade humana é social, na medida em que o ser
humano se relaciona com outros seres, mas é também cultural, na medida em que
participa de metas comuns e de instrumentos que permitem alcançá-las, unidas
quase sempre a sistemas de valores que se transmitem de uns a outros, tanto os
membros de uma mesma geração como através das gerações (B. Rogoff).
O ensino deve atuar na zona de
desenvolvimento proximal, com base em interações especificas entre crianças e
adultos e entre crianças e crianças.
3.3.
A didática tem um núcleo próprio de estudos: a relação ensino-aprendizagem.
Nesta relação estão implicados os objetivos, os conteúdos, os métodos, as
formas de organização do ensino. A didática está fortemente ligada a questões
que envolvem o desenvolvimento de funções cognitivas visando à aprendizagem
autônoma.
...um dos aspectos mais relevantes para entender a
formação da cultura experiencial de cada indivíduo é a análise de seus
processos de construção de significados. São estes significados (...) os
responsáveis das formas de atuar, sentir e pensar, enfim, da formação da
individualidade peculiar de cada sujeito, com diferente grau de autonomia,
competência e eficácia para situar-se e intervir no contexto vital (Pérez
Gomez, 2000)
A característica mais destacada do
trabalho de professor, do ponto de vista didático, é a mediação didática. O
professor põe-se entre o aluno e o conhecimento para possibilitar-lhe as
condições e os meios de aprendizagem. Tais condições e meios consistem em ações
do professor orientadas para o desenvolvimento de ações mentais dos alunos, que
assegurem a formação de capacidades intelectuais. Tais capacidades não valem
por si mesmas e sim como mediadoras do processo de aprender. Uma vez internalizadas
pelo aluno, favorecem a organização de seu pensamento para lidar com os
conteúdos, produzir relações entre conteúdos, tornar significativo seu processo
de conhecimento, desenvolver uma ação mental capaz de generalização cognitiva
em outras situações e momentos de aprendizagem.
A pedagogia crítico-social, no
intento de uma educação crítica e democrática, propõe associar a formação de
procedimentos lógicos do pensamento a uma perspectiva crítica, com o modus operandi da lógica dialética
marxista.
4.
Para Vasili Davydov, na tradição da teoria histórico-cultural, o elemento
nuclear da escola é o conhecimento teórico-científico e a principal atividade
das crianças e jovens é a atividade de aprendizagem, precisamente destinada a
apropriar-se do conhecimento teórico-científico. A teorização deste autor é
marcada pela preocupação com o necessário desenvolvimento intelectual dos alunos
para que assimilem e utilizem com êxito os conhecimentos. Para ele, a tarefa da
escola contemporânea consiste em ensinar os alunos a se orientarem
independentemente na informação científica e em qualquer outra, ou seja,
ensiná-los a pensar, mediante um ensino que impulsione o desenvolvimento
mental. Nas palavras de Davydov, “a escola deve ensinar os alunos a pensar teoricamente”.
Castells escreve que a tarefa das
escolas e dos processos educativos é desenvolver em quem está aprendendo a
capacidade de aprender. Há, ao menos,
três razões para isso: aprender a utilizar o volume crescente de dados
acessíveis na sociedade e também na rede Internet; capacidade de mudar e
adaptar-se, em caráter permanente, a um mundo diferente; educar em valores e
construir personalidades flexíveis e eticamente ancoradas.
Também Edgar Morin expressa em seus
escritos a exigência de se desenvolver uma inteligência geral que saiba
discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos
elementos. Segundo ele, “a compreensão dos dados particulares também necessita
da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos
conhecimentos de conjunto em cada caso particular” (2000).
Em síntese, o papel da escola e dos
professores, do ponto de vista da didática, está no desenvolvimento das
capacidades mentais dos alunos por meio da apropriação dos conteúdos
científicos e das ações mentais vinculadas a esses conteúdos, considerando a
estrutura psicológica da atividade de aprendizagem e o papel do contexto
sociocultural e institucional nas aprendizagens.
Nas
palavras de Davydov, o conteúdo da aprendizagem não é o conteúdo em si, mas a
formação de um tipo de pensamento que une o conteúdo e as ações mentais
correlatas a este conteúdo. A este tipo de pensamento o autor denomina de pensamento teórico-científico. Em outras palavras,
por meio da atividade de aprendizagem, os alunos aprendem a pensar teoricamente sobre um
objeto de estudo e, com isso, formam um conceito teórico apropriado deste
objeto para utilizá-lo em situações concretas da vida pessoal e profissional.
Assim, a base do ensino deve ser seu conteúdo, pois é dele que derivam os
métodos para a organização do ensino.
O
pensamento teórico se forma pelo domínio dos procedimentos lógicos do
pensamento que, por seu caráter generalizador, permite sua aplicação em vários
âmbitos da aprendizagem. Trata-se de um processo pelo qual se revela a essência
e desenvolvimento dos objetos de conhecimento e, com isso, a aquisição de
métodos e estratégias cognitivas gerais de cada ciência, em função de analisar
e resolver problemas e situações concretas da vida prática. Escreve Davydov:
Os conhecimentos de um
indivíduo e suas ações mentais (abstração, generalização, etc.) formam uma
unidade. Segundo Rubinstein, ‘os conhecimentos (...) não surgem dissociados da
atividade cognitiva do sujeito e não existem sem referência a ele’. Portanto, é
legítimo considerar o conhecimento, por uma parte, como o resultado das ações
mentais que implicitamente abarcam o conhecimento e, de outra, como um processo
pelo qual se pode obter esse resultado no qual se expressa o funcionamento das
ações mentais. Conseqüentemente, é totalmente aceitável usar o termo
“conhecimento” para designar tanto o resultado do pensamento (ou reflexo da
realidade) quanto o processo pelo qual se obtém esse resultado (ou seja, as
ações mentais) (1988)
Desse
modo, a meta da atividade de aprendizagem, incluindo a cooperação adulto-crianças
e crianças-crianças, é a própria aprendizagem. Para que isto ocorra é
necessário levar em conta a estrutura da atividade do aprender partindo das
necessidades e motivos dos alunos e organizando as tarefas de aprendizagem, as
ações e operações de aprendizagem. Esta estruturação considera a explicação
teórica fornecida por Leontiev (1970, 1980) acerca da atividade humana,
psicológica e prática.
Em
relação à influência dos contextos sociais, políticos, institucionais, na
configuração das práticas escolares, estudos teóricos recentes da teoria da
atividade têm realçado temas como a atividade situada em contextos, a
participação como condição de compreensão na prática (como aprendizagem),
identidade, papel das práticas institucionais nos motivos dos alunos,
diversidade cultural etc. Em razão disso, a diversidade cultural e suas
conseqüências surgem como uma das principais questões na teoria histórico-cultural.
Nesse
sentido, a atividade docente constitui-se como prática coletiva, que ocorre em
contextos socioculturais e institucionais, quer dizer, é preciso considerar os
contextos concretos em que se dá a formação. O ensino ocorre em marcos
socioculturais e institucionais.
REFERÊNCIAS
DAVYDOV,
V.V. Problems of developmental teaching – The experience of theoretical and
experimental psychological research. (Capítulos 1, 2, 5 e 6). Soviet Education, New York, Aug. 1998.
LEONTIEV,
Alexis N. Actividad, conciencia,
personalidad. La Habana :
Editorial Pueblo y Educación, 1983.
LIBÂNEO, José C. A aprendizagem escolar e a formação de professores na
perspectiva da psicologia histórico-cultural e da teoria da atividade. Revista Pensamiento educativo, Santiago de
Chile, Vol. 35, dic. 2004.
LIBÂNEO,
José C. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a teoria
histórico-cultural da atividade e a contribuição de Vasili Davydov. Revista Brasileira de Educação (ANPEd). N. 27,
Set a dez. 2004.
LIBÂNEO,
José C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos
conteúdos. São Paulo: Loyola,
2008 (24ª. Ed.). 1ª. edição: 1985
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez/Unesco, 2000.
PEREZ
GOMEZ, A. La cultura escolar en la
sociedad neoliberal. Madrid: Morata, 1999.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas:Autores Associados, 2008 (39ª. Ed.).
1a. edição: 1983.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogía histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2008
(10ª. edição)
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
[1] Os militares brasileiros tomaram o
poder em 1964 e governaram durante 21 anos, até 1985, num regime autoritário
com restrições políticas, censura aos meios de comunicação, prisões e torturas
de adversários políticos. O golpe militar de 1964 não foi a primeira
manifestação de ditadura no Brasil. Após a separação de Portugal, com
o fim do período colonial (1500-1822), o
Brasil se torna uma monarquia constitucional (1822-1889), mantendo a base de
sua economia na agricultura com mão-de-obra escrava. Após 67 anos de monarquia, foi
proclamada a República em 1889, quando o país passou a ser governado por um
presidente. Em 1937, por meio de golpe de Estado, Getúlio Vargas assume o poder
iniciando a ditadura do Estado Novo, com fechamento do Congresso Nacional,
extinção dos partidos políticos, nomeação de interventores para os Estados,
censura aos meios de comunicação, perseguição aos comunistas, etc. O Estado
Novo vigorou até 1945. Após esse ano, manteve-se a normalidade democrática, até
o golpe militar de 1964.
[2] Em 1990 defendi a
tese de doutorado intitulada Fundamentos
teóricos e práticos do trabalho docente - Introdução à pedagogia e à didática.
Nela pretendi formular bases teóricas mais consistentes da pedagogia
crítico-social, investigando a obra de Marx naquilo que poderia ser aplicado à
educação e a obra de autores como G. Snyders, B. Suchodolski, M. Manacorda e S.
Kowarzik. Em 1990 foi publicada a 1a. edição do livro Didática, decorrente das investigações
realizadas para aquela tese de doutorado. O livro hoje é utilizado em muitas
escolas de formação de professores.
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