Márcia
Regina da Silva
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes
necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Freire anuncia a solidariedade enquanto compromisso
histórico, capaz de promover a ética universal do ser humano. É
preciso refletir a nossa prática enquanto educadores, se estamos favorecendo a
autonomia do ser dos educandos. Formação científica, correção ética
respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o
diferente, são obrigações a que devemos nos dedicar. Somos seres
humanos condicionados mas não determinados, história é o tempo da possibilidade
e não do determinismo.
1. Não há docência sem discência.
Há saberes que são inerentes da prática educativa
em si mesma independente da concepção política do educador (ex. o ato de
cozinhar, de velejar etc...).
A reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação Teórico/prática.
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção.
Quando dizemos que não há docência sem discência,
queremos dizer que: quem ensina aprende o ensinar, e quem aprende ensina o
aprender. Homens e mulheres são seres inacabados.
No ato de ensinar, a beleza deve achar-se de mãos
dadas com a decência e com a seriedade.
O processo de aprender pode deflagrar no aprendiz
uma curiosidade crescente, o que pode torná-lo mais criador.
A força criadora do aprender de que fazem parte à
comparação, a repetição, a constatação, a curiosidade, é que supera os efeitos
negativos do falso ensinar.
1.1 Ensinar exige rigorosidade metódica.
O saber ensinado exige que o objeto ensinado seja
aprendido na sua razão de ser, e portanto, aprendido pelos educandos.
A leitura verdadeira é aquela que nos compromete de
imediato com o texto.
Uma das condições necessárias a pensar certo, é não
estarmos demasiado certos de nossas certezas.
O ensinar lida com dois momentos: um em que se
ensina e se aprende o conhecimento já existente, e outro em que se trabalha a
produção do conhecimento ainda não existente.
1.2 Ensinar exige pesquisa.
Não há ensino sem pesquisa, e pesquisa sem ensino.
Enquanto ensinamos, continuamos a buscar, a reprocurar. Pesquisamos para conhecer o que ainda não conhecemos, e comunicar ou anunciar a novidade.
Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto
implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação,
quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando.
1.3 Ensinar exige respeito aos saberes dos
educandos.
É preciso estabelecer uma intimidade entre os
saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles
têm como indivíduos.
1.4 Ensinar exige criatividade.
A curiosidade é inerente ao processo de
ensino-aprendizagem. Não há criatividade sem curiosidade.
1.5 Ensinar exige estética e ética.
Se, se respeita à natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à
formação moral do educando. Educar é formar.
1.6 Ensinar exige a corporeificação das palavras
pelo exemplo.
Pensar certo é fazer certo, é ter segurança na
argumentação é saber discordar do seu oponente sem ser contra ele ou ela.
1.7 Ensinar exige risco, aceitação do novo e
rejeição a qualquer forma de discriminação.
“Pensar certo” não é um ato isolado, mas um ato
comunicante que necessita entendimento.
Ao educador, cabe desafiar o educando e produzir
sua compreensão do que sendo comunicado.
1.8 Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
A prática docente crítica envolve o movimento
dinâmico e dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
O “pensar certo” tem que ser produzido pelo próprio
aprendiz em comunhão com o professor formador.
É pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática.
1.9 Ensinar exige o reconhecimento e a assumção da
identidade cultural
Ao assumir nós mesmos não estamos excluindo os
outros, significa assumir-se como ser histórico e social, pensante,
transformador e criador.
A questão da identidade cultura é fundamental na
prática educativa e tem a ver diretamente com assumir-nos enquanto sujeitos.
2 - Ensinar não é transferir conhecimentos
Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
2.1 Ensinar exige consciência do inacabamento
Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre homens
e mulheres o inacabamento se tornou consciente. A História de qual fazemos
parte é um tempo de possibilidades, não de determinismo.
2.2 Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado
Somos seres condicionados, mas conscientes do
inacabamento, e, por isso, sabemos que podemos ir além dele. Esta é a diferença
entre o ser condicionado e o ser determinado.
Nossa presença no mundo não é a de quem nele se
adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser
apenas objeto, mas sujeito também da História.
Assim como as barreiras são difíceis para o
cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sabemos também que os
obstáculos não se eternizam.
Assim, homens e mulheres se tornam educáveis na
medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e
homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão.
2.3 Ensinar exige respeito á autonomia do ser do
educando
O respeito á autonomia e á dignidade de cada um, é
um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.
Saber que devo respeito á autonomia e a identidade
do educando, exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.
2.4 Ensinar exige bom senso
O exercício do bom senso se faz no “corpo” da
curiosidade. Neste sentido, quanto mais pomos em prática de forma metódica a
nossa capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais
eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso
bom senso.O exercício do bom senso vai superando o que há nele de instintivo na
avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos que nos envolvemos.
2.5 Ensinar exige humildade, tolerância e luta em
defesa dos direitos dos educadores
A luta dos professores em defesa de seus direitos e
de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática
docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade
docente, mas algo que dela faz parte.
Uma das formas de luta contra o desrespeito dos
poderes públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar
nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la
e a exercê-la como prática afetiva de “tias e de tios”.
2.6 Ensinar exige apreensão da realidade
A capacidade de aprender, não apenas para nos
adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade para nela intervir,
recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível do
adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas.
Aprender, para nós, é uma aventura criadora, algo,
por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender
para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz se
abertura ao risco e á aventura do espírito ( pg. 78).
2.7 Ensinar exige alegria e esperança
Há uma estreita relação entre a alegria necessária
á atividade educativa e a esperança.
A esperança de que professor e alunos podem
aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos
obstáculos á nossa alegria.
A desesperança é a negação da esperança. A
esperança é um condimento indispensável á experiência histórica, sem ela não
haveria História, mas puro determinismo.
2.8 Ensinar exige a convicção de que a mudança é
possível
O mundo não é. O mundo está sendo. Não somos apenas
objeto da História, mas seus sujeitos igualmente.
É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil
mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógico ( pg. 89).
2.9 Ensinar exige curiosidade
O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a
intuição, às emoções, à capacidade de conjeturar, de comparar, na busca da
perfilização do objeto ou do achado e de sua razão de ser.
O fundamental é que professores e alunos saibam que
a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa,
indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é
que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.
Mas, não podemos esquecer, que a curiosidade, assim
como a liberdade deve estar sujeita a limites eticamente assumidos por todos.
Minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade do outro e expô-la
aos demais.
3. Ensinar é uma especificidade humana
A prática docente verdadeiramente democrática
exerce a sua autoridade porque tem sabedoria.
3.1 Ensinar exige segurança, competência
profissional e generosidade.
A segurança com que a autoridade docente se move
implica numa outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma
autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não
leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar á
altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua
classe, a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.
O clima de respeito que nasce de relações justas,
séria, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos
alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico.
O ensino dos conteúdos implica o testemunho ético
do professor. É impossível separar o ensino dos conteúdos da formação ética dos
educandos, a teoria da prática, a autoridade da liberdade, a ignorância do
saber, o respeito ao professor do respeito aos alunos, ensinar de aprender.
Como professor, não me é possível ajudar o educando
a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha.
3.2 Ensinar exige comprometimento
O espaço pedagógico é um texto para ser
constantemente “lido” interpretado, “escrito” e “reescrito’. Neste sentido,
quanto mais solidariedade exista entre o educador e educandos no “trato” deste
espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na
escola.
3.3 Ensinar exige compreender que a educação é uma
forma de intervenção no mundo.
A educação jamais é neutra, ela pode implicar tanto
o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Do
ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida de que a educação deve
ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades.
Não posso ser professor se não percebo cada vez
melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição.
Uma tomada de decisão. Sou professor a favor da liberdade contra o
autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a
ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante
contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos
indivíduos ou das classes sociais.
Publicado em 27/04/2005 17:06:00
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