ALFABETIZAÇÃO: ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
ALFABETIZAÇÃO: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
À minha esposa Beatriz que, com seu amor e carinho moldou meu caráter e minha filosofia de vida.
Aos meus filhos Luiz Enir e Clara Carolina – para sempre, minha melhor
história.
“Eu defino o bom leitor mais por sua produção escrita que pela leitura. Ele usa a escrita não para se distrair, mas sim para se defrontar com as dificuldades e superá-las. O bom leitor lê por necessidade.” (Foucambert, 1993)
“Eu defino o bom leitor mais por sua produção escrita que pela leitura. Ele usa a escrita não para se distrair, mas sim para se defrontar com as dificuldades e superá-las. O bom leitor lê por necessidade.” (Foucambert, 1993)
Alfabetização: Abordagem Interdisciplinar
INTRODUÇÃO
A primeira idéia a respeito da alfabetização é que deve se levar em
conta o método utilizado e maturidade da criança. É possível alfabetizar com
sucesso considerando-se somente esses dois aspectos?
Diante de vários estudos realizados, podemos considerar também o
terceiro elemento que é a natureza do objeto de conhecimento que envolve esta
aprendizagem: o conhecimento cognitivo, a “leitura do mundo” da criança. Ela
escreve como acredita dentro de um conjunto de palavras e assim nos oferece
material importante para ser interpretado e analisado.
A criança escreve “como se” soubesse escrever. Ela pode conhecer o nome
e seu som, sem conhecer o sistema de escrita. Ler e escrever são atividades de
processamento de informação; falar e compreender a fala são características
biológicas da espécie humana e são adquiridas na infância por mera exposição à
linguagem oral; ler e escrever pode adquirir-se em qualquer idade e requer
instrução. Portanto, alfabetizar requer também o ensinamento, a orientação
clara, pois alguns tipos de patologia impedem a aquisição normal da linguagem
oral, mas os problemas enfrentados pelo governo são relativos à falta ou
insuficiência de aprendizagem escrita.
Não se aprende a ler e a escrever como se aprende a falar e compreender
a fala. A escrita é uma representação da linguagem, no entanto, ela não
representa todos os aspectos da linguagem.
Alfabetizar é desenvolver no alfabetizando a capacidade de extrair a
pronúncia e o sentido de uma palavra a partir de sinais gráficos (a capacidade
de ler) e decodificar graficamente os sons correspondentes a uma palavra (a
capacidade de escrever). A alfabetização apóia-se no conhecimento que o
indivíduo já tem da linguagem oral, seja conhecimento de estruturas sintáticas,
seja de vocabulário que lhe permitem compreender seu meio lingüístico.
Todas as crianças compreendem a linguagem antes de serem alfabetizadas,
o que a alfabetização traz de específico não é só a compreensão da linguagem. O
que ela traz de específico é a capacidade de identificar e produzir a forma
gráfica das palavras. Isso explica porque devemos distinguir entre o objetivo e
o processo de alfabetização. O objetivo é a compreensão e a produção de textos.
Contudo, o processo de alfabetização, ao menos em sua fase inicial e crucial, é
constituído pela aprendizagem das habilidades e dos mecanismos que permitem com
rapidez e precisão, reconhecer as palavras escritas e produzir a sua forma
gráfica.
Embora o objetivo da atividade de leitura seja a compreensão do texto,
aquilo que essa atividade tem de específico relativamente à escrita do mesmo
texto é o reconhecimento das palavras escritas. Lemos para compreender, mas ler
não é compreender. Ler é reconhecer as palavras escritas; o processo de
reconhecimento é uma condição, um passo necessário para a compreensão. É
necessário os professores pesquisarem um embasamento teórico mínimo sobre a
ciência da leitura que sirva para direcionar-lhes à prática. É preciso conhecer
um pouco mais sobre o que está envolvido na apropriação do processo de ler e
sobre os aspectos fundamentais do ato da leitura: lingüísticos, fisiológicos,
psicológicos e sociais.
O ponto de partida das situações de ensino são as possibilidades e
necessidades de aprendizagem dos alunos, o que de fato pensam e sabem sobre a
escrita; é isto que possibilita que a aprendizagem seja significativa.
O que chamamos de acesso ao mundo da escrita – num sentido amplo – é o
processo de um indivíduo entrar nesse mundo, e envolve o aprendizado de uma
técnica (ler e escrever envolve relacionar sons com letras, fonemas com
grafemas, para codificar ou decodificar). Envolve também aprender a segurar um
lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita.
A porta de entrada desta técnica consiste em desenvolver as práticas de uso
desta.
É necessário ter um método fundamentado numa teoria e uma teoria que
produza um método. Vamos educar os outros se quisermos que eles fiquem
diferentes, pois educar é um processo de transformação das pessoas. Conhecer o
contexto de cada criança para compreender, respeitar seu jeito de falar,
trabalhar as dificuldades de cada um.
O professor pode mediar o ensinamento, incentivar e auxiliar o aluno a
aprender a aprender. Ele deve preparar-se com esforço e interesse. Só se ensina
bem o que se conhece bem. Onde há boa vontade, há vários caminhos.
Este trabalho tem como objetivo argumentar em defesa de uma proposta de
alfabetização a partir de textos que abordem problemas da área de Ciências
Sociais e que podem tratar de História, Geografia, Antropologia, Filosofia,
Ecologia, Sociologia, Política, entre outros, pois sabe-se que as práticas
tradicionais de alfabetizar por meio de cartilhas silábicas e atividades
semelhantes precisam ser superadas, com urgência, pois contribuem em larga
escala para a lentidão na aprendizagem da leitura e escrita, atrasando o
processo de desenvolvimento dos alunos, indo de encontro à formação do leitor
crítico.
Para o desenvolvimento deste estudo, optamos pela pesquisa bibliográfica,
pois esta procura explicar o fato a partir de referências teóricas publicadas,
buscando conhecer e analisar o conteúdo e as contribuições culturais.
1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem ou
como código de transcrição gráfica das unidades sonoras; é um processo
histórico de construção de um sistema de representação. Porém, a criança
enfrenta dificuldades quanto à construção do sistema e ela reinventa esses
sistemas.
Deve-se respeitar a criança, reconhecer que ela não pede permissão para
aprender. O “saber” da criança significa que ela já construiu algum conceito a
respeito das letras.
Ela pode conhecer o nome e seu som, sem conhecer o sistema de escrita e
começa a desenhar, a traçar os nomes de acordo com o que entendem por si
mesmas.
Com a interferência do professor elas recebem a forma das letras da
sociedade e as adotam tal e qual. Começam aí os conflitos particulares: ela
descobre que não basta uma letra ou sinal ou traço para representar uma sílaba,
a quantidade de sons não corresponde à quantidade de letras e vice-versa.
Devemos compreender então, que a criança não é algo onde inscrevemos
letras, palavras segundo determinado método, mas devemos aceitar que toda
informação assimilada por ela deve ser trabalhada.
Se não for assim, a criança chega à convicção que o conhecimento não é
algo participativo, mas já estabelecido, imutável. Ela chega letrada à escola,
envolvida com a escrita, conhece logotipos, sinais do ambiente onde está inserida.
Na escola, este conhecimento vai ser formalizado, a criança vai ser
alfabetizada. Cabe ao professor interferir, mediar estas informações que a
criança traz dentro de sua realidade, respeitando principalmente seus limites.
Letramento é uma palavra e conceito recentes, seu surgimento é uma
necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área de
leitura e da escrita que ultrapassam o domínio do sistema alfabético e
ortográfico.
A insuficiência de apenas alfabetizar – no sentido tradicional – a
criança ou o adulto, tornaram visíveis e importantes os comportamentos e
práticas sociais de leitura e escrita. As atividades profissionais tornaram-se
cada vez mais centradas na escrita e dependentes da escrita.
O conceito letramento tem sua origem em uma ampliação do conceito de
alfabetização e esses dois processos têm sido confundidos e fundidos.
É necessário reconhecer que alfabetização – entendida como a aquisição
do sistema convencional de escrita – distingue-se de letramento – entendido como
o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura
e da escrita em práticas sociais. Entretanto, é necessário reconhecer que,
embora extintos, alfabetização e letramento são interdependentes e
indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto
de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, em um
contexto de letramento e por meio de atividades de letramento, só pode
desenvolver-se na dependência da aprendizagem e por meio da aprendizagem do
sistema de escrita.
Os métodos de alfabetização alternam-se em um movimento pendular: a
opção pelo princípio da síntese
– a alfabetização a partir das unidades menores da língua
– os fonemas, as sílabas em direção às unidades maiores
– a palavra, a frase, o texto (método fônico, método silábico) ou a
opção pelo princípio da análise, a alfabetização parte das unidades maiores e
portadoras de sentido
– a palavra, a frase, o texto
– em direção às unidades menores (método da palavração, método da
sentenciação, método global).
No entanto, os estudos que esclarecem tanto os processos de aprendizagem
quanto os objetos da aprendizagem da língua escrita, e as relações entre
aqueles e estes, evidenciam que privilegiar uma ou outra faceta, subestimando
ou ignorando outras, é um equívoco, um descaminho no ensino e na aprendizagem
da língua escrita, mesmo em sua etapa inicial. A prática docente deve integrar
as várias facetas. Integrar e articular os dois processos, pois eles são
indissociáveis, simultâneos e interdependentes.
A criança alfabetiza-se (toma conhecimento do sistema alfabético e
ortográfico) em situações de letramento – no contexto de e por meio de
interação, de sua participação em práticas sociais de leitura e escrita.
O alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando, integrando e articulando
as várias facetas do processo de aprendizagem é o caminho para a superação dos
problemas que vimos enfrentando na escolarização.
Com base na teoria de Piaget, o processo pelo qual a criança aprende a ler
e escrever e mostra que, para a língua escrita, a criança precisa construir
resposta para duas questões: o que a escrita representa e como ela representa.
A criança procura compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta.
Interagindo com a escrita, busca regularidade, constrói sistemas de
interpretação, pensa, raciocina, inventa, coloca à prova suas antecipações;
reinventa o idioma escrito, esse objeto social particularmente complexo.
Ela deve compreender seu processo de construção e regras de produção.
Isso é fácil dizer, mas difícil de aplicar de forma coerente e sistemática na
prática. A criança chega à escola com notável conhecimento da língua materna,
um saber lingüístico que utiliza inconscientemente, nos atos diários de
comunicação.
Ela está exposta à influência de uma série de ações que envolvem a
escrita. Algumas crianças chegam à escola sabendo mais do que outras e é
necessário que o educador saiba perceber os fatos. Deve identificar o nível de
apropriação lingüística de cada uma e promover atividades ricas, prazerosas e
desafiadoras que lhe dêem oportunidades para interagir com a linguagem escrita
e construir conhecimentos.
Um aluno intelectualmente ativo não é o que faz muitas coisas ou tem uma
atividade observável. É aquele que compara, exclui, ordena, categoriza,
reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza. É o sujeito que, segundo
Piaget, procura ativamente compreender o mundo que o cerca, buscando as
interrogações que este mundo lhe propõe.
Por muitos anos se acreditou que o fundamental para alfabetizar os
alunos era o treino da memória, da coordenação motora, da discriminação visual
e auditiva e da noção de lateralidade. A partir das pesquisas científicas sobre
como se aprende a ler e escrever, é que a alfabetização é um processo de
construção de hipóteses sobre o funcionamento e as regras do sistema alfabético
e que é extremamente complexo, que demanda procedimentos de análise também
complexos por parte de quem aprende; e podemos constatar que, por trás da mão
que escreve e do olho que vê, existe um ser humano que pensa e, por isso,
alfabetiza-se.
1.1 O papel da família no processo de letramento
A influência da família no desenvolvimento humano é inquestionável, mas
como ela poderia influenciar a formação de indivíduos letrados e,
conseqüentemente de cidadãos críticos?
O processo de aquisição da linguagem que é um princípio básico para o
letramento, é fruto do convívio familiar, pois é nesse ambiente que o indivíduo
aprende a se comunicar. Embora outros grupos de convívio social auxiliem esse
processo, é no ambiente familiar que se dão os primeiros passos.
A linguagem é um recurso essencial para o desenvolvimento da comunicação
do indivíduo com o mundo e consigo mesmo. Para intervir no processo de
socialização das crianças, a família utiliza técnicas acompanhadas por
instruções orais. A forma com que cada família lança mão dessas instruções
torna-se uma das responsáveis pelo desenvolvimento da linguagem da criança.
Nos anos iniciais de sua vida a criança tende a observar e reproduzir
comportamentos adotados por outras pessoas, em especial pelos pais, vistos
pelos filhos como modelos. Desse modo, com ou sem intenção, os pais agem
diretamente na formação de seus filhos.
Ao conviver e se relacionar com adultos – modelos que interpretam e
constantemente produzem escrita, a criança, desde muito cedo, age e lida com
naturalidade com o contexto de leitura e escrita. Portanto, a partir do momento
que identifica e reconhece a importância da leitura e da escrita para sua
prática social, a criança inicia precocemente seu processo de letramento. Este
processo depende de como a criança vai ser introduzida no mundo da escrita e
como vai conviver com essa escrita.
O constante uso de recursos de leitura e de escrita em família contribui
para a formação de bons leitores, o ambiente influencia a aquisição de hábitos
de leitura. Os estímulos dos pais ajudam a desenvolver os interesses.
Vivendo em ambiente de letramento onde conviva com livros, ouça
histórias, veja adultos lendo e escrevendo, ou seja, em ambiente em que as
práticas de leitura e escrita sejam cultivadas, a criança apropria-se dessas
práticas com naturalidade: pega livros e finge estar lendo, utiliza lápis e
papel para produzir cartinhas ou historinhas. Essas atitudes evidenciam que a criança
reconhece a função social da escrita. E mesmo sem ser alfabetizada pode ser
considerada letrada.
Não é raro encontrar pessoas que façam relatos das dificuldades que
encontraram para reter assuntos que foram estudados e abordados na escola. Esse
enriquecimento se deve, em parte, pela ausência de significância de tais
assuntos para si. Sem significado não há registro.
Com freqüência, encontram-se relatos de pessoas sobre si mesmas ou de
outras pessoas com referências às suas experiências familiares, constando
declarações do que aprenderam com suas famílias. Esses relatos geralmente são
marcados com frases do tipo:meu pai sempre dizia…
Frases como essa mostram que mesmo que neguem, os filhos estão sempre
ouvindo e assimilando o que é ensinado pelos pais. Na maioria das vezes suas
atitudes são reflexo daquilo que vivenciaram dentro da família. Não é possível
educar pela ética, enquanto a idéia central for a de que para vencer na vida é
preciso ter esperteza e malandragem. A família precisa se preocupar em transmitir
valores que favoreçam a convivência social dos filhos.
Conviver com pais que não se interessam por práticas de leitura e
escrita, não dêem valor a elas e não estimulem seu uso em casa, não será fator
de referência para o processo de letramento de determinada criança. Muitos pais
precisam adentrar no processo de letramento para que se reconheçam a
importância da língua escrita para a vida social.
A falta de reconhecimento da função da língua escrita fica evidenciada
pela atitude de muitos pais que, inúmeras vezes optam por dar aos filhos
presentes como videogames, e nunca, oferecem-lhes livros como presente. Alegam
questões referentes a preços altos dos livros, porém, não hesitam em abrir
crediários para adquirir os bens advindos da tecnologia.
Com essas atitudes os pais transferem para a escola toda a
responsabilidade de formação e alfabetização de seus filhos. Além da instrução
deixam a cargo dela o dever de toda a educação. Com isso, os pais abdicam de
seu papel de orientadores e educadores dos filhos, como se a escola fosse capaz
de suprir a ausência de estímulos oriundos do ambiente familiar.
Essa visão que os pais fazem da escola como a detentora da obrigação de
educar as crianças no sentido mais amplo de educação, gera um interminável jogo
de empurra e de queixas entre família e escola. Por essa razão surge a
necessidade de uma verdadeira parceria entre ambas.
O processo de letramento, na ausência de uma família que o estimule não
é impossível, porém, torna-se mais difícil e complicado, pois a criança não tem
familiaridade com a escrita e não tem consciência de sua importância para a
vivência plena na sociedade.
1.2 Alfabetização x fracasso escolar
Existe no Brasil a crença de que a alfabetização pode classificar os
alunos em mais inteligentes e menos inteligentes, os que sabem ler e os que não
sabem. No entanto, a alfabetização escolar é apenas uma das formas de se
realizar o processo ensino-aprendizagem. Muitas vezes, dentre os alunos que não
aprendem na aula estão os alunos que usam sua alfabetização na vida diária,
vendendo em feiras ou calculando e repartindo lucros.
O contraste entre a alfabetização de rua e a da escola interessa aos
educadores e a todos que quiserem descobrir porque algumas pessoas são capazes
de resolver tão rapidamente contas de cabeça, enquanto outras ficam tentando
fazer a mesma coisa no lápis e papel. Segundo Drouet (2001), “o fracasso
escolar no período de alfabetização aparece como um fracasso da escola”;
fracasso este localizado:
- Na incapacidade de aferir a capacidade da
criança;
- No desconhecimento dos processos naturais que
levam a criança a adquirir o conhecimento;
- Na incapacidade de estabelecer uma ponte entre
o conhecimento formal que deseja transmitir e o conhecimento prático do
qual a criança, pelo menos em parte já dispõe.
Assim entendido o processo de aquisição da leitura e da escrita, a
alfabetização é entendida como um caminho percorrido pela criança para
decodificar e interpretar o código escrito. Para compreender este processo, é
preciso analisar como ocorre a aprendizagem nos educandos e, conseqüentemente,
como acontece o processo de absorção de conhecimento.
A alfabetização é foco de estudos, experiências e debates ao longo de
várias décadas. A princípio, a discussão se dava estritamente no terreno do
ensino, imaginava-se que o fracasso relacionava-se com métodos inadequados.
Em seguida, o debate sobre alfabetização trouxe uma discussão mais
acirrada sobre o fracasso escolar. Pesquisas foram elaboradas para compreender
o que havia de errado com as crianças que não aprendiam.
As estatísticas nos mostram que aproximadamente metade das crianças que
entram na primeira série do ensino fundamental são reprovadas no final do ano.
A crítica à alfabetização que sempre se fez e ainda se faz na maioria das
escolas levanta uma pergunta: Como é que nós todos aprendemos a ler e a
escrever? A questão é esse “todos”, que é apenas a metade dos alunos a quem a
escola se propõe a ensinar a ler e escrever.
Concentrou-se muito esforço em compreender o que havia de errado com os
alunos mais pobres e pensava-se que o que servia para ensinar as crianças de
classe média e alta não servia para as crianças pobres e que os processos de
aprendizagem seriam decididamente diferentes.
O que produz aparente diferença é que as crianças pobres chegam à escola
em uma fase menos avançada do processo e isso costuma tornar as informações
oferecidas pela escola inassimiláveis para elas.
Quando assumimos que para aprender a ler e escrever é necessário
construir conceitualizações cada vez mais avançadas sobre a escrita, parece
coerente que os que têm concepções mais avançadas no início da alfabetização
escolar aprendam mais rápida e facilmente.
Há um consenso de que a variável determinante está relacionada às
oportunidades extra-escolares de participação em atividades sociais mediadas
pela escrita.
A pesquisadora Schirley Brici Heath (Ways With Words: Language, Life
and Work in Community’s and Classrooms – Cambridge University Press, 1983)
analisa em diferentes comunidades a relação entre as práticas sociais
relacionadas á leitura e o prognóstico de sucesso escolar em cada uma delas. A
autora analisa as práticas cotidianas mediadas pela escrita em cada comunidade
e mostra a descontinuidade entre essas práticas e as que têm lugar na escola.
A análise mostra a enorme diferença entre a quantidade e a qualidade dos
eventos de letramento dos quais as crianças participam e aponta a estrita
correlação entre essa variável e o desempenho escolar médio das crianças. E a
comunidade mais pobre e menos letrada (as que tinham enorme dificuldades para
ir bem na escola) não era composta por um número significativo de analfabetos
como costuma acontecer no Brasil (a pesquisa foi feita nos Estados Unidos).
Essa pesquisa acadêmica está publicada em livros e artigos, mas ainda
não se deu conta de mudar o quadro de fracasso escolar. É necessário avançar e
difundir o conhecimento didático que se produziu nos últimos anos para
assegurar, cada vez mais, o direito indiscutível do aluno aprender a ler na
escola.
Os números continuam escandalosos, mas parecem ter melhorado nos últimos
anos. Essa melhora, no entanto, é ao mesmo tempo aparente e real. Uma experiência
que foi cuidadosamente monitorada – a do ciclo básico, em São Paulo – mostrou
um ganho significativo: os 50% de reprovação na 2º ano caíram para 40% ao fim
dos dois anos do ciclo básico. Mas, atualmente, muitos sistemas escolares
adotaram a progressão continuada mais ampla do que o ciclo de dois anos.
Fica, portanto muito difícil saber se a melhora, ainda que pouca seja
resultado da progressão continuada ou não. Esta idéia vem sendo tratada como se
fosse sinônimo de promoção automática. E os antigos multirrepetentes se
transformaram nos alunos analfabetos que vão passando de ano sem que a escola
se mostre capaz de, ao menos, ensiná-los a ler.
Quando o exame de admissão deixou de existir, bastava a aprovação ao fim
da 5ª série para se ter acesso ao antigo ginásio, aí passamos a enfrentar novos
índices de reprovação: a passagem da 5ª para a 6ª série. Quando se observa o
fenômeno a olho nu, uma hipótese se impõe: os alunos parecem ter enorme
dificuldade para continuar estudando, ao que tudo indica, porque não são
leitores suficientemente competentes para aprender através da leitura.
Os conteúdos curriculares de 5ª a 8ª são dependentes da capacidade de
aprender a partir de textos. Aparentemente, nem os professores de 1ª a 4ª
séries tem claro que o desenvolvimento deste grau de competência leitora é algo
que cabe a eles garantir, nem os professores de 5ª a 8ª séries supõem que essa
seja uma tarefa sua. E os alunos que não dão conta sozinhos do problema ficam
entregues a sua própria sorte.
1.3 O papel do professor alfabetizador
O professor alfabetizador poderá descobrir que o conhecimento da leitura
e da escrita é acessível a muitos, mas que é preciso saber como interpretar os
procedimentos da alfabetização desenvolvidos para a sala de aula.
Deve-se compreender que as atividades de interpretação e de produção de
escrita começam antes da escolarização, ela se insere em um sistema de
conceitos pré-elaborados.
Quando o adulto fornece informações sobre um texto, a criança processa
este texto embasado em suas concepções infantis. Devemos então pensar qual o
papel dos professores quanto à aprendizagem.
Cabe ao professor deixar a criança descobrir por si mesma, criar
condições para esta descoberta ao invés de oferecer a chave secreta do sistema
alfabético.
O conhecimento do aluno é construído por sua experiência em produzir
seus textos, usando sua elaboração própria, reconstruindo com seu esforço
pessoal: o professor deve ser o mediador desta construção. Às vezes, esta
construção parece estranha aos olhos do professor alfabetizador, mas este deve
compreender o que a criança pensou ao escrever aquela escrita.
A criança escreve do seu jeito e de forma limitada porque possui poucos
conhecimentos, tem poucos recursos. O professor precisa se dispor a ajudar,
deve promover a sua interação com o idioma de forma agradável e sem cobranças
exageradas.
Em qualquer campo de atuação, o conhecimento profissional representa o
conjunto de saberes que habilita o indivíduo para o exercício da profissão – no
caso do professor é o conjunto de saberes que o habilita para o exercício do
magistério, que o torna capaz de desempenhar todas as suas funções
profissionais.
Este repertório de saberes permite ao professor gerir a informação
disponível e adequá-lo, estrategicamente, às situações que se colocam, a cada
momento, sem perder de vista os objetivos previamente definidos. Não se pode
considerar conhecimento profissional um conhecimento que não favoreça o
exercício autônomo e responsável das funções profissionais que, no caso do
professor, são marcadas consideravelmente pelo contexto, pelo imprevisível,
pelo imponderável.
O comprometimento do professor consigo mesmo deve ser total. A capacidade
de realizar um bom trabalho tem de superar todas as expectativas. Deve saber
gerenciar sua sala de aula com amor e dedicação, que é a chave do sucesso de
todos – professor e alunos. O professor deve ter coragem de fazer diferença com
iniciativa e sem desperdiçar sequer uma oportunidade de mediar, problematizando
a interação da criança com a linguagem escrita. Aprender a observar, a duvidar,
a interrogar-se sobre o seu trabalho.
O conhecimento se constrói num processo que exige do professor decisões
que levam em conta a maneira como o aluno está pensando em cada situação,
fazendo-o interatuar com o idioma escrito e intervindo de modo a maximizar a
aprendizagem. É também construído pela experiência da criança em produzir, por
meio de elaboração própria, de pesquisa, de reconstrução e do esforço pessoal,
compartilhados com os colegas e com o professor – mediador do processo. O
professor deve fazer intervenções inteligentes, evidenciando a incoerência das
suas hipóteses, sem exigir que os alunos façam tudo sem cometer erros.
Não pode se intimidar pelo erro, pois ele faz parte do processo. O
professor desafia o aluno, permitindo que ele escreva “do seu jeito”, em várias
ocasiões e diariamente. O professor “provoca” e a resposta da criança vai se
modificando a cada nível do seu desenvolvimento. As atividades devem ser
curtas, adequadas à capacidade do aluno, criativas e lúdicas. Quando as
construções “estranhas” do aluno assustam o professor, sua tarefa é neste
momento procurar compreender como a criança pensou e dar importância às suas
tentativas de escrever e produzir.
Esse conhecimento subsidia a prática docente e norteia o planejamento da
ação pedagógica no decorrer de todo o processo.
O professor não deve ter medo do fracasso sabendo que cada construção
toma tempo, implica um grande esforço cognitivo da criança para superar as
perturbações até compreender cada questão e evoluir.
A vida nos devolve o resultado da nossa dedicação e do nosso esforço.
Não é analisando seu comportamento que o muda, mas sim quebrando os padrões
habituais, a rotina. O professor deve construir grande competência profissional
e melhorar sua qualidade de vida e de seus alunos. É necessário posicionar-se
politicamente, e conciliar a prática pedagógica com o sonho político. Segundo
Freire (1997, p.21):
“…o ensino não é a alavanca para a mudança ou a transformação da
sociedade, mas sei que a transformação social é feita de muitas tarefas
pequenas e grandes, grandiosas e humildes! Estou incumbido de uma dessas
tarefas… A questão agora é pôr minha prática ao lado de meu discurso. Isto é,
como posso ser coerente em classe”.
Ao entrar para a alfabetização a criança entra num mundo novo,
desconhecido, longe do que está habituada, e se vê obrigada a enquadrar-se no
local. Cabe ao professor encaminhar de forma agradável e produtiva o processo
de aprendizagem, sem os sofrimentos habituais. Para que este processo seja
prazeroso, é preciso que o professor:
- Ofereça o máximo de atividades que
exemplificam os usos da escrita ao apresentar palavras novas, aproveite os
acontecimentos que estejam mobilizando a turma, como, festas, músicas,
brincadeiras e fatos que sejam, da sua própria cultura;
- Mostre que os livros são importantes para uma
boa formação;
- Faça de sua sala de aula um ambiente propício
à leitura, promovendo o dia da leitura e montando um painel com as
histórias trabalhadas pelos alunos;
- Faça com que as crianças descubram todo prazer
que a escrita e a leitura possam lhe oferecer;
- É imprescindível que cada professor esteja
ciente de que cada criança tem seu ritmo próprio, cada um se encontra numa
fase diferente que é individual, mostrando-se aberto a toda produção dos
alunos para que sejam melhor compreendidos. Assim, o estímulo dado será
bem mais apropriado, indo ao encontro das reais necessidades do grupo
tornando o processo da leitura e da escrita mais agradável para o aluno e
para si mesmo.
Silva (1995) afirma: “O professor, hoje, nestas terras brasileiras de
tantas contradições e mentiras, tem uma responsabilidade fundamental: destruir
os fetiches, depender mais de si mesmo e recuperar sua imaginação criadora”.
A postura do professor deverá ser de segurança, compreensão, equilíbrio
e, acima de tudo, muito amor pelo que faz. Weizz (1999) aponta algumas
competências para os professores alfabetizadores:
- Encarar os alunos como pessoas que precisam
ter sucesso em suas aprendizagens para desenvolverem-se pessoalmente, para
terem uma imagem positiva de si mesmo, orientando-se por este pressuposto;
- Desenvolver um trabalho de alfabetização
adequado às necessidades de aprendizagem dos alunos, acreditando que todos
são capazes de aprender;
- Reconhecer-se como modelo de referência para o
aluno: como leitor, como usuário da escrita e como parceiro durante as
atividades;
- Utilizar o conhecimento disponível sobre os
processos de aprendizagem dos quais depende a alfabetização, para planejar
as atividades de leitura e escrita;
- Formar agrupamentos produtivos de alunos,
considerando seu conhecimento e suas características pessoais;
- Selecionar diferentes tipos de textos
apropriados para o trabalho;
- Responsabilizar-se pelos resultados obtidos em
relação à aprendizagem dos alunos.
O desenvolvimento dessas competências profissionais é condição para que
os professores alfabetizadores ensinem todos os seus alunos a ler e a escrever.
No entanto, Nóvoa (1992) sinaliza que para que o professor atinja este nível de
maturidade, é preciso: “práticas de formação que tomem como referência as
dimensões coletivas que contribuem para a emancipação profissional e para a
consolidação de uma profissão que é autônoma na produção de seus saberes e de
seus valores”.
Agindo desta forma, o professor estará mais livre para selecionar
métodos e técnicas, buscando os rumos e o ritmo que considera mais adequado,
colocando sensibilidade acima de qualquer modelo preestabelecido. O pensamento
nos remete a Carvalho (1994): “… é que a competência do professor, seu
envolvimento com o trabalho, atitude encorajadora e confiante em relação aos
alunos pesam muito mais para o sucesso da alfabetização do que propriamente o
método”.
1.4 Ambiente alfabetizador
O ambiente alfabetizador deve ser um lugar onde se promova um conjunto
de situações de usos reais da escrita, nas quais as crianças participam. Salas
de aulas cheias de escritas fixadas nas paredes não constituem, por si só, em
ambientes alfabetizadores, em contexto de letramento: isso é algo que depende
da criação do maior número possível de situações de uso real da escrita na
escola.
A rotina diária também exige a criação de certas normas de comportamento
escolar – facilitadores da construção da autodisciplina e do autoconceito –
ajudam a criança a seguir um roteiro, previamente estabelecido, para o qual deu
a sua contribuição, e, portanto, precisa se comprometer com a sua execução. O
professor deve estabelecer roteiros para a organização diária em sua classe, de
modo produtivo e agradável, compartilhar com os alunos a responsabilidade pela
seleção e execução do planejamento das atividades.
Para Piaget, os indivíduos tendem a buscar uma organização interna,
criando um modo próprio de agir em seu meio, pois o rito é inerente à natureza
humana e pode favorecer o aperfeiçoamento de procedimentos e a formação de
hábitos saudáveis à vida do aluno. Alguns destes, relativos ao estudo e à
aprendizagem, exigem ação, concentração e reflexão constantes. A criança ativa
e participante no seu processo de desenvolvimento precisa aprender a agir com
liberdade, independência e ordem.
A sala de aula deve ser viva, produtiva, mas disciplinada. A disciplina
é a organização do espaço escolar para favorecer a atividade dos alunos,
sujeitos do processo de construção do conhecimento, e propiciar o
estabelecimento de um clima propício à convivência e ao desenvolvimento do
respeito pelo trabalho de todos. As interações dos alunos com outros e com os
adultos, com o meio físico e social vai construir seus esquemas perceptuais
motores, cognitivos, lingüísticos e afetivos. Vai também se construindo como
pessoa, como indivíduo autônomo e responsável em um ambiente que se expressa
tanto mediante o silêncio da concentração como o ruído de vozes no diálogo que
precisa ocorrer na socialização das idéias e na coordenação de pontos de vista
diferentes, na construção da capacidade argumentativa e na construção do
próprio saber.
A criança aprende com mais facilidade num ambiente inclusivo e amoroso,
sem pressão, sem exigência autoritária e vai evoluindo dentro do seu interesse,
no seu ritmo.
Mediante a interação ativa com o objeto do conhecimento e com o meio
físico e o social, o ato de educar oferece ao educador e ao educando inúmeras
opções e oportunidades valiosas.
Para a criança é um grande prazer e uma grande satisfação o fato de
tornar-se capaz de ler. É necessário uma recepção calorosa, o alfabetizando
precisa ser tratado com carinho e respeito, para que se sinta aceito e querido,
especialmente pelo professor.
Essas atitudes de receptividade contribuem efetivamente para a
construção da sua auto-estima, tão necessária ao seu desenvolvimento.
O professor deve interagir com cada aluno com compaixão e ternura. Uma
pessoa é muito importante. O educador deve aprender sempre e construir uma
sólida cultura sobre o “processo” de alfabetização e deverá criar
possibilidades de aprendizagem significativa e segura para seus alunos.
É preciso estimular a criança a dizer o que sente; ouvi-la é a melhor
maneira de formar pessoas seguras e felizes. O ambiente deve ser propício para
conversas sobre “valores”, pois funciona mais do que sermão; valorizar o melhor
de cada um é essencial, ajudá-lo a crescer, “acreditar”, e assim adquirir o
amadurecimento.
A qualidade do ambiente – e conseqüentemente o desenvolvimento das aulas
– está diretamente relacionada ao estado de espírito das pessoas.
Alunos que se relacionam e se desenvolvem bem são aqueles que se sentem
acolhidos, valorizados por seus talentos e que lidam bem com seus sentimentos.
A participação ativa da criança, em todos os momentos, configura um
ambiente alfabetizador na instituição. Isso é especialmente importante, quando
a criança provém de uma sociedade pouco letrada, onde há pouca oportunidade de
presenciar atos de leitura e escrita.
O ambiente alfabetizador deve ser estimulador, deve estar relacionado ao
real para que a criança se interesse, sinta prazer e alegria de estar integrada
neste meio.
Unindo a função do professor ao ambiente, objetivando o avanço do aluno
à descoberta, ao conhecimento do valor social da leitura e da escrita, o
processo da alfabetização estará enriquecido e será alcançado com grande êxito.
Conforme Freire (1999):
“Se é praticando que se aprende a nadar,
Se é praticando que se aprende a trabalhar,
É praticando também que se aprende a ler e escrever.
Vamos praticar para aprender e
Vamos aprender para praticar melhor”.
2 UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR DA ALFABETIZAÇÃO
Defendemos uma abordagem interdisciplinar da alfabetização, mediada pela
Pedagogia do Texto, porque entendemos que os aprendizes, ao mesmo tempo que
aprendem a ler e escrever, podem informar-se e formar-se, construir e
reconstruir conhecimentos, conceitos e representações. Além disso, um processo
de alfabetização articulado às Ciências Sociais poderá permitir aos alunos e ao
professor ampliação de suas visões de mundo e engajamento num processo
simultâneo de autoconhecimento e de inserção crítica e criativa nas realidades
educacional e social das quais fazem parte. Faundez (1999), defendendo a
Pedagogia do Texto, argumenta:
“A maior parte dos conhecimentos (ciências, crenças, emoções, etc.) se
exprimem e se comunicam por meio de textos orais e/ou escritos. Para poder se
apropriar desses conhecimentos, o ser humano necessita dominar uma infinidade
de gêneros de textos, sem os quais ele será confrontado a obstáculos, seja na
aprendizagem, seja no ensino de tais conhecimentos”.
Por essa razão, quando defendemos a importância de alfabetizar a partir
de textos de Ciências Sociais, apontamos, igualmente, a necessidade de os
cursos de formação de alfabetizadores garantirem aos mestres-aprendizes o
desenvolvimento das competências necessárias à compreensão e domínio dos
diferentes gêneros textuais. Dessa forma, sendo a leitura meio e fim de
conhecimento, torna-se também possibilidade de autodescoberta, para professores
e aprendizes, na medida em que todos podem descobrir-se como sujeitos do
processo social e histórico de alfabetização e de vida.
O processo de aprender a ler e escrever não se desenvolve
espontaneamente, só pelo fato de “o sujeito interagir com a escrita” dentro de
um ambiente alfabetizador, como supõem algumas escolas. Ensinar como se lê, bem
como ensinar como se escreve exigem do professor domínio de conhecimentos
específicos, tais como: estrutura e funcionamento da língua em determinada
sociedade, alfabetização nos diferentes gêneros textuais, os quais, para serem
compreendidos, precisam ser estudados no contexto do discurso social.
Esses e outros conhecimentos específicos da área, articulados a uma
formação profissional genérica sobre educação, sobre processo
ensino-aprendizagem, são indispensáveis para que o professor desenvolva um
ensino de leitura e escrita de boa qualidade. Equivale dizer que o processo
ensino-aprendizagem da leitura e escrita pressupõe formação e informação,
esforço intelectual, método, disciplina, autodisciplina, desejo, tanto por parte
de quem se propõe a ensinar, como parte do aprendiz.
Essa proposta pedagógica, que pode ser desenvolvida desde a Educação
Infantil à 4ª série do Ensino Fundamental, pressupõe uma revisão conceitual e
metodológica da prática de alfabetização e tem em vista dois objetivos:
- Superar o modelo de alfabetização que separa o
ensino da leitura efetiva, tal como na abordagem tradicional, em que a
criança é orientada, primeiramente, a “juntar sílabas e formar palavras”
e, posteriormente, a “ler as palavrinhas formadas”;
- Superar a prática de segmentar: “o tempo do
início da alfabetização”, do tempo do “ensino de História, Geografia,
Ciências e Matemática”. Tal procedimento desconsidera por inteiro o papel
específico dessas ciências no processo geral de desenvolvimento e de
aprendizagem infantil, mediante as ricas possibilidades que oferece ao
aprendiz de elaboração/reelaboração de conceitos científicos e
desenvolvimento de determinadas funções psíquicas superiores.
Lembrando que os textos de Ciências Sociais, diferentemente das
cartilhas silábicas, são portadores de conceitos, informações, valores e
conhecimentos. Por meio deles, o sujeito, ao mesmo tempo que aprende a ler,
pode apropriar-se criticamente desses conceitos, conhecimentos, informações,
que não são outra coisa senão facetas da realidade. E, ao refletir sobre essa
realidade, da qual é produto e também produtor, pode descobrir-se como sujeito
social e histórico.
A Pedagogia do Texto, diferentemente dos métodos silábicos, permite
abordar essa realidade social, tomando-a, segundo Braudel (1998), “a mãos
cheias, múltipla como se sabe, ao mesmo tempo matéria de história, de economia,
de sociologia […]”. O mesmo autor afirma que os textos de história podem
ajudar-nos a “reconstituir, com tempos diferentes e ordem de fatos diferentes,
a unidade da vida”.
Consideramos essencial numa metodologia de ensino de leitura, trabalhar
com conceitos e não apenas com palavras, sílabas e letras. Isso implica
trabalhar com os diferentes gêneros textuais como produções sociais, portadores
de sentidos, intenções e objetivos. Muito mais do que habilidades perceptivas
motoras, como enfatizam as teorias e práticas tradicionais de alfabetização, é
o pensamento da criança que precisa ser instigado de modo sistemático e
contínuo durante a alfabetização.
2.1 Conceitos norteadores do processo de alfabetização
Os conceitos aqui propostos devem ser trabalhados de modo
inter-relacionados de tal forma que os conceitos de tempo, espaço e práxis
social estejam presentes em todas as discussões, durante o processo de
alfabetização. Assim, ao estudar as relações entre os sujeitos e os seus grupos
primários, por exemplo, o professor deve planejar estratégias pedagógicas:
pesquisas, entrevistas, leituras, que possibilitem à turma refletir sobre mudanças
nas relações sociais e culturais, nos costumes, nos valores que mudam no tempo
e no espaço geopolítico, da práxis dos sujeitos. Os conceitos básicos são:
- Tempo/espaço/práxis social – a criança
(sujeito) e seus grupos: família; turma e escola; rua, vizinhança e
comunidade; município onde vive e demais municípios; país e continente;
mundo natural e social;
- Sujeito, grupo sociocultural, sociedade;
- Trabalho, educação, lazer, saúde;
- História, sociedade, natureza, cultura.
Como sugestão de um programa integrado de alfabetização e Ciências
Sociais, apresentamos:
Construção da identidade pessoal/social a partir das relações entre o eu
e o outro.
Semelhanças e diferenças quanto às nossas origens biológicas e
socioculturais (nome e sobrenome, etnia, cor, idade, sexo, cultura, religião,
história). Nossas relações com os meios físico, natural e social.
Nossas relações interpessoais aqui e agora: histórias de vida pessoal e
da turma, em comparação às histórias socioculturais de outros sujeitos, em
outras épocas e locais (pais, avós, professores).
Nossas relações sociais e culturais dentro e fora de nossas comunidades,
no presente e no passado.
Como vivemos no nosso bairro, na nossa comunidade?
Como vivem as pessoas nas outras comunidades vizinhas e distantes?
Como brincam as crianças?
O que fazem?
Que trabalho realizam?
Na nossa comunidade, há condições básicas para a prevenção de nossa
saúde física, mental, espiritual e emocional?
O conceito de município articulado ao conceito de estado e país:
diferentes espaços geográficos e suas histórias sóciopolíticas e econômicas.
- Formação da sociedade e da cultura local e
nacional: influência do índio, do negro e do europeu na nossa cultura;
- Realidade social / realidade natural: modos de
vida, de trabalho, educação e lazer; possibilidades e limites de expansão
pessoal, profissional e social. Questões temáticas: quem somos? De onde
viemos? Como vivemos? Qual o nosso compromisso com a qualidade de vida?
Por que é importante aprender Matemática? Por que é importante estudar
Ciências Sociais? Por que estudar?
Do ponto de vista metodológico, Elida Maria Fiorot Costalonga argumenta
que as perguntas para compreensão do texto devem ser formuladas pelo professor
e alunos antes da leitura e não apenas depois. Jolibert (1994) acredita que a
“formulação prévia de questionamentos, a partir de indícios ou pistas textuais,
identificadas pelo professor e alunos, no contexto, pode favorecer o interesse
pela leitura e facilitar a apreensão/construção do sentido, conceitos e
idéias”.
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É preciso definir as fontes, onde e como serão buscadas as respostas
para as questões previamente elaboradas: leituras, entrevistas, visitas in
loco, reflexão e debate, organização de relatórios orais e escritos, entre
outros.
Segundo a autora, a leitura e escrita devem ser tratadas como
conhecimentos e, simultaneamente, instrumentos de acesso a vários outros
conhecimentos. Devem ser trazidas para o interior do processo de alfabetização,
desde o início, integrando o ato de aprender a ler com o ato de ler
efetivamente, sem precisar juntar sílabas primeiro, para ler depois.
Jolibert (1994) cita alguns passos para o ensino de leitura e produção
de textos no processo de alfabetização:
- Seleção de bons modelos de diferentes tipos de
textos: resumos de temas e/ou assuntos, poemas, anúncios, contos,
relatórios, textos informativos, descritivos, argumentativos e outros;
- Organização de um programa de ensino de
leitura e escrita, contemplando essa diversidade de gêneros textuais,
adequando-os às questões temáticas da área de Ciências Sociais,
previamente definidas, a partir de um processo de discussão junto aos
alunos;
- Definição do tipo de texto que vai ser
trabalhado em cada momento, durante o mês e/ou bimestre de cada ano
letivo, de acordo com o tema em estudo e os objetivos do processo de
alfabetização em desenvolvimento;
- A partir de determinado tipo de texto, o
professor vai coordenar, junto à turma, um processo de leitura e
compreensão, buscando explorar no texto os elementos micro e
macroestruturais produtores de sentido;
- Elaboração de um texto coletivo ou individual
sobre o assunto em discussão. Essa primeira produção deve ser feita no
rascunho. Previamente, as crianças devem ser orientadas sobre a
importância do uso do rascunho para o processo de produção textual.
É preciso que alunos e professores tomem consciência de que escrever bem
é um trabalho rigoroso, por vezes longo, e que envolve várias etapas de
escrita/leitura/reflexão/reescrita/releitura.
CONCLUSÃO
Devido às novas exigências econômicas, a educação tornou-se instrumento
essencial para o país. Com esta pesquisa bibliográfica, ficou bem claro que, no
que diz respeito à relação entre aprendizagem e desenvolvimento, não há
necessidade de espera de prontidão para começar o ensino da leitura e da
escrita, porque aprender algo contribui para o desenvolvimento infantil, ajuda
a criança a alcançar níveis cada vez mais elevados de maturidade cognitiva,
afetiva e psicológica. Portanto, o ensino não precisa limitar-se a ir atrás do
desenvolvimento da criança como uma sombra, mas pode adiantar-se a ele.
Alfabetizar-se, por meio de textos de Ciências Sociais, pode tornar-se
para o aprendiz uma experiência rica de aprendizagens inéditas e de crescimento
intelectual e psicossocial, pela possibilidade que essa área de estudos oferece
para a formação de conceitos científicos e desenvolvimento de estruturas
psíquicas superiores, como processos recíprocos.
Os pequenos aprendizes podem ampliar a sua visão de mundo, inserindo-se
criticamente na realidade social da qual fazem parte, enquanto participam de um
dinâmico processo de alfabetização.
Um processo de alfabetização de qualidade deve estimular a compreensão
(leitura) e a produção (escrita) de diferentes textos e dos conceitos e
intenções que cada um comporta. Segundo Vygotsky (1999) “uma palavra se torna
incompreensível se o sujeito não dispõe do conceito que expressa tal palavra”.
Disso decorre a necessidade de se ter em desenvolvimento um processo dinâmico
de alfabetização que tenha em vista a formação de conceitos e não a mera
repetição/junção de palavras, sílabas e letras.
A alfabetização é um assunto muito interessante, pois através dela,
começamos a dar um novo sentido na educação escolar. É imensamente gratificante
quando nos deparamos com crianças iniciando seus primeiros traçados e faz deles
uma rica habilidade.
Quanto à avaliação atual do processo de alfabetização, sabemos que
existem muitas dificuldades sociais, culturais e econômicas, porém, seria
importante que os programas de formação de professores tivessem a oportunidade
de conhecer, pesquisar e, principalmente, a visão de que somos condutores de
conhecimentos, capazes de transformar a sociedade, principalmente no processo
alfabetizador.
Vale frisar que professores e aprendizes de leitura e escrita podem
encontrar nos bons textos da área de Ciências Sociais, diferentemente do que
encontram nos textos de determinadas cartilhas, ampla possibilidade de
diversificação do trabalho pedagógico no sentido de favorecer a
elaboração/reelaboração de informações, conhecimentos, conceitos sobre a língua
e seus usos sociais, bem como uma revisão crítica de valores e idéias acerca
das relações entre as realidades social/natural. Mugrabi (1999) assim fala a
propósito:
“A educação se insere na problemática geral do humano […] E a Pedagogia
do Texto é uma abordagem que permite repensar tal problemática enquanto fato
antropológico, enquanto fato sócio-histórico-econômico, enquanto fato
lingüístico, ético e político […] O texto concretiza todas essas dimensões do
humano”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. Boletim
Informativo da ABL, n.4. 1998.
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DROUET, Ruth Caribe da Rocha. Distúrbios da aprendizagem.
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FAUNDEZ, Antônio. A pedagogia do texto em algumas palavras. In: Intercâmbios –
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FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São
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JOLIBERT, Josette e Col. Formando crianças leitoras. Porto
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KLEIMAN, Ângela B. O que é letramento: uma nova
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Mercado de Letras, 1995.
KRAMER, Sônia. Leitura e escrita: formação de
professores em curso. São Paulo: PCEP, 1995.
MUGRABI, Edivanda. A pedagogia do texto e suas implicações
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IDEA, n. 12, jul./1999.
NÓVOA, Antônio. Vida dos professores. Portugal: Porto,
1992.
SILVA, Maria Alice C. Souza. Construindo a leitura e a escrita – reflexões
sobre uma prática alternativa em alfabetização. São Paulo: Ática, 1991.
WEIZZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São
Paulo: Ática, 1999.
- Instituição: UFLA
- Autor: Ralf Maciel
Fonte: https://pedagogiaaopedaletra.com/alfabetizacao-abordagem-interdisciplinar/
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