A Psicogênese da Pessoa Completa de Henri Wallon: Desenvolvimento da
Comunicação Humana nos seus Primórdios. Adrianne Ogêda Guedes
Este texto tem como principal objetivo oferecer um panorama geral dos estudos
psicogenéticos de Henri Wallon, enfatizando de modo especial elementos de sua
teoria que nos permitem refletir sobre alguns aspectos do desenvolvimento da
comunicação humana nos primeiros anos de vida. Em coerência com a teoria de
Henri Wallon, inicio situando o leitor a respeito de elementos de sua
trajetória - incluindo aí contexto histórico e social, sua formação e
experiências profissionais - que permitem compreender o destaque que alguns
conceitos ganham em sua obra, tal como o da influência do meio social no
desenvolvimento humano.
Sua teoria, abrangente e dinâmica, serve a muitas leituras por parte de quem
procurar nela subsídios para a reflexão pedagógica. Abordando temas como a
emoção, a motricidade, a formação da personalidade, linguagem, pensamento,
dentre outros, fornece material precioso para refletir as relações entre
desenvolvimento infantil e práticas educacionais.
Para aqueles que atuam na educação, conhecer como o "movimento" do
desenvolvimento infantil se dá é fundamental para que seja possível
contribuir como mediador e facilitador desse processo. Nesse sentido, o
pensamento de Henri Wallon constitui-se num valioso referencial teórico que
pode subsidiar as experiências com crianças.
1- Wallon:trajetória de um humanista.
Henri Wallon (1879-1962), filósofo, médico, psicólogo e político francês,
dedicou-se a compreender o psiquismo humano, voltando sua atenção a criança,
acreditando que conhecendo seu desenvolvimento era possível ter acesso à
gênese dos processos psíquicos. Buscou relacionar seus estudos sobre a
evolução da criança com a educação. Tal preocupação com as perspectivas
práticas da psicologia evidencia-se em sua fala durante a "Lição de
abertura no Colégio de França", em 1937:
"(...) Sem dúvida que as experiências de que a psicologia tem
necessidade ultrapassam o laboratório. Esta cadeira de Psicologia da Educação
é prova disso. Entre a Psicologia e a Educação, as relações não são de uma
ciência normativa e de uma ciência ou de uma arte aplicadas. A psicologia esá
bastante perto de suas origens para que seja possível reconhecer a íntima
dependência em que se encontra uma ciência nos seus começos face a problemas
práticos." (Wallon,1975, pg.9)
Seu interesse em integrar a atividade cientifica à ação social permeou sua
trajetória, numa atitude de coerência e engajamento.
Wallon viveu em um período de grande instabildade social. Foi contemporâneo
às duas guerras mundiais (1914-18 - 1939-45), ao avanço do fascismo no
período entre guerras, às revoluções socialistas e guerras para libertação
das colônias na África que afetaram a Europa (particularmente a França, seu
país de origem). Envolveu-se em diferentes movimentos de protesto contra os
sistemas excludentes e autoritários, engajando-se em partidos de esquerda e
tomando a frente em ações coletivas em prol da liberdade e da cidadania. È
provável que a vivência de momentos históricos tão turbulentos tenha
evidenciado a influência fundamental que o meio social exerce sobre o
desenvolvimento da pessoa humana, aspecto que tem destaque em sua teoria.
Após a graduação em Medicina, atuou em instituições psiquiátricas onde
dedicou-se ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e
distúrbios de comportamento. Serviu como médico no exército francês em 1914,
na frente de combate. O contato com as lesões cerebrais sofridas por
ex-combatentes e a observação dos efeitos das lesões nas condutas e
habilidades desses soldados fez com que revisse postulados neurológicos que
havia desenvolvido no atendimento a crianças com deficiência. De 1920 a 1937
foi encarregado de proferir conferências sobre a psicologia da criança na
Sorbone (Paris) e outras instituições de ensino superior. Em 1925 fundou um
laboratório destinado à pesquisas e atendimento clínico de crianças ditas
"normais" que funcionou durante 14 anos ao lado de uma escola na
periferia de Paris. Tal proximidade favoreceu o acesso à criança
contextualizada (inserida em seu meio) e estreitou suas questões com a
educação.
Em 1925 ele publicou sua tese de doutorado, "A criança turbulenta",
vivendo um período de grande produção durante o qual foram publicados seus
livros considerados mais importantes, sendo o último deles "Origens do
pensamento na criança" de 1945. De 1937 a 1949 lecionou no Colégio de
França ocupando a cadeira de psicologia da educação da criança (com
interrupção em 1941-44 em função da ocupação alemã). Em 1948 criou a revista
"Enfance", instrumento de divulgação de pesquisas do campo da psicologia
e fonte de informação para educadores. Os temas abordados eram variados,
atestando seu interesse pela multiplicidade de campos onde se dá a atividade
e o interesse da criança.
Wallon participou ainda de vários movimentos relacionados a educação, participando
ativamente do debate educacional da época. Presidiu o comite responsável pela
reformulação do sistema de ensino francês em 1944. A reforma proposta (que
não chegou a ser implementada) preconizava a adequação às necessidades de uma
sociedade democrática e às possibilidades e características psicológicas do
indivíduo, favorecendo o máximo desenvolvimento das aptidões individuais e a
formação do cidadão. Preocupou-se também em refletir sobre a organização do
tempo e do espaço nos sistemas educacionais (Galvão, 1994). Wallon esteve no
Brasil em 1935, sendo ciceroneado por Gilberto Freyre e, nas palavras do
sociólogo passaram "o dia todo correndo escolas e o morro da
Mangueira" (Galvão, 1995).
Conhecer a vinculação de Wallon as questões mais amplas de seu meio social,
seu engajamento no contexto político da época, nos permite compreender a
visão ampla que ele lançava sobre a realidade, tal visão é a marca de sua
teoria do desenvolvimento humano e de sua atuação como pesquisador, psicólogo
e médico.
2- Aspectos gerais de sua teoria: a psicogênese da pessoa completa.
Wallon dedicou-se a pesquisar a psicologia genética, ou seja, a gênese dos
processos psíquicos. Para ele a análise genética, partindo do que vem antes
na cronologia das transformações por que passa o sujeito, é o procedimento
capaz de compreender de modo global a totalidade da vida psíquica (sem
fragmentá-la em elementos estanques). A observação é o principal método de
pesquisa preconizado pelo autor.
Para Wallon, a existência do homem, ser indissociavelmente biológico e
social, se dá entre as exigências do organismo e da sociedade. Nesse sentido,
os estudos do psiquismo se situam portanto entre os campos das ciências
naturais e sociais.
A formação da inteligência é genética e organicamente social, ou seja,
"o ser humano é organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a
intervenção da cultura para se atualizar" (Dantas, 1992). Essa concepção
inclui o ambiente social e os aspectos biológicos em sua relação de
reciprocidade e interdependência. Considerando que o sujeito constrói-se nas
suas interações com o meio, Wallon propõe o estudo contextualizado das
condutas infantis. Isso quer dizer que para compreender a criança e seu
comportamento, é necessário levar em conta aspectos de seu contexto social,
familiar, cultural. Será a relação entre as possibilidades da criança em cada
fase/ estágio e as condições oferecidas pelo seu meio que
"cunharão" o desenvolvimento.
"(...) Pelo contrário, para quem não separa arbitrariamente
comportamento e as condições de existência próprias a cada época do
desenvolvimento, cada fase constitui, entre as possibilidades da criança e o
meio, um sistema de relações que os faz especificarem-se reciprocamente. O
meio não pode ser o mesmo em todas as idades. É composto por tudo aquilo que
possibilita os procedimentos de que dispõe a criança para obter a satisfação
das suas necessidades. Mas por isso mesmo é o conjunto dos estímulos sobre os
quais exerce e se regula a sua atividade. Cada etapa é ao mesmo tempo um momento
da evolução mental e um tipo de comportamento." (Wallon, 1995)
O desenvolvimento humano é visto em conjunto. Wallon propõe um estudo
integrado, abarcando os vários campos da atividade infantil (campos
funcionais ) e os vários momentos de sua evolução psíquica (estágios do
desenvolvimento), numa perspectiva abrangente e global. Enfoca o
desenvolvimento em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, sem privilegiar
um domínio em detrimento dos demais, preocupando-se em mostrar nas diferentes
etapas os vínculos entre cada campo.
É por levar em conta essa dimensão integradora, que não fragmenta os
diferentes elementos envolvidos na evolução humana, que consideramos a teoria
do desenvolvimento de Wallon como a "psicogênese da pessoa
completa".
Henri Wallon compreende o desenvolvimento psíquico da criança - base de seus
estudos do desenvolvimento humano - como descontínuo e marcado por
contradições e conflitos, resultado da maturação orgânica e das condições
ambientais. Essa visão se contrapõe a idéia de um desenvolvimento linear e em
etapas definidas e seguidas, que compreenderiam períodos marcados, que se
sucederiam. Para Wallon, aspectos dos diferentes momentos do desenvolvimento
não são propriamente "superados" por outros, mas podem reaparecer
em outra fase da vida, ganhando novos sentidos de acordo com as diferentes
condições do sujeito.
Seu estudo - como já mencionado - leva em conta o contexto em que vive a
criança, considerando as influências do ambiente social, das experiências
culturais.
Esse meio em que a criança vive não é estático e homogêneo, ele também
transforma-se junto com a criança. A cada idade estabelece-se um tipo próprio
de interações entre o sujeito e seu meio. Conforme a disponibilidade da idade
a criança interage mais fortemente com um ou outro aspecto de seu contexto,
extraindo dele os recursos para o seu desenvolvimento. Este, se baseará nas
necessidades e competências específicas da criança naquele momento de vida.
Esta determinação recíproca entre as condutas das crianças e o seu meio,
conferem um caráter de relatividade ao processo de desenvolvimento.
Ainda assim, considerando a influência do ambiente e da cultura no
desenvolvimento, este tem uma dinâmica e ritmo próprios, resultantes do que
Wallon chama de princípios funcionais que agem como leis constantes. Os
fatores orgânicos são os responsáveis pela seqüência fixa entre os estágios
do desenvolvimento, embora não garantam uma homogeneidade no seu tempo de
duração (as circunstâncias sociais interferem nesse aspecto).
As etapas do desenvolvimento têm um ritmo descontínuo, marcado por rupturas,
retrocessos e reviravoltas, movimentos que provocam profundas mudanças em
cada etapa vivida pela criança. Portanto, a passagem dos estágios de
desenvolvimento não se dá de modo linear, por ampliação. Trata-se de fato em
um movimento de continua reformulação, marcada por crises que afetam a
conduta da criança.
Conflitos se instalam nesse processo e eles são propulsores do
desenvolvimento aos quais chama de fatores dinamogênicos (que conferem
dinâmica). Tais conflitos podem ser resultado de desencontros entre o
comportamento da criança e o ambiente exterior (exógeno - relativo a externo)
ou originários de fatores orgânicos, relativos a maturação infantil
(endógenos - causa interna).
"(...) O desenvolvimento infantil é um processo pontuado por conflitos.
Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos desencontros entre as
ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela
cultura. De natureza endógena, quando gerados pelos efeitos da maturação
nervosa. Até que se integrem aos centros responsáveis por seu controle, as
funções recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a
exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunstâncias exteriores.
Isso desorganiza, conturba, as formas de conduta que já tinham atingido certa
estabilidade na relação com o meio" (Galvão, 1995)
O desenvolvimento da pessoa se dá numa construção progressiva em que se
sucedem fases em que ora predominam aspectos afetivos, ora cognitivos. A essa
tendência a predomínio de um aspecto sobre o outro Wallon dá o nome de
"predominância funcional". Tal predomínio é orientado pelo
principio de alternância funcional. Cada fase tem suas peculiaridades,
delineadas pela predominância de um tipo de atividade. Tais predominâncias
estão ligadas aos recursos que a criança dispõe para interagir com o
ambiente.
São cinco os estágios propostos por Wallon, cada qual com sua especificidade
. O primeiro, "impulsivo-emocional", que abrange o primeiro ano de
vida, cuja ênfase é a emoção (predomínio afetivo); o "sensório-motor e
projetivo", que vai até o terceiro ano, quando o interesse da criança se
volta para a exploração sensório-motora do mundo físico (predomínio
cognitivo). O do "personalismo", que cobre a faixa dos três aos
seis anos, cuja tarefa central é o desenvolvimento da personalidade, a
construção da consciência de si (predomínio afetivo). Aos seis anos inicia-se
o estágio "categorial", cuja ênfase recai para os avanços dos progressos
intelectuais, dirigindo o interesse da criança para o conhecimento e
conquista do mundo exterior (predomínio cognitivo). Por fim, o estágio da
adolescência quando a crise pubertária impõe a necessidade de novos contornos
da personalidade em função das mudanças corporais, trazendo a tona questões
pessoais, morais, existenciais, retomando a predominância da afetividade.
Cada um desses estágios traz novas conquistas realizadas pela etapa anterior,
construindo-se reciprocamente num processo de integração e diferenciação. O
fato de haver o predomínio do aspecto afetivo em determinada fase, como por
exemplo na impulsiva-emocional, não quer dizer que aspectos afetivos não
estarão presentes na próxima etapa (ainda que não sejam os predominantes).
Enfim, ao longo do desenvolvimento ocorrem sucessivas diferenciações entre os
campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil e interior
de cada um. Este conceito da diferenciação é chave na psico-genética de Henri
Wallon e orientará o processo de formação da personalidade de forma mais
ampla.
3- A comunicação com o outro: elo vital.
Trataremos agora de um aspecto específico da teoria Walloniana: a comunicação
humana em seus primórdios. Wallon (1975) indica que desde o início da vida,
na formação uterina do ser humano, há uma dualidade da criança e das suas
condições de existência. Essa dualidade está ligada ao fato de a criança ser,
ao mesmo tempo e progressivamente capaz de reagir por conta própria em
diferentes situações e à estímulos igualmente diversos e, ao mesmo tempo,
depender vitalmente de sua mãe.
Para ele, o desenvolvimento do ser humano está ligado às suas possibilidades
e necessidades de existência. No início da vida, ainda no ventre materno, há
uma relação simbiótica entre a criança e mãe, uma associação vital. A criança
recebe tudo da mãe e, ao mesmo tempo, vai tornando-se um pequeno ser,
organizando todo o seu equipamento biológico. Recebe da mãe a alimentação, o
sangue que lhe traz oxigênio necessário para o desenvolvimento de seus
tecidos, os hormônios necessários a sua evolução somática e tudo o mais.
Ainda na vida intra-uterina, mesmo ainda tão pequeno e dependente do outro
para a sua própria autoconstrução, o feto já regula o crescimento excessivo
de seus órgãos graças a suas glândulas endócrinas, tem um sistema nervoso
capaz de reagir segundo o nível das estruturas já realizadas (como por
exemplo, reflexos de postura provocados por impressões que fizeram seu
caminho por meio do sistema nervoso da criança). Quem já vivenciou uma
gestação provavelmente pode perceber reações de seu bebê à alguma situação
inesperada, como um susto ou algo do tipo.
Com o nascimento, uma primeira cisão mãe-bebê é experimentada. A criança tem
agora que desenvolver autonomia respiratória. Todas as suas outras
necessidades dependem estreitamente da mãe ou de quem se ocupa dos cuidados
com a criança. Mudar de posição, saciar sua fome, sua sede, manter-se limpa,
ser acolhida, acalmada, dentre outras necessidades só podem ser realizadas
pela iniciativa de um outro. Os movimentos e gritos do recém-nascido,
inicialmente desordenados, parecem ainda não ter uma utilidade que resulte em
bem estar.
O estado inicial da consciência pode ser comparado a uma nebulosa (Galvão,
1995), uma massa difusa na qual o bebê se confunde com a sua própria
realidade exterior. O recém-nascido não se percebe como indivíduo
diferenciado. Mistura-se a sensibilidade do ambiente. A diferenciação entre o
eu e o outro só se dará progressivamente, a partir das interações sociais. O
bebê encontra-se num estado de dispersão e indiferenciação, percebendo-se
fundida ao outro e aderida às situações e circunstâncias do meio.
Durante esse primeiro período da vida (até aproximadamente os três meses) a
criança orienta todos os seus atos úteis em direção às pessoas (no caso mais
geral, a mãe), gestos de expressão que visam a satisfação das necessidades
que necessita ter supridas. Faz parte então da evolução humana a perspectiva
da ajuda mútua para a subsistência.
É fundamental ressaltar o papel da emoção na teoria de Wallon e mais
especificamente no entendimento do desenvolvimento da comunicabilidade do
bebê. Para ele, a emoção encontra-se na origem da consciência, operando a
passagem do mundo orgânico para o social, do plano fisiológico para o
psíquico. É importante diferenciar emoção de afetividade. A emoção é uma
manifestação da vida afetiva (assim como os desejos e sentimentos), porém
afetividade é um conceito mais abrangente. As emoções são sempre acompanhadas
de alterações orgânicas (aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração,
dificuldades na digestão,etc). Provocam alterações na mímica facial, na
postura, na forma como os gestos são executados. Wallon defende que as
emoções são reações organizadas e que se exercem reguladas pelo sistema
nervoso central, situado na região sub-cortical.
No bebê os estados afetivos são vividos como sensações corporais, expressos
pelas emoções. Só com a aquisição da linguagem diversificam-se as
possibilidades de expressar as emoções, bem como os motivos que as originam.
No primeiro ano a emoção é o comportamento predominante, posteriormente, as
reações emotivas tão freqüentes no comportamento infantil, são subordinadas
ao controle das funções psíquicas superiores. As emoções promovem uma ação no
meio humano. Tomemos novamente o exemplo do bebê recém-nascido que depende da
ajuda de parceiros mais experientes para sobreviver. Tendo em vista que
sozinho ele não tem perícia para realizar quase nada - desde virar-se de uma
posição incomoda até alimentar-se - ele necessita afetar o outro para ter
suas necessidades atendidas. Nesse sentido, sua primeira atividade eficaz é
desencadear no outro reações de ajuda para a satisfação de suas necessidades.
Gritos, choros, gesticulações são as primeiras expressões do bebê que, a
princípio não são intencionais, e contagiam os adultos constituindo uma
comunicação que vai se intensificando progressivamente.
Tal comunicação é baseada em componentes corporais e expressivos. As pessoas
próximas do bebê acolhem e interpretam suas reações, agindo de acordo com o
sentido que atribuem a elas. A reação do adulto às expressões do bebê vão
modelando um mútuo entendimento, consolidando alguns "códigos" de
comunicação próprios daquele relacionamento. O adulto sorri conversando com o
bebê, percebe diferenças no choro do mesmo que podem significar necessidades
igualmente diferentes,e daí por diante. Pouco a pouco os atos do bebê
diversificam-se vão tornando-se cada vez mais intencionais. O movimento deixa
de ser somente espasmo ou descarga impulsiva e passa a ser expressão,
afetividade exteriorizada.
Após os três meses a criança já sabe dirigir-se às pessoas à sua volta, não
só através de gritos em relação aos cuidados materiais de que necessita, mas
com sorrisos e sinais de contentamento, movimentos que expressam os laços
afetivos entre ela e aqueles que lhe correspondem. Trata-se de uma simbiose
afetiva, "a criança vive quase tanto das suas relações humanas como da
sua alimentação material." (Wallon, 1995, pg. 206).
"(...) Há uma ligação indissolúvel, a partir de uma certa idade, entre o
desenvolvimento psíquico do indivíduo e o seu desenvolvimento biológico"
(idem,pg.207). Não existe preponderância do desenvolvimento psíquico sobre o
desenvolvimento biológico, mas ação recíproca. Há portanto uma incessante
ação recíproca do ser vivo e de seu meio. "Essa ação varia com as
possibilidades orgânicas do ser vivo e é a maturação de seu organismo que
permite à criança manter com o ambiente relações recíprocas que estão na base
de sua existência." (pg.208) Esse ambiente constitui para a criança um
ambiente social. A representação das coisas pela criança é inicialmente
global, ela relaciona as pessoas ao papel que desempenham em seu ambiente e a
como entram em sua existência. É assim que algumas crianças bem pequenas por
vezes chamam outros adultos muito próximos, que também se responsabilizam por
seu cuidado de "mamãe" ou "papai".
Por volta dos três anos a criança passa por um período muito importante do
desenvolvimento de sua personalidade, torna-se mais sensível ao que Wallon
chama de "constelação familiar". Ela começa a compreender de certo
modo a posição que ocupa em sua família, enquadrando-se num conjunto que
delimita sua personalidade. Esse movimento de tomada de consciência de sua
estrutura familiar ocorre com um simultâneo ganho de autonomia, pois ela
começa a formular a pergunta do seu eu em relação ao eu dos outros,
tornando-se sensível as relações diversas que podem existir no interior da
família de que ela é um elemento fixo.
Considero apropriado transpormos essa observação de Wallon com relação ao
papel do outro na tomada de consciência da criança de seu próprio eu, para a
experiência das crianças nos espaços de Educação Infantil. Para a realidade
que muitas crianças vivem hoje, os ambientes das creches são espaços que
parecem também cumprir esse papel e provavelmente traz outras perspectivas
para a desenvolvimento da sociabilidade que Wallon, dado os limites da
realidade histórica em que viveu (século XIX- XX) quando certamente as instituições
destinadas ao atendimento às crianças diferiam muito das que temos hoje (bem
como as práticas e estudos sobre a função desses espaços).
Refletir sobre a proposição de Wallon que compreende a reciprocidade entre o
meio e o biológico, nos instiga a pensar sobre a importância do papel dos
espaços destinados às crianças e das possibilidades que as relações entre
crianças-crianças, crianças-adultos e experiências coletivas possuem no
sentido de contribuir para a desenvolvimento da criança. Está é uma
provocação para continuarmos a refletir sobre as questões aqui expostas!
Esse texto foi elaborado para fins didáticos em 2007.
Psicóloga, Especialista em Educação Infantil (PUC-RJ), Doutoranda em Educação
(UFF), Professora (UNESA-RJ, PUC-RJ) e consultora (MEC, Casa Monte Alegre
Educação Infantil).
Apesar de considerar que o desenvolvimento não é linear e contínuo, Wallon
compreende que este se dá em fases/ estágios orientadas por aspectos
orgânicos. Vale ressaltar que tais fases sofrem rupturas, retrocessos e são
relativas ao contexto de cada indivíduo.
Wallon trabalha com o conceito de campos funcionais nos quais a atividade
infantil se distribuiria, são eles a afetividade, a motricidade e a
inteligência.
Neste texto não aprofundaremos a definição de cada estágio mais
detalhadamente. Para conhecer mais sobre o assunto sugiro a leitura dos
textos indicados na bibliografia consultada.
Referências bibliográficas:
DANTAS, Heloysa, LA TAILLE, Yves, OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget, Vygotsky,
Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon, uma concepção dialética do desenvolvimento
infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GALVÃO, Izabel. Uma reflexão sobre o pensamento pedagógico de Henri Wallon.
Série Idéias n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 33-39.
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/
SANTOS, Fernando Tadeu. Henry Wallon, Educação por inteiro. Nova Escola
on-line, Edição nº. 160, Março de 2003.
MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda R. A constituição da pessoa na proposta
de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004.
MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda R (orgs.) Henri Wallon - psicologia e
educação. São Paulo: Loyola, 2006.
WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da Infância. Lisboa, Portugal:
Editorial Estampa, 1975.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa, Portugal: Edições
70, 1995.
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