QUI, 31/03/2011 - 16:09
ATUALIZADO EM 03/04/2011 -
19:17
Por Lilian Milena
Da Agência Dinheiro Vivo, no Braslianas.org
Da Agência Dinheiro Vivo, no Braslianas.org
Numa sala de 30
alunos de sete anos, cerca de dez aprenderão a ler e escrever quase que
sozinhos, 15 precisarão de orientação do professor por duas ou três vezes mais
que os demais e cinco terão muita dificuldade. A explicação é da professora
Onaide Schwartz Correa de Mendonça, coordenadora do curso de pedagogia da
Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Em entrevista
concedida ao Brasilianas.org, a pedagoga disse acreditar que a
ausência de metodologia e de conteúdos específicos da alfabetização nas escolas
brasileiras, são os maiores problemas relacionados ao fracasso da alfabetização
registrado no país. Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF 2009)
apontam que apenas 27% da população entre 15 e 64 anos é plenamente
alfabetizada no Brasil.
"Hoje são
utilizados “livros de alfabetização”, na sua maioria de cunho “construtivista”.
Esses materiais são ótimos para a promoção do letramento (usos sociais da
leitura e da escrita), para quem já está alfabetizado. São compostos
basicamente por diferentes tipos de textos (poesias, parlendas, letras de
música, poemas) e de atividades [mas] que em momento algum desenvolvem os
conhecimentos específicos de alfabetização", esclarece.
Os livros para
alfabetização aplicados nas escolas públicas, sobretudo nos últimos 25 anos,
surgiram, segundo Onaide, em decorrência de uma interpretação distorcida da
teoria construtivista, ou Psicogênese da língua escrita, e não ensinam o que
são letras, como juntar sílabas, separar e forma palavras.
"O método
sozinho não faz milagres, pois o professor e sua competência técnica são
fundamentais, porém o método aponta um caminho, e propõe uma organização do
trabalho que visa atingir objetivos", justifica a professora, que defende
metodologias desenvolvidas por Paulo Freire e Emília Ferreiro.
Acompanhe a
entrevista.
Brasilianas.org - A UNESCO determina que em países em
desenvolvimento, como o Brasil, quem tem menos de 4 anos de estudos é
considerado analfabeto funcional. Entretanto, sabemos que muitos alunos
terminam o ensino médio com deficiências sérias de ensino. Portanto, o que
ocorre na educação básica brasileira para que estudantes cheguem às faculdades
ainda com dificuldades de compreender um texto, por exemplo?
Onaide Schwartz Correa de Mendonça - No Brasil o
analfabetismo funcional tem início no processo de alfabetização que vem sendo
conduzido de forma equivocada, pois há mais de 20 anos o país adotou teorias
que não trouxeram aplicações adequadas à alfabetização, o que impede milhares
de crianças, anualmente, de aprender a ler e escrever.
Existe hoje uma
vasta bibliografia que nos orienta sobre como desenvolver diferentes
“estratégias de leitura”, fundamentadas no diálogo/debate, que ajudariam o
aluno a compreender e explorar um texto deixando de ser um analfabeto
funcional. Porém, para o aluno implementar estas estratégias precisa ter
domínio da leitura, enquanto decodificação de sinais gráficos, e sabe-se que milhares
de alunos concluem o 5º ano na condição de analfabetos (INAF 2009). Portanto,
acredita-se que um dos grandes problemas da educação brasileira está nas
políticas públicas que não sabem orientar a alfabetização, e na falta de
qualidade dos cursos de formação de professores.
Pergunto: Os
professores têm domínio de estratégias de alfabetização e leitura para
desenvolvê-las em sala de aula? Os resultados das pesquisas mostram que
não. Considera-se que para prestar um vestibular, o candidato precisa
saber ler (decodificar sinais gráficos) e escrever (codificar sinais gráficos),
porém se escola não conseguiu desenvolver as estratégias de leitura e
interpretação de texto o candidato chegará analfabeto funcional aos cursos de
graduação. Assim, os governantes precisam se preocupar com as disciplinas que
compõem os currículos, com os conteúdos que vêm sendo ministrados e com a
avaliação nos cursos de formação de professores. Além desses problemas existem
outros que não podem ser ignorados.
Hoje se observa que
enquanto os alunos da elite e da classe média vêm para a escola conscientes do
investimento que os pais estão fazendo, inclusive através de seguros que
garantam a qualidade do ensino e sua continuidade, os alunos das classes
populares vêm para a escola sem motivação, pois infelizmente seus familiares
ainda não foram conscientizados de que bens patrimoniais que já não possuem,
poderiam ser compensados por um ensino de qualidade e completo, garantindo
assim o desenvolvimento harmônico do país onde se inclui uma educação avançada.
Muitos alunos, por não ter esse entendimento, vêm à escola para depredá-la,
desrespeitar e agredir professores, colegas, funcionários, enfim, agem como se
os profissionais fossem seus inimigos e a escola uma prisão, uma parte inútil
da vida, que o impede de estar lá fora fazendo coisas agradáveis.
O problema é grande
e o caminho para resolvê-lo não é outro senão o da conscientização através da
educação e do diálogo. Paulo Freire nos ensinou que a educação sozinha
não transforma a sociedade, mas que sociedade nenhuma se transforma sem
educação.
Em uma entrevista
que concedeu, a Professora afirmou que o resultado da última PNAD (2009),
apontando que 20% da população é analfabeta funcional, decorre do fracasso do
modo como tem sido feita a alfabetização nas escolas nos últimos 25 anos.
Então, qual era a diferença da metodologia de ensino empregada antes desse
período para o que temos agora?
Ao longo dos
últimos 35 anos ocorreu no Brasil a chamada democratização do Ensino. Ao mesmo
tempo em que escolas foram construídas e houve uma ampliação significativa do
número de vagas para as camadas populares, a qualidade do ensino oferecido
decaiu. Quantidade não foi sinônimo de qualidade, pois muitos cursos de
formação de professores foram criados para atender à nova demanda, porém a
formação dos profissionais deixou a desejar. Hoje a maioria dos cursos de
formação não tem sequer uma disciplina sobre alfabetização que é base do
ensino.
Quando afirmo que o problema está na metodologia dos últimos 25 anos,
não é em comparação à utilizada anteriormente, que era a das cartilhas e
repleta de falhas. Estou me referindo à prática de hoje que defende a tese de
que para a criança aprender a ler e escrever não há necessidade de sistematizar
o ensino (através de métodos) nem de se ensinar o que é específico da
língua (o que são letras, quais são, como se combinam consoantes e
vogais na composição das sílabas, como se combinam sílabas para compor palavras,
os processos de análise e síntese na formação de palavras). Língua
escrita é código e precisa ser ensinada desde que a humanidade criou a escrita
ideográfica, há milhares de anos, porém, hoje, pessoas que nunca alfabetizaram,
afirmam categoricamente que não se deve utilizar métodos e a conseqüência disso
é o fracasso constatado pelas pesquisas. O método sozinho não faz milagres,
pois o professor e sua competência técnica são fundamentais, porém o método
aponta um caminho, e propõe uma organização do trabalho que visa atingir
objetivos.
Os materiais
didáticos oficiais não propõem nada em termos de orientação aos alunos quanto
aos conteúdos específicos de língua. Ademais o diálogo, a discussão e o debate,
indispensáveis à interpretação, leitura e releitura de textos estão fora da
escola.
O que deve ser
feito na Educação de Jovens e Adultos para combater o analfabetismo
funcional?
Antes de combater o
analfabetismo funcional é preciso combater o analfabetismo. Com a alfabetização
de adultos acontece o mesmo processo que vem ocorrendo com a alfabetização
infantil. Os materiais encaminhados para esses cursos são adequados apenas para
quem já sabe ler e escrever, pois contém atividades que visam desenvolver
habilidades de leitura e de escrita (o letramento). Os conteúdos específicos do
ensino de língua não são trabalhados na alfabetização inicial. A consequência é
a de que o aluno não consegue aprender a ler e abandona o curso.
Para combater o
analfabetismo funcional é necessário que sejam desenvolvidas estratégias de
leitura e interpretação dos mais diferentes tipos de texto, dentro de um
processo com muito diálogo e releitura de mundo (leitura crítica da realidade)
como nos ensinou Paulo Freire.
A progressão
continuada tem sido responsabilizada pela deficiência escolar em muitas
localidades do país. Concorda com essa crítica? Por quê?
Temos observado ao
longo dos anos um discurso que afirma que a escola pública precisa adequar seus
conteúdos para que alunos das camadas populares aprendam, e isso é verdade. Assim,
adequar-se às necessidades significa ser capaz de elaborar estratégias de
ensino eficazes para que os alunos aprendam e dominem conteúdos. Porém, essa
“adequação” parece ter se transformado em sinônimo de supressão ou
“facilitação” de conteúdos, de ausência de avaliação e de má qualidade de
ensino. O aluno de escola pública não pode ser tratado como um “coitadinho,
pobre e incapaz de aprender”, de quem se for cobrado, de alguma forma, o
conteúdo, irá ficar “ofendido e traumatizado, porque é um incompetente”.
Penso que se a
escola for de qualidade e o aluno estiver consciente da necessidade de aprender
e dos benefícios decorrentes do conhecimento, independente de haver progressão
continuada ou seriação, o resultado será bom. Infelizmente, setores da sociedade
não vêm a educação como investimento, seja na promoção social da pessoa e na
construção de um país desenvolvido em que os avanços econômicos para se
sustentarem sejam consolidados na busca de uma educação eficiente, atualizada,
competitiva e, por conseguinte, transformadora e competente para resolver os
desafios do mundo globalizado.
Assim, acredito que
a educação precisa ser tratada com mais seriedade e a literatura científica já
produzida levada em conta, pois se realmente quisermos sair do discurso e
construir um país melhor, é preciso iniciar, urgente, uma campanha de
conscientização da população, que envolva as mais diferentes instâncias
sociais, inclusive com a colaboração das mídias inclusive músicos, atores que
“fazem a cabeça do povo” na TV, para reforçar valores que mostrem a eficiência
da Educação. É preciso ainda, nos limites da escola, olhar para o aluno como
alguém capaz de aprender, e dizer isso a ele, elogiando-o, de resgatar a
prática da avaliação como estratégia de ensino e de recuperação, visto que tal
prática nunca saiu das melhores escolas particulares que garantem o ingresso
das elites econômicas e culturais nas universidades públicas.
Gostaria que
confirmasse a informação de que 85% dos alunos que chegam ao 2º ciclo do Ensino
Fundamental são incapazes de ler e escrever plenamente. Por que isso ocorre? A
dificuldade de aprendizagem está mais ligada à questão social-emocional ou
metodológica, da forma como os professores aplicam seus conhecimentos em sala
aula?
Essa Informação é do INAF 2009: Dentre os que cursam ou cursaram
da 5ª a 8ª série, apenas 15% podem ser considerados plenamente
alfabetizados. Assim, se apenas 15% podem ser considerados plenamente
alfabetizados a contrapartida é de 85%.
Quanto a aspectos
emocionais prejudiciais à aprendizagem precisaríamos consultar
psicólogos/psiquiatras sobre os problemas da violência familiar, da separação
dos pais, e tantos outros, inclusive decorrentes do uso de álcool e de outras
drogas. A condição econômica de uma criança pode limitar sua visão de mundo à
medida que é privada de viajar e freqüentar espaços culturais que só uma melhor
renda possibilita, porém do ponto de vista da alfabetização essa carência não
chega a comprometer a aprendizagem. Alfabetizei em comunidades constituídas por
cortadores de cana em que a conduta na Educação Infantil era só brincar durante
os seus quatro anos, por isso meus alunos de 7 anos de idade, chegavam sem
conhecer o alfabeto. Eu me desdobrava, mas em meados de maio 70% da sala já
estava lendo e no final do ano todos estavam lendo e escrevendo. Assim, frente
ao fracasso da alfabetização de hoje sou levada a acreditar que o maior
problema seja o metodológico, ou melhor, a ausência de metodologia e de
conteúdos específicos da alfabetização.
As cartilhas utilizadas
para alfabetização são eficientes? Que método melhor se aplica ao país?
Hoje são utilizados
“livros de alfabetização”, na sua maioria de cunho “construtivista”. Esses
materiais são ótimos para a promoção do letramento (usos sociais da leitura e
da escrita), para quem já está alfabetizado. São compostos
basicamente por diferentes tipos de textos (poesias, parlendas, letras de
música, poemas) e de atividades que em momento algum desenvolvem os
conhecimentos específicos de alfabetização já citados. A conseqüência é que a
alfabetização, propriamente dita, fica diluída no processo e a maioria dos
alunos não consegue aprender. Estes materiais surgiram em decorrência da má
interpretação da teoria construtivista, Psicogênese da língua escrita, quando
pessoas que nunca alfabetizaram (ou alfabetizaram com cartilhas tradicionais)
passaram a ditar regras sobre a alfabetização no país, e a criticar por falta
de conhecimento lingüístico, toda forma de sistematização do ensino de língua
materna.
Cansados de ver a vergonha em que se encontra a educação brasileira,
pelo fato de autoridades optarem por acolher mitos, ao invés da ciência, e
insistirem no erro apesar dos provões e pesquisas denunciarem o fracasso, com
fundamento em nossa formação lingüística aliada à experiência de 10 anos de
alfabetizadora das camadas populares, em 2007 publicamos nossa proposta de
alfabetização no livro Alfabetização - Método Sociolinguístico:
consciência social, silábica e alfabética em Paulo Freire, São Paulo: Cortez
Editora. Nosso método é sócio porque socializa/conscientiza
por meio do diálogo, e é lingüístico porque desenvolve
conteúdos específicos de alfabetização.
No final de 2010 lançamos o relato da nossa experiência com centenas de
atividades práticas e estratégias para a alfabetização no livro Alfabetização
lingüística e letramento: práticas socioconstrutivistas, inspiradas em
Paulo Freire e Emília Ferreiro, comprovadamente eficazes para ensinar a ler e
escrever todas as crianças de classe comum no período de um ano letivo. Tal
obra está entre os livros recomendados na Livraria Cortez, SP.
Nossa proposta é
aberta e atende aos anseios da teoria construtivista como: trabalhar com a
realidade do aluno, realizar um trabalho contextualizado, desenvolver a função
social da leitura e da escrita, e utilizar diversidade textual (que contribui
para a promoção do letramento). Todo o trabalho é construído a partir do diálogo
até chegar ao desenvolvimento dos conhecimentos específicos da alfabetização (o
que são letras, quais são, como se combinam consoantes e vogais na composição
das sílabas, como se combinam sílabas para compor palavras, os processos de
análise e síntese na formação de palavras etc). É fato que cada indivíduo
aprende de uma forma. Uns com mais facilidade, outros com menos. Cientes disso,
em nossa proposta desenvolvemos atividades para os diferentes níveis de
alfabetização e com isso todos os alunos são alfabetizados em um ano. O
trabalho é sistematizado e as crianças se envolvem e participam com muita
motivação. Aprender se torna uma atividade prazerosa.
Qual é a quantidade
ideal de alunos que deve ter em sala de aula?
O número ideal de alunos
por sala é 25, onde o professor bem preparado pode dar conta de socializar e
atender individualmente os alunos. Entretanto a escola pública enfrenta mais um
desafio, o da inclusão que é um direito do aluno com necessidades especiais, um
benefício do qual não pode ser privado. Porém há legislação que nesse caso
prevê um número muito menor de alunos por sala, mas em geral esse número não é
atendido, acrescido do problema dos professores não terem formação para
trabalhar com esses alunos. O ideal é que houvesse um centro de atendimento
especializado para eles em período inverso ao da socialização nas salas comuns.
Assim essas crianças teriam o melhor atendimento, sem correr o risco de ficar
jogadas de lado na sala de
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