Ensino com a cara do campo
Com uma proposta pedagógica eficaz fez a escola rural se tornar
referência em qualidade de ensino
CONTEÚDO E CONTEXTO Alunos da
Hermínio Pagotto, em Araraquara, aprendem na sala de aula e nas
plantações. Foto: Rogério Albuquerque
Pés de jaca, goiaba
e maracujá estão por toda a parte ao redor da EMEF do Campo Professor Hermínio
Pagotto, em Araraquara, a 270 quilômetros de São Paulo. Ela está no
assentamento Bela Vista do Chibarro, região dividida em lotes que foram entregues
em 1990 a 170 famílias pelo Instituto Nacional de Colonização de Reforma
Agrária (Incra). As propriedades que surgiram são hoje mais do que uma fonte de
renda para a comunidade: elas se tornaram laboratório e sala de aula para os
filhos dos agricultores.
Tudo começou em 2001, quando as pessoas que ali moravam e trabalhavam se reuniram para resolver um problema: a escola era estadual e, para ser municipalizada e receber mais investimentos, os gestores precisavam apresentar um projeto à secretaria de Educação. Mudanças na forma de ensinar - até então baseada em livros didáticos e com conteúdos distantes da realidade local - já estavam nos planos da direção. Para atingir os objetivos, era necessário fazer a escola rural dar certo. E, no trabalho de aprofundar os conhecimentos e abrir as portas para a comunidade, nasceu um projeto vitorioso (leia mais sobre as ações que garantiram o sucesso da escola no quadro abaixo). "Precisávamos fazer com que os alunos percebessem o sentido do ensino e valorizassem o aprendizado", lembra a diretora, Adriana Maria Lopes Morales Caravieri. Os indicadores eram preocupantes: a evasão tinha atingido 15,3%, e a taxa de reprovação, 7,14%.
Pais, alunos,
professores, funcionários, lideranças comunitárias, pesquisadores de
universidades e representantes da secretaria de Educação da cidade, do Incra e
do Instituto de Terras do Estado de São Paulo foram chamados para participar da
discussão do projeto pedagógico, batizado de Programa Escola de Campo, foram
chamados O que começou como uma solução para apenas uma escola acabou virando
uma política pública no município de Araraquara, um modelo tão bem-sucedido que
foi adotado pela vizinha Matão (leia mais no quadro da página abaixo).
Ações para uma escola rural dar certo
? Aproximação do ensino com a realidade das crianças.
? Valorização dos saberes do campo.
? Uso de espaços alternativos de ensino, como as plantações locais.
? Aprofundamento dos conhecimentos, relacionando-os com os produzidos fora do contexto rural.
? Abertura da escola para a participação ativa da comunidade.
? Contato com outras escolas rurais para a troca de experiências.
? Aproximação do ensino com a realidade das crianças.
? Valorização dos saberes do campo.
? Uso de espaços alternativos de ensino, como as plantações locais.
? Aprofundamento dos conhecimentos, relacionando-os com os produzidos fora do contexto rural.
? Abertura da escola para a participação ativa da comunidade.
? Contato com outras escolas rurais para a troca de experiências.
Saberes bem atrás
de casa
COMUNIDADE PRESENTE Pais e
vizinhos são fontes de informação, com alunos demonstrando respeito pelo saber
que vem do campo. Fotos: Rogério Albuquerque
Uma das primeiras
decisões foi fazer das propriedades locais uma extensão da sala de aula,
permitindo que os saberes circulassem entre a escola e a casa dos alunos. Muito
do que as crianças aprendem é útil para quem trabalha com a terra. Stefany
Aragão Oliveira, 9 anos, descobriu nas aulas de Ciências que o bichinho da
goiaba vem dos ovos de uma espécie de mosca. A professora ensinou a fazer uma
armadilha para os insetos, evintando assim que as frutas fossem atingidas. Nas
árvores do pomar da família, a menina montou arapucas e eliminou o
problema.
Para valorizar os saberes do campo e fortalecer a aproximação com a comunidade, os agricultores se tornaram uma fonte de informação. No estudo sobre as propriedades medicinais do maracujá, Adiel Augusto Gonçalves recebeu a turma do 4º ano durante uma manhã para conversar sobre o plantio. Primeiro, a garotada fez pesquisas em livros e depois foi investigar como o cultivo é feito pelos pais e vizinhos. "Eu também estou aprendendo ainda", afirma Adiel às crianças, ao trocar informações sobre as melhores formas de obter as sementes.
Para valorizar os saberes do campo e fortalecer a aproximação com a comunidade, os agricultores se tornaram uma fonte de informação. No estudo sobre as propriedades medicinais do maracujá, Adiel Augusto Gonçalves recebeu a turma do 4º ano durante uma manhã para conversar sobre o plantio. Primeiro, a garotada fez pesquisas em livros e depois foi investigar como o cultivo é feito pelos pais e vizinhos. "Eu também estou aprendendo ainda", afirma Adiel às crianças, ao trocar informações sobre as melhores formas de obter as sementes.
DA ESCOLA PARA A CASA
Aprendizagem faz sentido quando o que se aprende em sala de aula é levado para
as propriedades da família
Outro princípio da
Escola do Campo é aproveitar dados da realidade para ensinar os principais
conteúdos curriculares. No início dos trabalhos com o 6º ano, ao estudar a
origem dos números e os sistemas de numeração, o professor Irineu Marcelo Zocal
propôs uma atividade de coleta de dados. As crianças pesquisaram nos lotes os
tipos de lavoura que eram cultivados. Em sala, elas construíram gráficos de
barras para fazer comparações. "Essa é uma forma de usar informações do
contexto das crianças", explica. É também uma maneira de mostrar que o uso
do contexto local não significa desprezar os conhecimentos produzidos fora do
âmbito rural. "Eu trago o mundo para dentro da escola", completa
Odete Botari, que leciona para o 3º ano. A turma dela estuda conteúdos
relacionados à alimentação, fazendo pesquisas na horta da escola e nos
arredores. Mas não fica nisso. "Quero que todos aprendam a fazer gráficos
da distância entre os planetas", exemplifica.
Envolvimento comunitário
Envolvimento comunitário
AMPLIAÇÃO DO SABER Laboratório
completo auxilia os professores a aprofundar os conhecimentos científicos da
turma
A Hermínio Pagotto
usa vários mecanismos de interação com a comunidade. Os tradicionais, como o
Conselho Escolar e o Grêmio Estudantil, têm participação ativa em todas as
ações da escola. Há ainda reuniões e assembleias comunitárias. Luciana Carla
Soares Moço é mãe de aluno e presidente do Conselho há três anos. "Nada
acontece sem que todos fiquem sabendo. Participamos das decisões",
comenta. A unidade está permanentemente aberta para familiares e vizinhos, que
utilizam os espaços disponíveis para promover cursos de qualificação
profissional, reunir lideranças rurais e até promover festas. Tudo está à
disposição, da quadra ao laboratório, passando por biblioteca, hortas e cozinha
experimental.
O projeto ganhou o Prêmio Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas em 2004. Em 2008, a Hermínio Pagotto participou de uma iniciativa do Instituto Embraer e passou por uma avaliação completa, com direito a um trabalho de identificação do que estava funcionando bem e do que poderia melhorar. Agricultores, pais, alunos, professores e funcionários, todos ajudaram a fazer o diagnóstico, que deu origem a projetos de melhoria tão interessantes que receberam o financiamento do instituto. Ainda este ano, as crianças ganharão uma sala de informática com internet, um playground e um viveiro de mudas. Os indicadores atestam o resultado do trabalho cooperativo: a evasão caiu para zero e a taxa de reprovação para 2,7% (um terço do que era em 2000). "É um incentivo à gestão participativa, com as pessoas contribuindo, em vez de só reclamar", explica Mariza Scalabrin, gerente de desenvolvimento social do Instituto Embraer.
O projeto ganhou o Prêmio Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas em 2004. Em 2008, a Hermínio Pagotto participou de uma iniciativa do Instituto Embraer e passou por uma avaliação completa, com direito a um trabalho de identificação do que estava funcionando bem e do que poderia melhorar. Agricultores, pais, alunos, professores e funcionários, todos ajudaram a fazer o diagnóstico, que deu origem a projetos de melhoria tão interessantes que receberam o financiamento do instituto. Ainda este ano, as crianças ganharão uma sala de informática com internet, um playground e um viveiro de mudas. Os indicadores atestam o resultado do trabalho cooperativo: a evasão caiu para zero e a taxa de reprovação para 2,7% (um terço do que era em 2000). "É um incentivo à gestão participativa, com as pessoas contribuindo, em vez de só reclamar", explica Mariza Scalabrin, gerente de desenvolvimento social do Instituto Embraer.
Modelo de inovação
TROCA DE EXPERIÊNCIAS Escolas rurais
de Matão adotaram o projeto de Araraquara e formaram uma rede de troca de
informações
As transformações que fizeram da EMEF do Campo Professor Hermínio
Pagotto uma referência em escola rural foram fruto de um processo de intenso
diálogo com a comunidade e os parceiros envolvidos na realidade do campo. Tudo
para que a escola se adequasse às exigências nacionais para o ensino rural e,
ao mesmo tempo, refletisse as necessidades e os anseios dos moradores.
Consolidadas as diretrizes educacionais, elas foram apresentadas no Fórum
Municipal de Educação e aprovadas por unanimidade. "Todo o conhecimento
que discutimos e acumulamos foi transformado no nosso projeto pedagógico, que
deu origem à escola que vemos hoje, totalmente dedicada à aprendizagem dos
alunos e ao desenvolvimento da região", conta a diretora, Adriana
Caravieri. Em 2002, o programa se tornou uma referência para todas as escolas
rurais de Araraquara. Na época, Alexandre Luiz Martins de Freitas era
coordenador da Secretaria de Educação e acompanhou a implantação do projeto em
outras duas unidades da rede. Atualmente, ele é o titular do cargo no município
de Matão, a apenas 35 quilômetros de distância. E já levou a experiência para
três escolas dessa cidade. A EMEF do Campo Professora Helena Borsetti tem 360
alunos e é uma delas. "No início, houve alguma resistência dos professores
em relação aos novos métodos de ensino, mas eles logo viram que a
contextualização do saber dá resultado", revela a diretora, Milena
Ferreira. A escola monta os projetos aproveitando todos os espaços disponíveis,
como a horta, que é usada para a medição de perímetro e área. A troca de informações
entre as unidades rurais não para no eixo Matão-Araraquara. A Hermínio Pagotto
já foi palco de seminários regionais de Educação do campo e os gestores
participam de encontros municipais, regionais e nacionais para trocar
experiências e criar uma rede de comunicação cada vez mais eficaz.
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