sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

RESENHA

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10º edição. São Paulo: Ed. Autores Associados, 2008. 174 páginas.

OLIVEIRA, Luiz Antonio de[1]

Para quem procura por uma teorização da história da educação ou da pedagogia para além do simples senso comum, dos "achismos", e modismos pedagógicos, um ótimo suporte é a reflexão produzida em “Pedagogia Histórico Crítica por Dermeval Saviani. Formado em filosofia pela PUC-SP (1966), é doutor em filosofia da educação (PUC-SP, 1971) e livre-docente em história da educação (UNICAMP, 1986), tendo realizado “estágio sênior” na Itália em 1994-1995. De 1967 a 1970, lecionou nos cursos colegial e normal. Desde 1967, é professor no ensino superior. Foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, coordenador do Comitê de Educação do CNPq, coordenador de pós-graduação na UFSCAR, PUC-SP e UNICAMP, diretor associado da Faculdade de Educação da UNICAMP, professor titular colaborador da USP (campus de Ribeirão Preto) e sócio-fundador da ANPED, CEDES, ANDE, CEDEC e SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação), da qual foi o primeiro presidente. Foi condecorado com a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação e recebeu da UNICAMP o prêmio Zeferino Vaz de produção científica. Autor de grande número de trabalhos publicados, atualmente é professor emérito da UNICAMP e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR). Em 2008, vence o Prêmio Jabuti na categoria educação, psicologia e psicanálise com o livro História das ideias pedagógicas no Brasil. Em sua 10ª edição, revisada, mantém o conteúdo das edições anteriores e apresenta alterações e ajustes para melhorar aspectos da redação. O leitor conhecedor da obra encontrará duas correções de informação. A primeira trata da obra de Althuser, “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”, 1970; e a outra,da fundação do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), 5 de março de 1979. Esta 10ª edição mantém os prefácios de edições anteriores (4ª, 7ª, 8ª) para explicar acréscimos e correções que as mesmas inserem, assim como inseriu um prefácio específico para a 10ª pelos mesmos motivos. Desde as primeiras edições é considerado um clássico da historiografia da educação brasileira. Entendemos que diferentemente da literatura comum, na qual uma obra se torna clássica pelo incontável número de vendagem e promoção da mídia (indústria cultural), em campos culturais mais específicos e científicos, as obras já nascem clássicas por conta da forma com sistematiza e fundamenta sua temática-objeto de seu estudo. Pedagogia Histórico-Crítica é uma destas obras. Nela o autor produziu uma análise coerente, racional, devidamente fundamentada, e que tem como objetivo principal a discussão da função social da escola/educação. Uma obra profundamente politizada, marcada pelo contexto de seu nascimento nos anos 1980. Tempo de aprofundamento da luta democrática no Brasil como participação importante de segmento considerável dos educadores. Assim, a obra, texto e contexto das discussões mediadas pelo autor naquele período, assumiu como referência teórica o pensamento marxista sobretudo em sua base gramsciana. Parte da compreensão de homem como produção histórica e um produtor da história, sobretudo do conhecimento, muito mais que uma unidade biológica situada no coletivo. Aí ancora sua concepção de escola e da sua finalidade histórica: o saber objetivo produzido historicamente desde a origem do homem foi transmitido por processos informais e formais, até que estes últimos chegaram à versão da escola como instituição de responsabilidade pública no século XIX. A obra, objeto desta resenha, tem sua obra-mãe numa produção que provocou desdobramentos amplos na pesquisa do próprio autor como de outros interessados no assunto. Trata-se de “Escola e Democracia”, de fundamental leitura para .a melhor compreensão de “Pedagogia Histórico-crítica”. Percebe-se uma coerência ímpar entre a primeira obra e a segunda, bem como em toda a produção posterior de Dermeval. Precisamos lembrar, que “a pedagogia histórico crítica” não é uma proposta didática, é uma análise pedagógica da história da educação brasileira, e como toda pedagogia, procura lançar luzes sobre a realidade da educação nacional, tanto do ponto de vista de sua melhor compreensão, quanto no sentido de possibilidades de proposições a partir de seus referenciais. A versão didática da pedagogia histórico crítica foi aprofundada pelo professor João Luiz Gasparin, discípulo de Saviani, em “Uma didática para a pedagogia histórico crítica’. “Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações” contempla os seguintes capítulos: 1) “Sobre a natureza e especificidade da educação”, onde Saviani discute e analisa como a escola foi constituída forma dominante de educação social no contexto da passagem de relações naturais para relações sociais nas quais o mundo da cultura adquiriu proeminência sobre o mundo da natureza, e por extensão a questão metódica e científica sobre espontaneísmo. Saviani discute a função da educação a partir da fundamentação teórica em que amara seu estudo. Consequentemente opõe-se à dialética idealista. Neste sentido alerta para o lugar da função social da escola no quadro das tendências da educação. Para o autor a natureza da educação é a identificação dos elementos culturais que devem ser assimilados pelos indivíduos, bem como o caminho mais adequado para tal, de forma a avançar no processo de sua humanização. Trata-se do processo de sua intencionalidade e de sua repercussão com prejuízos para a classe trabalhadora. O que explicita a preocupação social do autor com discussão da função social da escola, cuja essência deva ser pública. 2) Quando trata da “Competência política e compromisso técnico”, o autor situa duas dimensões de uma mesma realidade tanto no educador como no aprendiz. Uma não existe sem a outra, estão imbricadas e não são isentas. Assim a PHC prevê uma ascensão epistemológica, ou seja, uma evolução no conhecimento e do homem numa dimensão omnilateral, o que envolve a orientação por um modelo de sujeito que supera o estado de alienação. Trata-se da pessoa formada pelo princípio da politecnia, ou seja, da síntese dialética entre formação geral, formação profissional e formação política (formação politécnica: formação para o trabalho, para a política e para as artes.3) “A pedagogia histórico-crítica no quadro das tendências críticas da educação brasileira” situada entre as pedagogias de esquerda, assume-se socialista e fundamentada no materialismo dialético. Deste grupo fazem parte também as crítico-reprodutivistas que descrevem os mecanismos sociais de segregação, de alienação e de dominação, destacando o papel reprodutivista da educação na escola: a escola reproduz a segregação em uma sociedade dividida em classes opostas e caracterizadas pela posse dos meios de produção pela burguesia dominante e da força de trabalho pelo proletariado dominado. A análise de Saviani trabalha com o conceito de marginalizado. Na crítica estabelecida em “Violência Simbólica”(Bourdieu e Passeron) identificou os marginalizados como membros de grupos ou de classes sociais dominados aos quais a escola repassa valores da classe dominante, negligenciando os valores do proletariado. O efeito é um contingente é a reprodução de educandos limitados culturalmente, dados que confirmam-no na condição de dominador. “Aparelho Ideológico do Estado”(Louis Althusser) apresenta os marginalizados como expropriados, a classe trabalhadora, com a escola exercendo função de inculcamento ideológica, fundamental para manter e reproduzir a divisão social em classes econômicas. Também constituem esse grupo as forças de repressão. Do estudo de Baudelot e Stablet, a “Escola Dualista”, os marginalizados são os expropriados, a classe trabalhadora. Na escola e nos locais de trabalho é reproduzida a mesma estrutura social de classes, em que uns mandam e outros obedecem. Para essas três perspectivas a função social da escola tem sido atender ao capitalismo, excluindo conteúdos críticos, formando mão-de-obra especializada e dócil e reproduzindo a estrutura de classe. O mérito da PHC está no desafio em superar essa crítica, ultrapassá-la. Elas fundamentam a oposição às pedagogias de direita (denominadas não críticas: a tradicional , a Nova, a tecnicista) que se embasam no capitalismo, no neoliberalismo e positivismo. No centro da discussão coloca o tema da marginalidade política(educação unilateral) contra a cidadania de centralidade política (educação omnilateral). Assim, na pedagogia tradicional, excluído é o sujeito ignorante de conhecimento, por isso centraliza-se nos conteúdos sem articulação conceitual que permita a crítica. Ali, a função social da escola é ensinar conteúdos para combater a ignorância enciclopédica. O que confronta com a Pedagogia Histórico-Crítica que define a função social da escola no ensinar os conteúdos referentes ao conhecimento produzido e acumulado pela humanidade, articulando educação, trabalho e cidadania em perspectiva politécnica e omnilateral. O objetivo maior é proporcionar a ascensão dialética do senso comum à consciência filosófica. Na perspectiva da Escola Nova o excluído é o sujeito deslocado socialmente das instituições democráticas, constituindo-se função social da escola ensinar incluir socialmente. Porém, o eixo é deslocado do conteúdo para os processos de aprendizagem e promove-se a psicologização da educação. Acaba promovendo o engodo da inclusão social. O complicação da Escola Nova, segundo Saviani é eliminar o que se tinha antes, ou seja, a valorização do conteúdo. No tecnicismo excluído é o sujeito incompetente para as funções produtivas sofisticadas, o que define como função social da escola ensinar para capacitar tecnicamente para o setor produtivo: disciplinamento do pensamento e de ação corporal, do comportamento de acordo com o modelo industrial. Os conteúdos das ciências exatas ocupam o lugar privilegiado e menosprezo dos conteúdos humanísticos. 4) “A pedagogia histórico crítica e a educação escolar” retoma a discussão sobre a função social da escola, aprofundando a perspectiva acima mencionada. 5) “A materialidade da ação pedagógica e os desafios da pedagogia histórico-crítica” é resultado da conferência de encerramento do Simpósio de Marília, realizado na UNESP em 1994, cujo conteúdo foi pelo autor retomado e modificado, apresenta o trajeto da PHC na história recente da educação brasileira frente aos desafios que está propõe como pelos que enfrenta. Assim, discute a existência de um caminho que tem levado da teoria para a prática, mas não da prática para a teoria. Realidade que repercute em desafios como: aspectos da teoria que exigem elaboração e que ainda não foram articulados de forma coerente como a presença dos elementos psicológicos (articulação da psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica e com a questão da didática (aspecto metodológico). Neste último ressalta a contribuição decisiva de João Luis Gasparin. Em seguida alerta para travas na articulação para a materialização da proposta histórico-crítica que dificultam o desenvolvimento a e avanço de teoria e de sua ação pedagógica. Os mais mais fundamentais: a) a ausência de um sistema nacional de educação que estabelece relações limitadas na mobilização da teoria num contexto de precariedade da prática; b) uma prática que incorpora determinados ingredientes teóricos sem que aconteçam mudanças na prática por conta de motivos como a desobrigação oficial para com a instrução popular, orçamentos limitados, desvios de recursos, penúria das escolas e professores, condições precárias de estrutura, salários e trabalho. Enfim, entende que a a materialidade da teoria depende, neste estado das coisas, da organização e mobilização do Estado e da sociedade para que a educação se torne prioridade efetiva. Entre os aspectos estruturais torna-se imperativa alteração na organização predial da escolas, até agora constituída ou para a escola tradicional ou para a escola nova. O que demanda secundarizar ações burocráticas em nome das estruturas curriculares. Outro fator preponderante e resultante da ausência de um sistema nacional de educação e a descontinuidade de políticas neste campo. 6) “Contextualização histórica e teórica da pedagogia histórico-crítica”, foi motivado por uma entrevista concedida pelo autor aos professores Marcos Cordiolli, Pedro Elói Rech e Adriano Nogueira e que foi publicada como um texto corrido no Caderno Pedagógico da APP-Sindicato, em outubro de 1997, no número comemorativo dos 50 anos da Associação dos Professores do Paraná. Considerando a relevância da temática tratada nessa entrevista e o seu caráter esclarecedor para os leitores do presente livro, foi reescrito o texto, concentrando na contextualização histórica e teórica e sem as questões mais específicas que integraram a publicação do Caderno Pedagógico da APP. Neste capítulo, Saviani não reduz o aparecimento da PHC à realidade brasileira, mas no interior de um processo mundial mais amplo. A pedagogia histórico-crítica surge como reação a pedagogia dominante e sua formação é data pelo autor nos últimos anos do anos 1970 no bojo das análises críticas da educação no contexto que se desenrolava no referencial da revolução cultural alimentada nas ideologias de esquerda desencadeada no movimento de 1968. Saviani lembra as influência dos movimentos jovens de contracultura, de Baudelot e Establet, Bordieu e Passeron, das Conferências Brasileiras de Educação dos anos 1970-1980(ANPED, CEDES, ANDE). Como contextualização teórica, a referência filosófica fundamental é Marx e a dialética histórica. O autor fez questão de definir praxis como “uma prática fundamentada teoricamente”, com objetivo de superar a prática sem teoria que resume-se em espontaneísmo e a teoria sem a prática que redunda em contemplação. Na articulação teoria-pratica, a pedagogia histórico-crítica prima pela centralidade do “[...] conteúdo em sua articulação com as formas” (p. 144). As fontes pedagógicas estão ancoradas em Bogdan Suchodolski, Mario Alighiero Manacorda, Georges Snyders. Finaliza- essa 10ª educação com bibliografia sobre a teoria da pedagogia histórico-crítica. Entretanto, “Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações” não é uma obra acabada. É um desafio como ainda o é a educação básica brasileira, sobretudo pela inexistência de um sistema de educação que se explicita na descontinuidade de leis, proposições, ações, políticas; bem como pela permanência de desafios que já deveriam estar superados. Não mais enfrentamos o problema do acesso, mas da qualidade, preocupação central da PHC.

Cornélio Procópio, março de 2009.


[1] Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), especialista em Metodologia do Ensino pela UNOPAR (Londrina), graduado em Pedagogia pela FAFICOP (Cornélio Procópio-Pr) e em Filosofia pela UNIOESTE (Toledo-Pr), professor da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná e da UENP- Campus de Cornélio Procópio.

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