domingo, 1 de abril de 2018



A formação do simbolismo na criança é algo de profunda importância para a aprendizagem, visto que é a função simbólica que dá conta de todo o processo de pensamento. O processo de simbolização passa a se constituir a partir da separação do bebê e da mãe, possibilitada pelo Complexo de Édipo, momento em que acontece a entrada de um terceiro, a função paterna, na relação mãe-bebê.
Separando-se da mãe, o bebê sofre a frustração propiciada pelo limite, perdendo a onipotência, e dessa frustração nasce o desejo que constrói o simbólico. De outra forma, podemos dizer que a formação do simbólico na criança é construída a partir da frustração de seu desejo não atendido, da perda da onipotência, quando a mãe, depois de exercer sua preocupação materna primária – fase de dependência absoluta do bebê em relação à mãe, sendo suficientemente boa, promove a separação do bebê – fase de dependência relativa, na qual a mãe abandona progressivamente sua adaptação.


Neste momento, a criança inicia um processo inconsciente, pré- simbólico, no qual um objeto a auxilia a lidar com essa ausência da mãe: o objeto transicional [1], conceito desenvolvido por Winnicott, um objeto de relação que “substitui” a mãe. Assim, a criança começa a buscar a dominação dessa situação, uma forma de elaboração, fazendo a diferenciação com o mundo exterior.
A partir de então, ela evolui pouco a pouco para a independência, ao mesmo tempo em que inicia o desenvolvimento de sua socialização e a aquisição do senso social. É a partir deste lugar, então, do colo da mãe, de seus cuidados, de sua atenção, que se iniciam as primeiras aprendizagens do ser humano.
Como afirma Reisswitz (2008, p.8) “a criança que habita o colo, a voz e o olhar da mãe, fazendo inscrições e sendo inscrita, vai poder lidar com marcas, com escritas, com aprendizagens em territórios diversos”.
Utilizando as palavras de Rodulfo (apud REISSWITZ, 2008, p.8) “os processos de simbolização iniciam nesse lugar, no colo, no abraço, no olhar, na voz da mãe ou de quem ajuda a fazer esses trabalhos psíquicos de superfície e de corte”.
Através dessas e de outras vivências, construídas diariamente em seu contexto, a criança vai evoluindo em seu desenvolvimento e em suas capacidades. São as ações da vida diária, da rotina de cuidados com o bebê que o possibilitam criar representações e, indo mais além, se aventurar e ousar, quando este ambiente lhe parece suficientemente seguro e confiável.
Como afirma Oliveira (1996, p.22) “são esses rituais pré-simbólicos, como a hora de dormir, quando a mãe canta a mesma música e o bebê se aninha aconchegado a seu cobertorzinho, que abrem caminho para as representações simbólicas”.
Na medida em que cresce e progride em suas descobertas e experiências, a criança passa a “se conectar a dimensões espaço-temporais cada vez mais distantes do momento presente” (Ibidem, p. 23), passando a utilizar signos verbais e imagéticos para representar objetos significativos.
Esta é uma capacidade fundamental à aprendizagem, onde a criança, no exercício de sua inteligência, faz uso da palavra para representar objetos, imagens e ações. Através do registro, evocando objetos ausentes e os representando, buscando interações e relações, cumpre-se a função social da escrita que é a de comunicação. “A aprendizagem seria portanto criativa por natureza, descobrindo ou inventando novos meios de reorganizar a realidade, de readquirir o curso da ordem abalada, sem perder o caráter pessoal de seu timoneiro. Sua finalidade primeira seria a de conduzir ao conhecimento de si mesmo, do objeto e, principalmente, da relação sujeito-objeto” (Ibidem p. 19).
Assim sendo, resta ainda dizer, a respeito da importância da capacidade de simbolização da criança, que é a internalização da ação que possibilita chegar-se às operações, através das quais construirá sistemas objetivos, coerentes e reversíveis. A própria linguagem é uma forma de manifestação dessa capacidade, que tem em sua base a organização dos sistemas lógicos e estruturais que possibilitam a interação com o meio.
Antes mesmo de entrar na escola, a criança já tem algum contato com a escrita, em maior ou menor grau, conforme o meio em que está inserida e as
vivências que realiza em seu cotidiano. A escrita, uma das formas de linguagem, está presente na sociedade, especialmente nos meios mais letrados, e sua principal função é a de comunicação.
Ao contrário da fala, por exemplo, que é uma atividade eminentemente espontânea, a escrita é algo que precisa ser trabalhado, estudado, desenvolvido. Geralmente, as crianças aprendem a escrever na escola, salvo quando já tem um contato mais intensivo e uma iniciativa mais sistemática no sentido de já estarem mais preparadas para a aquisição e uso dessa forma de linguagem. Conforme Mata (2003, p.12), “...todas as crianças, salvo as que sofrem de alguma patologia, aprendem a falar espontaneamente. Ao contrário, para aprender a escrever as crianças têm de realizar uma atividade consciente e sistemática. Tal atividade normalmente se desenvolve no âmbito formal da escola”.
De qualquer forma, há uma série de etapas que constituem esse desenvolvimento, culminando na possibilidade do pleno exercício da escrita. Cabe esclarecer que o percurso deste longo caminho é peculiar a cada criança e, muitas delas, podem encontrar maiores ou menores dificuldades na aquisição da escrita.
As autoras Ferreiro e Teberosky realizaram uma importante pesquisa a respeito da função social e do valor da escrita, que se dedicou a descobrir como se desenvolve este processo, como o sujeito busca a aquisição dos conhecimentos. Descrever-se-á aqui, os níveis pelos quais a criança passa na construção deste conhecimento que marca, significativamente, sua vida e sua trajetória escolar, segundo Ferreiro e Teberosky (1999).
a) Nível 1 – neste nível a escrita da criança caracteriza-se pela tentativa de imitação, já que “escrever é reproduzir os traços típicos da escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma” (Ferreiro e Teberosky, 1999, p.193). Para a criança a escrita é subjetiva, ou seja, cada um pode interpretar e explicar o que escreveu, mas não o pode fazer em relação à escrita de outras pessoas. Neste nível a criança ainda não está preparada para reconhecer a escrita como uma forma de comunicação e pensa que é necessário um mínimo de caracteres - três - para que algo possa ser escrito, e estes não podem ser todos iguais.
b) Nível 2 – neste momento a criança pensa que são necessários diferentes caracteres para que se possa escrever coisas diferentes. A forma do grafismo é mais semelhante às letras e a criança utiliza diferentes combinações para escrever diferentes palavras.
c) Nível 3 – neste nível surge a hipótese silábica, na qual a criança atribui valor sonoro às letras e julga que cada uma vale por uma sílaba. Este é o primeiro momento em que a criança relaciona fala e escrita, considerando o caráter sonoro e a representação.
d) Nível 4 – evoluindo em suas aquisições, neste nível a criança passa da hipótese silábica para a hipótese alfabética. É de grande riqueza este momento, que possibilita à criança a coordenação de suas hipóteses, e também das informações que recebeu, ao longo desta trajetória de construção da escrita.
e) Nível 5 – chegando a este nível, a criança já compreende que os diferentes caracteres da escrita correspondem a valores sonoros menores que a sílaba. Assim, na sua escrita ela analisa os fonemas das palavras considerando sua dimensão sonora e vai, aos poucos, se defrontando com as dificuldades próprias da ortografia. Compreendido o sistema de escrita, passa- se a busca da compreensão do sistema ortográfico de escrita.
A construção da escrita é, portanto, uma das etapas mais importantes da escolarização, considerando-se que possibilita o desenvolvimento de inúmeras outras aprendizagens que servirão para além do contexto escolar. Nas palavras de Ferreiro e Teberosky (1999, p.283): “uma construção real e inteligente por parte das crianças desse objeto cultural, por excelência, que é a escrita”, um objeto que permitirá a construção de outras vivências e conhecimentos.

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