domingo, 23 de outubro de 2011

O Trabalho Infantil no Brasil: Situação Atual e Perspectiva de sua Eliminação.


O Governo brasileiro, juntamente com alguns segmentos da sociedade civil, encontra-se empenhado na tarefa de erradicar o trabalho infantil no País. Para tanto, vem utilizando diversos mecanismos e instrumentos disponíveis, que vão desde a fiscalização realizada no local de trabalho à implantação e desenvolvimento de projetos que visam a dar orientação aos pais e às crianças que trabalham, fornecendo-lhes também capacitação para alternativas de geração de renda familiar.
Não obstante ser aceito pelo senso comum da sociedade brasileira como solução para o problema da falta de escolas e para prevenir o jovem de se tornar marginal, o trabalho infantil traz consequências nocivas ao desenvolvimento físico e psicossocial da criança. A maior incidência de trabalho realizado por crianças no Brasil verifica-se no setor agropecuário, particularmente na agricultura.
Grande número de crianças trabalha também no setor informal urbano e em residências, como empregado doméstico. No setor formal de trabalho a participação de crianças encontra-se em declínio há algum tempo e é pouco significativa atualmente. Dados estatísticos de 1989, fornecidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam a existência de 7.316.636 crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos trabalhando nos diversos setores da economia no Brasil. Desse total, cerca de três milhões encontram-se exercendo atividades agrícolas, um milhão trabalham na indústria e os restantes distribuem-se entre os setores de comércio e serviços.
O maior contingente de crianças trabalhadoras na agricultura encontra-se na Região Nordeste do País. Segundo dados de 1987 do IBGE, existem 719.602 crianças abaixo de 14 anos de idade e 635.278 entre 15 e 17 anos desenvolvendo atividades agrícolas naquela região. No País como um todo, 1.499.148 crianças até 14 anos e 1.460.754 adolescentes entre 15 e 17 anos de idade trabalham na agricultura.
Sabe-se que, do ponto de vista do empregador, o trabalho assalariado infanto-juvenil apresenta algumas vantagens em relação àquele executado por adultos. As crianças podem ser mais facilmente adequadas à demanda flutuante de mão-de-obra, podendo ser também mais facilmente dispensadas. Ademais, o trabalho infantil é menos valorizado, sendo consideravelmente mais baixos os salários pagos a crianças e adolescentes.
Esse fato explica, em parte, o aumento do número de crianças assalariadas, ao mesmo tempo em que também cresce o desemprego entre os trabalhadores adultos. Existe ainda um aspecto cultural relacionado ao trabalho infantil na agricultura, que se refere à aceitação generalizada entre a população rural, de que o trabalho deve fazer parte do processo de formação dos jovens.
 Embora essa concepção esteja se modificando à medida que o estudo passa a ser mais valorizado, a educação formal ainda não é considerada tão importante quanto a educação no trabalho, entre muitos grupos no meio rural. As condições do trabalho infantil na agricultura são precárias e envolvem desde o trabalho não remunerado ao pagamento em espécie e mercadoria; manejo de ferramentas cortantes e produtos tóxicos; carregamento de fardos pesados; exposição contínua a agrotóxicos; uso de equipamento inadequado; longas jornadas de trabalho e impossibilidade de frequência à escola. No setor industrial a força de trabalho infantil é requisitada por pequenas empresas familiares que prestam serviços a indústria, como no setor de fabricação de calçados.
 Determinadas tarefas da produção são encomendadas a terceiros, que executam o trabalho nos próprios domicílios. Neste caso específico dos calçados é grande o número de crianças que trabalha manejando cola tóxica e comprometendo assim a sua saúde.
Tradicionalmente, o combate à exploração do trabalho infantil no mundo vem sendo conduzido pela utilização de dois instrumentos básicos: as leis trabalhistas e a educação.
O Brasil encontra-se particularmente adiantado em relação aos demais países no que se refere à existência de legislação proibitiva ao trabalho infantil e de proteção aos direitos da criança e do adolescente. A Constituição Federal, promulgada em 1988, determina a "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos, e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz". (Artigo 7º, parágrafo XXXIII).
A Constituição prevê ainda que se deve garantir à criança e ao adolescente, direitos trabalhistas e previdenciários; direito à profissionalização e à capacitação adequada; direito ao acesso à escola; e direito à compatibilização da frequência à escola com o trabalho. Constitui-se também um direito previsto na Constituição brasileira a assistência do pátrio/mátrio poder no que se refere ao trabalho da criança e do adolescente.
Isso significa que os pais têm a responsabilidade de acompanhar o trabalho dos filhos, sendo autorizados, com amparo na legislação trabalhista, a rescindir o contrato, se verificarem que tal atividade prejudica a saúde ou a escolaridade da criança.Paralelamente aos mecanismos tradicionais de proteção à criança e combate ao trabalho infantil (a legislação trabalhista, a inspeção realizada pelo Ministério do Trabalho e a atuação dos sindicatos no âmbito da sociedade civil), existe atualmente no Brasil, um novo mecanismo geral de proteção à infância.
 Trata-se do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, que norteia o trabalho desenvolvido no País para a proteção e garantia dos direitos da criança e a eliminação gradual da exploração da mão-de-obra infanto-juvenil.
O Estatuto da Criança e do Adolescente baseia-se em três princípios fundamentais: descentralização, participação e mobilização. As ações do Governo e da sociedade civil nos diversos setores voltados para a problemática da infância e da adolescência vêm sendo desenvolvidas a partir deste trinômio.
No que se refere à descentralização, o Estatuto da Criança e do Adolescente delega atribuições específicas e fundamentais aos Estados e Municípios, que passam a dividir com o Governo Federal e a sociedade civil organizada a responsabilidade pela garantia do cumprimento da lei na proteção às crianças.
Essa estratégia de descentralização, que viabiliza a participação dos diferentes segmentos da sociedade civil envolvidos, propiciando a sua mobilização em torno do respeito aos direitos da criança e pela eliminação do trabalho infantil, inclui a criação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CDCAs) e dos Conselhos Tutelares.Os CDCAs, constituídos em níveis municipal, estadual e nacional, têm a função de formular e controlar a implementação das políticas sociais voltadas para a proteção da criança e do adolescente e acompanhar a execução de todas as ações e programas ligados a essa questão.
A eficácia da atuação dos CDCAs passa por aspectos políticos que se relacionam ao poder delegado aos Governos para indicar os seus membros, ao nível de conscientização, compromisso político e grau de representatividade dos seus integrantes, e da capacitação destes representantes para colocar em prática, com relativo sucesso, as prerrogativas atribuídas aos Conselhos.
Os Conselhos Tutelares, também constituídos em níveis municipal, estadual e nacional, visam a atender caso a caso, as situações de crianças vitimizadas no trabalho.
Esse novo mecanismo geral de proteção à criança, instituído a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual os Conselhos têm papel-chave, veio fortalecer o Estado democrático de direitos no Brasil e representa grande mudança qualitativa nas formas até então utilizadas para atuar contra a exploração da mão-de-obra infantil.
Essa diferença se faz pela possibilidade de se poder contar com a existência de um grupo organizado e institucionalizado em cada município brasileiro, com potencial de realizações em escala inédita na área da prevenção do trabalho infantil.Embora a erradicação do trabalho infantil não dependa apenas da legislação, pois vincula-se à existência de desemprego ou subemprego entre os membros adultos da família e à necessidade de geração de renda, a criação de mecanismos legais e de longo alcance para a proteção das crianças e adolescentes constitui-se um passo fundamental desse processo.
Os demais passos a serem dados dependem de um conjunto de fatores que envolvem a atuação dos Governos (Federal, estaduais e municipais) e da sociedade civil. A partir dos mecanismos existentes, das parcerias estabelecidas em torno da decisão de erradicar o trabalho infantil e das possibilidades de desdobramentos que eles propiciam, pode-se prever um quadro mais positivo no futuro.
 Tanto os governos quanto a sociedade civil desempenham papel fundamental nesse processo.PAI - Em 1994, foi instalado no País, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que vem desenvolvendo diversos projetos. No âmbito do Forum, começou a ser implantado em 1995, o Programa de Ações Integradas (PAI), cujo projeto-piloto está sendo aplicado nas carvoarias do Estado de Mato Grosso do Sul.
O PAI tem como principal objetivo a retirada das crianças do trabalho e o seu encaminhamento à escola. Com base no princípio de que as crianças estão trabalhando para compor a renda familiar, o programa desenvolve projetos de sustentação econômica para as famílias, fornecendo, em um primeiro momento, auxílio financeiro para, em seguida desenvolver o programa de geração de emprego e renda.
O primeiro passo dado envolve a articulação de diversas esferas dos governos federal, estadual e municipal e de entidades não governamentais. A seguir, são selecionadas as atividades nas quais é utilizada mão-de-obra infantil, com base em denúncias e levantamentos prévios. Identificado o problema, a equipe técnica do Fórum inicia um trabalho de sensibilização e envolvimento de instituições e entidades da sociedade civil para o problema, apontando prioridades de atendimento às famílias que são alvo do programa.
Após definido o esquema operacional, são direcionadas ações da esfera federal para as áreas priorizadas. Algumas condições tornam-se necessárias para o desenvolvimento do PAI. Entre elas encontra-se a necessidade de elaboração do diagnóstico da rede escolar, cadastramento das famílias e realização de estudos de alternativas econômicas para a região escolhida. É preciso também adequar a rede de ensino ao Programa, implantar os Conselhos de Direito, os Conselhos Tutelares, os Conselhos de Assistência Social, de Saúde, de Educação, assim como os Conselhos Escolares, e formar Comissões Estaduais de Emprego e Comissões Tripartites (Governo Estadual, empregadores e trabalhadores).
É realizado ainda um trabalho de mobilização de entidades regionais e municipais em torno da questão do trabalho infantil; pesquisa relativa ao número de famílias a serem atendidas; identificação dos recursos necessários e planejamento para sua aplicação; consolidação das propostas existentes; e definição dos mecanismos de monitoramento e avaliação do programa. Atendidos todos esses requisitos, o PAI está pronto para ser desencadeado.
Em abril de 1996, foi lançado o programa-piloto nas carvoarias de Mato Grosso do Sul, que vem atendendo às famílias de 700 crianças, as quais recebem uma bolsa mensal, chamada "Vale Cidadania", no valor de R$ 50,00, dos quais R$ 25,00 são pagos pela Secretaria de Assistência Social (SAS) do Ministério da Previdência, e R$ 25,00, pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. Está previsto para 1997 a implantação do PAI na região canavieira de Campos, Estado do Rio de Janeiro, e em 27 municípios do Estado da Bahia, nos quais o trabalho de extração da a fibra do sisal é executado com uso de mão-de-obra infantil.

Nenhum comentário: