segunda-feira, 17 de outubro de 2011

As crianças e o apelo consumista - Maria Helena Masquetti

No documentário “Criança, a alma do negócio”, de Estela Renner, uma entrevistadora coloca duas folhas de papel diante de um grupo de crianças. Em uma folha está escrito “comprar” e, na outra, “brincar”. Quem imagina que as crianças escolheram a folha “brincar”, infelizmente errou. A única criança que escolheu essa opção exclamou surpresa: “Ninguém gosta de brincar?”. E o filme vai por aí afora, revelando o quanto a comunicação mercadológica vem deturpando o conceito de infância. Até mesmo o antigo alerta que nos dizia “Cuidado, atrás de uma bola vem sempre uma criança!”, parece ter se alterado: hoje é o marketing que corre atrás das crianças por perceber nelas um público de fácil convencimento. Isso pela característica natural que elas têm de acreditar no que ouvem e vêem e por não entenderem ainda o caráter persuasivo das mensagens.

O desenvolvimento saudável das crianças depende muito do quanto elas puderem viver plenamente a infância. É um período surpreendente em que elas estão descobrindo o mundo e construindo sua identidade. Porém, embora elas aprendam com os exemplos, é importante que a iniciativa da imitação seja delas. Uma coisa é crianças imitarem adultos por conta de sua curiosidade natural. Outra, bem diferente, é adultos interferirem nesse gesto espontâneo, sugerindo que elas devem abandonar rapidamente a infância para aderir mais cedo aos hábitos de consumo. Foi Piaget quem disse: “Tudo o que se ensina a uma criança, a criança não pode mais, ela mesma, descobrir ou inventar".

Incentivar garotinhas mal saídas das fraldas a se maquiar e se vestir como miniadultas ou tomar como natural o modo como muitas já até discutem sua relação amorosa no celular, é dizer a elas que a infância não é interessante e que devem abandoná-la. Convencer adolescentes de que a bebida pode torná-los mais bem sucedidos e felizes é justamente impedir que eles alcancem essa condição de vida dados os malefícios do vício do álcool.

O melhor investimento que podemos fazer pela construção de um mundo melhor é enviarmos ao futuro cidadãos física e emocionalmente saudáveis. Para isso, as crianças devem crescer livres da compulsão consumista e de sua consequente contribuição para a obesidade infantil, a erotização precoce, a violência, o materialismo e a crença de que ter é mais importante que ser. É do brincar espontâneo que brota a criatividade, o gosto pela descoberta, a sociabilidade e a certeza de que a inclusão do outro é fundamental para que o ‘jogo’ da vida aconteça. Preservar tudo isso é preparar o caminho das novas gerações e um sinal de que a criança que fomos um dia permanece viva dentro de nós.

Jornal da Tarde, A opinião de, 10/01/2011

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