segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Propaganda nas escolas: riscos e abusos - Wilson da Costa Bueno

Pesquisa recente do Datafolha, realizada com mais de duas mil pessoas em todo o País, revela que há razoável tolerância em relação à propaganda feita junto às crianças nas instituições de ensino, e que a resistência é maior entre aquelas que exibem menor renda e escolaridade. Ou seja, os ricos e instruídos (atributos que, no Brasil, costumam estar associados) têm menos restrições à ação publicitária nas escolas.

Mas que importância podem ter os resultados desta pesquisa? Ora, muita, mas muita importância mesmo. Em primeiro lugar, eles evidenciam a falta de conscientização, por exemplo dos pais, com respeito à influência das empresas que assediam os seus filhos no ambiente escolar, muitas vezes com a cumplicidade ou autorização dos professores e diretores destas instituições. Em segundo lugar, mostram que as classes mais favorecidas, portanto mais comprometidas com o consumismo, veem menos problemas nesta potencialmente nefasta aproximação. Finalmente, escancara a disposição de empresas privadas de não darem trégua às crianças e adolescentes e de irem atrás deles onde estiverem, com o intuito prioritário de empurrar-lhes produtos, ainda que não saudáveis, como é o caso das empresas de fast-food ou de bebidas.

Os pais e educadores (e também os empresários da educação infantil) deveriam estar atentos a esta situação e não serem cúmplices de uma postura comercial que pode ser comprometedora para a formação das crianças. Afinal de contas, com a legitimação das escolas e de professores, elas podem ficar reféns de apelos publicitários que induzem ao consumo não consciente numa idade em que pouca vigilância podem exercer em relação a estas mensagens.

O palhaço Ronald, do McDonald´s, freqüenta com desenvoltura estes ambientes e, com o argumento (eta hipocrisia e cinismo explícitos!) de trazer ensinamentos úteis (o que pode até acontecer, se a ação for vista de forma descontextualizada ou apenas pela superfície), promove a imagem de uma rede que representa efetivamente, em plano global, o compromisso com uma alimentação não saudável, com hábitos de consumo que comprometem a saúde e que estão estritamente associados à obesidade. E obesidade na infância (cada vez mais comum no Brasil e no exterior) está associada à diabetes, ao câncer e a uma série de doenças de alto risco. É lógico que não só o McDonald´s deve ser retirado das nossas escolas, mas todas as empresas que, na prática, vivem de explorar o imaginário infantil, criando brindes de superheróis para estimular o consumo de produtos repletos de gordura.

Países, como Portugal, para citar o caso de um que nos é próximo e com o qual compartilhamos a língua (o português), proíbem o acesso de propagandistas e seus garotos-propaganda aos colégios, entendendo, justificadamente, que, pelo menos nestes espaços, é importante que as crianças estejam livres do assédio comercial.

Por aqui, onde a propaganda voltada para as crianças é agressiva, predadora, apesar das iniciativas de entidades e organizações exemplares, como o Instituto Alana, tudo se permite. Temos visto, com freqüência, abusos cometidos em nome de um falso entretenimento e um enganoso compromisso com a educação.

Certamente, como em outros anos, teremos em breve (junho está aí) a presença maciça de empresas nas quermesses que estão associadas às festas juninas, vendendo tudo, oferecendo tudo sem o menor escrúpulo. Em muitas oportunidades, colégios (inclusive comandados por instituições religiosas) chegaram a permitir a propaganda e a venda de bebidas alcoólicas (cervejas especificamente) em barraquinhas, expondo as crianças e os adolescentes a marcas poderosas.

Não se devem tolerar estes desvios de conduta sobretudo porque, temos certeza, as mesmas instituições e professores que abrem os braços para estas promoções comerciais de gosto discutível e de impacto fácil de imaginar, não estão fazendo esforço equivalente para conscientizar crianças e os pais sobre os malefícios de uma alimentação não saudável.

Crianças acostumadas a esse assédio serão tolerantes à atuação de empresas agroquímicas e de farmacêuticas nos estabelecimentos de ensino superior, buscando envolver, já no período de formação, profissionais que no futuro terão uma missão importante: impedir o consumo abusivo de agrotóxicos e medicamentos. Por este motivo, temos sido incompetentes para impedir que se contaminem o solo,o ar ,a água ou se estimule a prática perigosíssima da automedicação.

Toda vez que alguém se dispõe a tratar deste assunto - o assédio insuportável das empresas às nossas crianças e adolescentes - surgem defensores de uma falsa liberdade de expressão, comprometidos até o último fio de cabelo com anunciantes, agências e veículos, que só pensam em faturar com a inexperiência de nossos meninos e meninas.

Urge criar uma blindagem em relação a estes protagonistas irresponsáveis do consumo - pelo menos nas escolas, e criar identificações menos nocivas com personagens e marcas que têm pouco a ver com educação e com saúde.

As autoridades deveriam estar atentas a esta realidade e, se independentes e comprometidas com o interesse público, proibir terminantemente este assédio indesejável. Não podem os professores e o sistema oficial ou privado de educação controlar, eles próprios, este processo de disseminação das informações de "saúde e qualidade de vida"? É preciso trazer para dentro dos pátios e das salas de aula anunciantes sedentos por lucros e por espetáculos de fixação de imagem?

Está na hora de dar um basta a estes abusos praticados em nome de uma educação continuamente violentada por interesses comerciais. Está na hora de nos unirmos a uma corrente internacional que visa abolir definitivamente personagens, como o palhaço Ronald, que, travestido de bom mocinho, incutem nas crianças uma mensagem negativa de apelo ao consumo não saudável.

Que os pais assumam o seu papel e que assim façam também os educadores e os empresários da educação brasileira. A propaganda deveria preservar pelo menos os espaços tradicionais reservados à formação das personalidades e ao desenvolvimento do espírito crítico, e ir fazer barulho em outro lugar.

Poupemos as nossas crianças de comerciais de impacto negativo para a qualidade de vida e estimulemos com mais competência o exercício pleno da cidadania. Que saiam de cena os palhaços e retornem os educadores de verdade. Não precisamos de personagens ridículos nas nossas escolas, mas de exemplos concretos de compromisso com a infância e a adolescência.


UOL, Portal Imprensa, 25/05/2011
http://portalimprensa.uol.com.br/colunistas/colunas/2011/05/25/imprensa867.shtml

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