segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Relação pai x filho: pilar do processo civilizatório


Edna Galvão - Artigo: .  In Periódico Actas Freudianas, Revista da Sociedade de Estudos psicanalíticos de Juiz de Fora, v.III, 2007. 155p.; 26 x18 cm. ISSN 1809-3272.

Na contemporaneidade, nos sentimos no limite entre o experimentar e conhecer a verdade. Isso nos faz questionar que civilização nós temos. O processo civilizatório nos traz muitas inovações e transformações que, se de um lado aumentam a nossa qualidade de vida, por outro lado, de alguma maneira, nos impede a felicidade. O homem cria coisas para se proteger das forças da natureza, se racionaliza, abre mão de Deus e, segundo Nietszche [1987]), se compara a ele, mas não se sente feliz. Com esse fato fazemos uma analogia de abrir mão de Deus com a morte do pai e a culpa de que nos fala Freud (1913-1996) quando se refere em Totem e tabu, à ambivalência de sentimentos da irmandade ao matar o pai da horda primitiva. A busca da felicidade individual veio a ser permanentemente incluída entre nossos desejos.
Nietzsche (1987), nos fez relacionar a morte de Deus com o crescimento da ciência. A ciência assim como a religião parte de uma crença, no entanto, a ciência não concede status às crenças. Freud, pós-Nietzsche, em seu trabalho O futuro de uma ilusão (1927) eleva a ciência e a razão. Aponta a religião como uma ilusão e a justifica para a civilização, por fazer morrer em nós traços da natureza, como a fraqueza humana e a relação espontânea. Num segundo trabalho O mal-estar na cultura (1929), Freud se dá conta de que, em que pese a importância dos progressos da ciência, e muito peso vem sendo dado a seus progressos, há overdose de tecnologia: muita informação que o homem mal consegue introjetá-la: nem sai uma, entra outra e tudo o mais gira em torno da ciência. A sensação de desamparo é grande e estamos freqüentemente buscando alguém para nos proteger. A humanidade caminha para o mal-estar da civilização. Quem irá nos salvar? Onde está o pai? 
A civilização regula os relacionamentos sociais e a primeira exigência é a questão da justiça e a liberdade do indivíduo. Precisamos, no entanto, que as sociedades tenham como princípio, no teor de suas relações, um comprometimento com a ética, para que a justiça e a liberdade do indivíduo sejam consideradas como direitos legítimos, valores da civilização que, após a Segunda Guerra Mundial, vêm demonstrando acentuado declínio, até os dias de hoje e que parecem estar ligados aos efeitos do progresso social sobre os indivíduos.
As ciências do sujeito têm sempre algo a buscar e falar sobre o que é um pai: entender para além do pai biológico; compreender as suas subjetividades, que vão sendo constituídas através da dialética homem e mulher e da do pai e filho. A partir de Freud (1996) e Lacan (1990), se tornou possível ampliar o sentido da educação inicial de um sujeito, concebendo-a como um discurso social, transmissor das marcas do desejo. O sujeito e seus objetos não nascem prontos com o bebê. A subjetividade se constitui na relação com o Outro, denominação lacaniana para o lugar da linguagem e do simbólico.   Os sujeitos da relação educativa são seres humanos, fruto de um processo e também síntese das relações sociais e históricas. Na verdade, expressam o encontro da subjetividade com a objetividade, e são eles que criam as representações, as normas e os valores que instauram a educação. O filho torna-se filho do pai, quando o pai o assume de fato. Mas, em última instância o homem só se torna o pai se a mãe assim o desejar, pois segundo Delumeau e Roche (1990), “a paternidade de intenção” constitui cada vez mais o modelo dominante. Vários pensadores identificam um declínio após um longo período sustentado pelas crenças judaico-cristãs, na modernidade. Na realidade, a religião foi essencial para sustentar o pai em lugar de destaque na constelação familiar.
A paternidade, objeto em mudança no século XXI, está em discussão e encontra-se inserida, no embate entre a identidade do pai e da mãe, pois não há paternidade sem maternidade, e dá-se na contínua busca e promoção da eqüidade de gênero, seja dentro da dialética (modo de pensar que privilegia as contradições da realidade e permite que o sujeito se compreenda como agente do processo dessa transformação) homem e mulher, ou da função paterna e função materna e em larga medida nas relações estabelecidas entre pai e filho, após a introjeção das mudanças dos embates anteriores pelos quais o homem/pai passou, seja ao nível de sua formação/educação enquanto ser humano, ou como representante do gênero masculino e suas implicações sociais e culturais.
No decorrer da História, o homem foi sempre apoiado pela cultura que, sendo patriarcal, reservou-lhe lugar acima da trama doméstica, constituída, sobretudo, pela mulher e pela criança. Esta situação vem-se modificando, lenta e progressivamente, em transformações mais amplas, como a entrada da mulher no espaço público, espaço estabelecido como exclusivamente masculino. Se houve um declínio não foi da função paterna, mas sim nas formas de exercer a função, isto é, a paternidade se modifica de acordo com a época e a cultura e parece que isso é evidente, e se hoje, no início do século XXI, em plena civilização desejamos evitar a barbárie, devemos acreditar que a necessidade de amor e de afeto clamam pelo retorno do pai, princípio que acreditamos e defendemos como capaz de garantir a vida em sociedade. Vamos procurar entender como tudo começou...
Segundo Dupuis (1989), foi há aproximadamente cinco ou seis milênios que as sociedades mais adiantadas - egípcios e indo-europeus - descobriram a relação entre o ato sexual e a procriação. Isto levou-as a tomar consciência da paternidade. Essas sociedades, que eram matrilineares, isto é, centradas na mãe, onde a prática religiosa inspirava-se no tema da fecundidade feminina e a vida sexual era marcada pela livre satisfação do desejo, foram sucedidas pelas sociedades patrilineares.
A descoberta do papel do pai, na procriação, foi responsável por uma revolução social, modificando a organização humana. A ignorância dos homens primitivos quanto à paternidade, substituída pela relação entre a causa - o ato sexual – e a conseqüência – a procriação – e, conseqüentemente, pela consciência da paternidade, dá origem a uma revolução que subverte as estruturas da família, da vida sexual, das religiões e da mitologia.
Segundo This (1987), na tradição indo-européia o homem que possui a patria potestas (poder ligado ao pai, poder detido pelo chefe de família) deve tomar o filho sobre seus joelhos, para “reconhecer” que se trata de seu próprio filho ou para adotá-lo se não houver vínculo natural; é o rito de agregação à família. O pai ainda poderia rejeitar o filho, teria o direito de expô-lo, de deixá-lo morrer, já que ainda não foi nomeado (p.228). “O que define o ser-pai não é a consangüinidade, mas o ato de apossar-se de uma criança e declarar publicamente: eu sou o pai. A paternidade é auto-referencial, como todo ato de soberania” (JULLIEN, 1997:39).
A autoridade do pai dentro de casa tornava-se maior e a mulher e os filhos se submetiam a ela mais estritamente. Autoridade deriva do verbo latino augere – aumentar, acrescentar - e foram os romanos que nos deram tanto o conceito quanto a palavra. Autoridade envolve obediência, mas não a coerção, pois quando ocorre o emprego da força, não existe autoridade. De acordo com a filósofa Arendt (1988:132), tanto Platão quanto Aristóteles se utilizaram de conceitos pré-políticos para a análise do problema ao transferirem, para o campo da política as relações pais-filhos, senhor-escravo etc, que não eram relações entre iguais como as que devem nortear a vida política. Após a morte de Sócrates, Platão descobriu que a verdade não necessita de violência para ser eficaz, é mais forte que a persuasão e a discussão. A importância disso na vida familiar e na autoridade do papel do pai está no desempenho com que se transmite a verdade. Para que a verdade passe a ser considerada como verdade, necessita de tempo, de exemplos estabelecidos em confiança, nas relações, além de um sentimento de crédito depositado naquela verdade (p.148).
Segundo Arendt (1988)
Todos temos necessidade de um pai, e assim como hoje isso é um fato, o foi também pelos romanos que sentiram necessidade de pais fundadores e de exemplos autoritários em matéria de pensamento e de idéias, aceitando os grandes “antepassados” na Grécia como em teoria, filosofia e poesia (ARENDT, 1988:167).

Os pais têm a função de promover o “acréscimo” que é uma forma de transmitir os valores da tradição, das idéias que foram antes testadas e fortalecidas pelos antigos antepassados. Para Arendt (1988), a conseqüência mais importante da secularização da época moderna, ou seja, o cristianismo, com as crenças e especulações sobre uma vida futura livre como havia sido na Antigüidade, pode muito bem ser a eliminação na vida das pessoas, juntamente com a religião, do único elemento político da religião tradicional, o temor do inferno (p.177). Para lidar com este mal, a proteção do Pai Celeste se fazia essencial.
Até o século XVII, para Felzenswalb (2003), imperava o preceito de que o filho devia tudo ao pai, porque este lhe dera a vida e surge nos discursos morais e religiosos da época, essa noção dos deveres dos pais. O quarto mandamento ordena que filhos honrem seus pais, mas nada ordena aos pais em relação aos filhos. A partir do Concílio de Trento, em 1545-1563, começa-se a falar sobre os deveres do pai (p.9). E até 1760, as preocupações judiciais relativas ao meio familiar realçavam a onipotência do pai e o seu poder em matéria educativa e sucessorial. Estas preocupações reduziam os aspectos afetivos e ternos do pai por seus filhos, mas valorizavam o seu papel de chefe de família. Transformações se operam na sociedade tradicional, pela associação entre o desenvolvimento do capitalismo, a industrialização e a urbanização. Os homens se afastam de casa, se especializando no papel de provedores e separam a vida familiar do mundo do trabalho. Observa-se que o modelo do pai-provedor, exercendo sua principal função no espaço público, distante dos filhos, “representante da autoridade e da lei, mais temido do que respeitado e objeto de identificação idealizado (porque longínquo e impalpável), foi sendo constituído ao longo da história e consolidou-se como patrimônio da família nuclear burguesa ou patriarcal” (RAMIRES, 1997: 27). Por sua vez, Felzenswalb (2003) observa que:
a sua maior responsabilidade consistia em cuidar das necessidades econômicas de sua família. A cisão entre casa e trabalho, provocada pela divisão capitalista do trabalho, conduz à progressiva ampliação das responsabilidades maternas para com os filhos e a um correspondente obscurecimento da imagem paterna, cada vez mais contida no bom desempenho das atividades do mundo do trabalho.  Essas atividades permitem ao pai “manter a sua família”, ou seja, fornecer os insumos materiais e econômicos que subsidiam o trabalho doméstico da mãe, que compreende desde as tarefas quotidianas de manutenção e gerenciamento de uma casa às atenções e cuidados com os filhos (FELZENSWALB, 2003:12).


Segundo Felzenswalb (2003), a intervenção do  pai   junto  aos   filhos,   passa a ser episódica, reservada às questões da disciplina e aos grandes acontecimentos. Os ideais de masculinidade são redefinidos e a força física e a honra são substituídas pelo sucesso, justificando o afastamento do pai. O amor do pai pelos filhos era demonstrado mediante os esforços realizados para criá-los dentro dos valores morais.
Como vimos, no século XIX, a maior responsabilidade do homem, era o sustento da família. A sociedade esperava isso dele e os filhos só tinham o pai disponível à noite e aos domingos. Para Felzenswalb (2003), no decorrer do século XIX, a imagem do pai que brincava com os filhos passou também a ser associada à felicidade das crianças. Isso confirmava a importância do pai na educação dos filhos, embora a mãe tivesse nessa função, o papel principal (p.13).
Felzenswalb (2003) entende que foi instaurado um novo paradigma da paternidade, sobre a importância do papel do pai, baseado na noção de que a paternidade aperfeiçoa os homens: o valorizado não é o que os pais podem fazer pelos filhos e sim o que a paternidade faz pelo aprimoramento do homem. E ...
Médicos, cientistas e higienistas sociais do final do século XIX consideravam a coincidência entre a consciência da paternidade e a masculinidade madura como uma evidência da harmonia da natureza. Para muitos pensadores da época, o instinto paterno era tão forte como o instinto materno (FELZENSWALB, 2003:12).

Na transição entre o século XIX e até a primeira metade do século XX, no entanto, os pais não podiam fazer muita coisa, pois a educação, havia se tornado uma responsabilidade da mãe. O poder patriarcal encontrava-se nas mãos dos médicos, juristas e outros especialistas. Essa mudança marca um declínio do papel do pai devido aos fatores que Philippe Julien cita abaixo:
em nome do interesse da criança a sociedade civil intervém, entre a criança e o pai. [...] Um saber adquirido e, possuído por todos que intervêm junto à criança, constitui uma opinião feita de dados médicos, psicossociológicos, pedagógicos, implicando uma ética subjacente, reconhecida ou não. Sendo assim, a criança deve ser protegida do pai, daquele a quem se suspeita, na escola, ou dos vizinhos da prática de violências físicas ou em abusar sexualmente de suas filhas. O segundo fator vem do lugar atribuído à mãe pela lei civil: o que há de melhor no mundo que o amor de uma mãe para uma criança? [...] tem, ainda, um saber, que nenhum homem, mesmo o mais sábio do mundo, não poderia, verdadeiramente, substituí-lo ou imaginá-lo (JULIEN,1997:45).

Dessa citação apreende-se que, até a primeira metade do século XX, vários profissionais se predispõem a dar suporte aos pais na criação e educação de seus filhos. Devido à intervenção crescente do Estado e do papel insubstituível atribuído à mãe junto à criança configura-se, a partir dessa constatação, um declínio da paternidade, como também já havia pontuado, Felzenswalb (2003).
Segundo Julien (1997), apenas no século XX surge a imagem do pai-educador, encarnada à família nuclear, urbana e burguesa. Essa imagem desenvolve-se, com o que se denomina “o novo pai”: aquele que conduz a criança, aquele a quem a criança chama de papai.
O pai genitor da criança seria um fundamento suficiente para se manter uma definição irredutível do ser-pai. “No entanto, pretender fundar a paternidade sobre a verdade biológica, é fazer evidenciar ainda sua fragilidade” (JULIEN, 1997:45). Dois tipos de discursos sustentaram o novo direito da mulher sobre a criança. Um é que durante muito tempo, a paternidade era presumida: legalmente, o pai era o marido da mãe. Desde a lei francesa de 1792, isso não é mais assim. A lei não assegura mais para o homem amado pela mãe, a condição de genitor. E o outro é que a procriação – a inseminação artificial - permite à mulher ter um filho sem o encontro sexual com o genitor. Os avanços tecnológicos provocam esse tropeço para a paternidade. A paternidade biológica torna-se irrisória.  
Para THIS (1987), a palavra “Pai”, o representa, o evoca, o chama. Não há pai senão com a palavra, a partir das palavras. Sem palavra, haveria genitores, grandes machos copuladores, mas ninguém poderia dizer-se “pai”, “filho”. A paternidade está, pois ligada ao fato de falar (THIS, 1987:194).  Por isso dizer-se pai, uma questão da cultura e, portanto, haver a necessidade de se legitimar no exercício cotidiano da relação pai e filho. Acreditamos ainda que é no âmago dos sentimentos paternos de cada homem, e na teia de relações que eles estabelecem com o complexo-pai (o pai real ou imaginário) que é possível a construção e reconstrução da subjetividade de pai.
A ambivalência afetiva em relação ao pai é uma das facetas da relação pai e filho. Amor e ódio estão presentes nessa relação e foi a partir dessa ambivalência, que surgiu o desejo de assassinato do pai primevo. Essa situação foi precursora do complexo de Édipo, já que as conseqüências do ato são o superego e a lei de interdição do incesto. Vamos caminhar para um melhor entendimento ao seguirmos com a leitura.
Freud (1913), a partir do mito Totem e tabu, estabelece a fronteira da relação entre pai e filho. O violento pai primevo fôra, sem dúvida, o temido e invejado modelo de cada um dos componentes da irmandade e, pelo ato de devorá-lo, realizaram a identificação com ele, cada um adquirindo uma parte de sua força. “A refeição totêmica, talvez o mais antigo festival da humanidade, seria uma repetição e uma comemoração desse ato memorável e criminoso que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião” (FREUD, 1913-1996).
Garcia de Araújo (2001) observa que na nova sociedade dos irmãos, que marca o nascimento da civilização, os “atos fortes” cometidos ora pelo pai (incesto), ora pelos filhos (assassinato e canibalismo), se tornam as interdições sociais fundamentais e da cultura (p.20). O autor considera que esse tipo de “revolta contra o pai” que acontece em Totem e tabu, aconteceu na Revolução Francesa e em tantas outras contestações, radicalmente revolucionárias ou não aos regimes fortes (p.27).
This (1987) refere-se ao mito da horda original como um sintoma que não cessa de reaparecer, de geração em geração, na literatura analítica, os filhos repetindo servilmente as palavras dos pais (THIS, 1987:154). E para Bolle de Bal (2001) assiste-se então a uma dupla identificação psíquica inconsciente: o pai forte e benevolente, objeto de amor, torna-se parte constituinte do Ideal do Ego, enquanto o pai odiado e atacado fica interiorizado no superego.
Ao criar o mito Totem e tabu, Freud fala do Pai originário e Veschi (1996) entende esse mito como o pilar mestre da formulação freudiana - o assassinato do pai originário - pela fatria na instauração da Lei, do socius. O Pai originário situa-se antes de todo e qualquer pai. É o pai do qual dependem todos os outros e sustenta todos os outros. Foi e é necessário para todos os outros existirem, sem ter, ele mesmo, existido ou existir. Trata-se do “pai zero”. Um mito criado por Freud e que, enquanto mito, busca tocar uma realidade nunca acontecida, mas que se faz acontecer. Isto nos permite entender que mesmo se o pai tiver morrido, continuará vivo dentro de nós, interditando e frustrando.
O pai originário é encontrado no imaginário de cada um, na medida em que, para alguma coisa existir em nós, é preciso sua expressão estar articulada a um elemento simbólico. Por isso a representação do Pai originário alinhava aquilo que o pai é, ao começar a existir para o sujeito, devendo, ao longo da instauração de sua função, vir a transformar, para viabilizar-se como sujeito.
Segundo Veschi (1996), cada pai, singularmente, precisa dar corpo e sentido tanto ao Pai originário (Urvater) – sustentando sua presença problemática no espaço de vida originário dos filhos – quanto às condições de sua morte – tornar-se desnecessário – para possibilitar o acesso à ordem da fatria e da lei. Isso só se torna possível naqueles homens onde tal acontecimento se deu, ou seja, onde a morte desta figura poderosa e ilimitada do Pai originário se consumou. Isto deve ocorrer com cada sujeito para que ocupe a função paterna. A ontogênese repete a filogênese. E, insiste:
Para esta travessia viabilizar-se é essencial ao pai estar no seu lugar, para sustentar a afirmação do confronto dos filhos. Se fôssemos pensar uma “ética do pai” teríamos de situá-la neste ponto de encontro, entre a sua possibilidade de vir a ser desnecessário e a sua afirmação – seu “estar aí” – para fazer espaço de afirmação pelo confronto (real, imaginário e simbólico) dos filhos. Os filhos são onde o Urvater acaba (VESCHI,1996:6).

O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo. O que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos filhos: anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que agora tinham sido libertadas.
Foi criado, então, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa razão, corresponderam aos dois desejos recalcados do complexo de Édipo. Quem quer que infrigisse esses tabus tornava-se culpado dos únicos dois crimes pelos quais a sociedade primitiva se interessava: o incesto e o parricídio (FREUD,1913-1996).

Para Crespo (2003), no final de Totem e tabu e depois em o Monoteísmo, Freud postula que a história da humanidade estaria imersa numa espécie de ciranda infernal, alimentada por uma inextinguível compulsão à repetição (CRESPO, 2003:37).  Pois segundo esta autora mata-se o “grande homem” que encarna aquele ideal, e tudo recomeça. O pai morto se torna mais forte que o fora em vida (CRESPO, 2003:37).
Para Julien (1997), assim como para This é através da linguagem que surge o pai simbólico -o pai morto-, o pai primevo, da dívida simbólica, impagável.
A necessidade de pai irá transformar-se, pela correlação entre Deus e pai, numa necessidade da religião. É como se a religião pudesse restaurar o sentimento oceânico que, para Freud, estaria relacionado à restauração do narcisismo ilimitado. Tal tentativa de restauração tem suas bases na antiga crença da proteção do pai. A criança confia na proteção do pai, mas também o teme; ambivalência que é a mesma do homem frente a Deus  (JULIEN, 1997:22).

Ao nível simbólico é o pai quem deve romper o vínculo simbiótico e necessário inicial mãe-filho. A mãe, pelo discurso, vai inconscientemente autorizar (ou não), este pai como um terceiro na relação, que será, a partir daí, o representante da Lei contra o incesto. A criança, então, ingressará na cultura e na linguagem. “Sob a ótica do filho, é um pai opositor, um outro desconhecido que incomoda, inquieta e ameaça o vínculo com esta mãe.  Na dimensão psicológica, desenha-se aí o primeiro duelo pela hegemonia do poder” (NOLASCO,1993:83). “O pai está ali para permitir a passagem e o acesso ao mundo simbólico: pôr junto, trinificar. Não é um ou outro, é ao mesmo tempo um e outro. Só a dimensão simbólica permite à criança não pertencer exclusivamente a um ou a outro” (THIS, 1987:176).
A função paterna (que pode ser exercida por outra pessoa, que não o pai biológico), salva a criança e a mãe de patologias mais sérias. “A frustração da pulsão do desejo é referida pela criança ao terceiro objeto que lhe é designado normalmente como obstáculo para sua satisfação: a saber, ao progenitor do mesmo sexo” (LACAN, 1990:42). O complexo de castração, decorrente do Complexo de Édipo, é estabelecido pelo pai que proíbe, frustra, para o bem da criança que aprenderá a ouvir o não e conhecerá limites. A partir de então, ela fará identificações que a levarão a viver sua própria vida, a identificar-se sexualmente e a buscar seus ideais. “Gravita uma oposição entre o filho homem e seu pai, um duelo psíquico que tem expressão nas características violentas e guerreiras que os homens assumiram tão bem” (NOLASCO, 1993:83).
Segundo Aberastury (1991), é pressuposto da teoria psicanalítica o papel estruturante do pai, a partir da instauração do complexo de Édipo. Na trama familiar, o sujeito se constrói e sai do estado de natureza para ingressar na cultura. A experiência clínica da autora mostrou que, na vida adulta, as representações dessa vivência insurgem nas várias possibilidades de construção psico-afetiva, com repercussão nas relações sociais. “Ao combaterem e brigarem entre si, os homens ficaram completamente cegos a duelar com este pai, que em algum momento foi melhor do que ele e o derrotou na empreitada amorosa com a mãe” (NOLASCO, 1993:83).
Quando Freud (1913) anuncia “o que uma imaginação infantil espera de um pai é proteção, cuidado e indulgência” entendemos como implícito que a atuação e o desempenho do pai no complexo de Édipo é a de proteger o filho da destruição do gozo devastador. Podemos dizer então que a interdição é um parâmetro de sucesso da função paterna?
Segundo Pellegrino (1986), o superego é o herdeiro do complexo de Édipo, porque o menino, para evitar a injúria narcísica que seria a perda do pênis-falo, desiste de sua paixão incestuosa, capitula diante da Lei do Pai, que interdita o incesto e identifica-se com tal interdição. A resolução do complexo de Édipo implica na identificação com o objeto da interdição (p.313). “Ao descrever o complexo de Édipo, Freud nos mostrou que toda estruturação simbólica se realiza “normalmente” pela via de um conflito imaginário (rivalidade, desejo de morte)” (THIS, 1987:209).
O pai representa a possibilidade do equilíbrio regulador da capacidade da criança investir no mundo real. Seu contorno se dá no processo de desenvolvimento, de acordo com a etapa da infância. Freud (1914) explica que para a criança, num primeiro momento, o próprio Deus é apenas uma exaltação da imagem do pai.  Cedo, porém, o pai é identificado como o perturbador máximo da vida instintiva dela: torna-se um modelo a ser imitado, mas também a ser eliminado, para tomar o seu lugar. “É nessa existência concomitante de sentimentos contrários que reside o caráter essencial daquilo que chamamos de ambivalência emocional.” (FREUD, 1914:249). Por conta ainda dessa ambivalência, acontece, na segunda metade da infância, uma mudança na relação do menino com o pai. Ele faz descobertas que colocam em dúvida o que pensava sobre o pai: descobre que o pai não é o mais forte, o mais rico e poderoso dos homens e o critica, além de se irritar com ele, cobrando do pai esse desapontamento. Desliga-se do pai, se aliando a qualquer coisa que o contrarie.
Julien (1997) compactua com Freud quando reforça que o desamparo primário, diante da alienação primária, referida ao corpo materno, definitivamente perdido, faz com que, através da linguagem possa surgir o pai simbólico. Para o autor a necessidade de pai dá-se por se entender que:
O pai é aquele ao qual se permite amar ou odiar. Em outras palavras, o pai é aquele que pode encarnar tanto um agente savífico, quanto um agente de terror ao qual se teme por ele ser aquele que veicula a lei e a castração. É essa dupla vertente do pai que põe o sujeito num torvelinho de incertezas e angústia. É a tentativa do sujeito de fazer dessa função paterna uma única, ou seja, de tornar esse pai uno, que o homem cria um Deus e assim uma religião (JULIEN, 1997:30).

Porém, o que expusemos sobre ambivalência emocional, não diminuem os anseios do filho por um pai e pela sua necessidade de proteção. “É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer – reação que é, exatamente, a formação da religião” (FREUD, 1913/1996:33).
Para Freud (1913/1996) as idéias religiosas surgiram da mesma necessidade de que se originaram todas as outras realizações da civilização, ou seja, da necessidade de defesa contra a força superior da natureza. A isso foi acrescentado outro motivo: o impulso para retificar as deficiências da civilização. É natural ao homem personificar tudo o que deseja compreender, a fim de controlá-lo pela dominação psíquica, como preparação para a dominação física.
As identificações, por parte da criança, com um sexo ou com outro, passa necessariamente primeiro pelos pais. Para que um menino possa resolver seu conflito edípico de alguma maneira, ele precisa de um homem, na função de pai, que lhe barre o caminho da mãe e o convide a não ficar tão frustrado, e lhe sirva como modelo. Quando esse menino passa a ser um homem e se torna pai, Bernard This (1987) exemplifica esta passagem com a experiência afetiva do homem, cuja inquietação o levou a indagar a respeito dos sonhos e sentimentos que surgem na espera do nascimento do filho.
O nascimento do filho desperta no homem desejos inconscientes e fantasias relacionadas à morte e a situações ligadas à resolução de conflitos parentais. "É por isso que, ainda que desejado pelo homem, feliz em ser pai, o nascimento se anuncia e é vivido num clima emocional que varia segundo o tempo e os indivíduos; cada homem reage à sua maneira (THIS, 1987:96).

Para haver o desenvolvimento do pai, o homem tem que sentir o filho e deve haver ressonância dentro dele. Nesse contexto, o discurso social sustenta a dimensão ser-pai e, para Julien (1997), apenas substitui a resposta à pergunta “o que é ser um pai?” por: o que é para um filho/filha, ter um pai? O que é que faz com que um sujeito diga que tem ou teve um pai? (p.51).
1. O pai como nome – originalmente, para a criança, o pai é instaurado como Nome pela mãe. Para a criança, não para a sociedade. É a mãe quem inscreve um lugar na ordem simbólica-lugar vazio, que, em seguida, algum homem poderá ocupar a sua maneira. Quer dizer, a mãe instaura um lugar em posição para a criança, neste lugar de inscrição, nesta estrutura que Freud denomina de “inconsciente”, e Lacan “O grande Outro”, ou seja, a ordem simbólica, onde pai tem ou não seu lugar. O pai simbólico de Lacan, que falamos acima, é aquele que exerce a função paterna de maneira a permitir à criança o acesso ao simbólico. A criança passa a utilizar-se desse acesso, da maneira que melhor convier a seu desejo. Em outras palavras “o pai simbólico é dado ao filho pela mãe, na medida em que ela o designa como aquele que conta para ela, aquele a quem ama e deseja” (THIS, 1987:200).
E a “presença do Pai” só permite o nascimento simbólico na medida em que “o Pai é o Ato”, o guardião dos limites (THIS, 1987:205). Faz falta uma lei, uma ordem simbólica, a intervenção da ordem da palavra, ou seja, o pai. Não do pai natural e sim daquele a quem se chama pai. Essa ordem está fundada na existência de um Nome-do-Pai. Especifica-se assim a noção de função, já que o pai é equiparado à ordem da palavra. Palavra que não tem que vir de um agente determinado, por exemplo, o pai biológico; pode vir de qualquer um que exerça a função da palavra ordenadora.
            Segundo Lacan é o nome-do-pai na mãe que permite que se origine no filho o que se chama autoridade paterna. Não importa a imago forte ou débil, presente ou ausente, tirânica ou gentil. Para que o pai ocupe um lugar, é necessário que este exista na estrutura.
2. O pai como imagem – se o pai como Nome vem da mãe, o pai como imagem vem da criança. No momento do declínio do Complexo de Édipo e da interiorização do supereu, na idade dos cinco ou seis anos, o menino ou menina apagam o pai real.  Desdobra-o, ao recobri-lo por um pai imaginário. A criança, então, cria uma Imagem paterna de alta estatura, de forte status. É preciso que o pai encarne uma parte dessa autoridade, cuja origem é mais de natureza política e religiosa, do que familiar. Que haja um pai na condição de potência está é a única causa de privação da mãe! Este é o apelo: somente o pai deve privar a mãe (p.56). O pai imaginário para Lacan é o pai como ele é visto pela criança. É imaginário porque a percepção da criança molda a figura de seu pai de acordo com a sua subjetivação.
3. o homem de uma mulher – o real do pai. O pai real é aquele que introduz para a criança uma castração, isto é, um dizer-não: tu não é falo de tua mãe, nem és aquilo que a ela falta. O pai real é o agente da castração, quando instaura para a criança um anteparo. O real é o impossível de demonstrar, através de um saber, a verdade de seu gozo. O pai real é aquele que instaurado para a criança o luto do pai imaginário, lhe permite não procurá-lo em outro lugar: fora da família, no líder social, sendo este o modelo político ou religioso. O pai real para Lacan equivale ao que Freud (1913) construiu no mito Totem e Tabu e diz respeito ao pai terrível, como Cronos que devora seus próprios filhos para seu gozo. Parece que toda criança se depara alguma vez em sua existência com esse pai real, que ela teme, por creditar-lhe o poder de castrá-la.
A questão do ser-pai, segundo Fuks (2006), é importante na medida em que o pai tem uma função social, além da cultural e que não pode e não deve ser coisificada.  O pátrio poder, onde o filho é um objeto para o pai, não se aplica mais. Hoje, a função social dentro do direito de família é clara no que diz respeito ao suporte filial. A função paterna é a de oferecer os recursos necessários à provisão dos filhos, com afeto e maior proximidade entre pai e filho. Seu papel é o de facilitador e condutor do desenvolvimento do filho, de maneira a permitir amenizar os percalços do mal estar da civilização que, passados os 150 anos do nascimento de Freud, abrem em nossa cultura, outras formas de mal-estar: a delinqüência, a toxicomania, a indiferença, o terrorismo e a massificação do singular no seio da cultura.
Após o morticínio generalizado da 2ª.Guerra Mundial, e a paz que pensamos ter alcançado, a partir do seu término, como se apresenta o processo civilizatório nesse momento tão sofisticado no qual vivemos? A barbárie seria “efeito da ‘hiperestimação’ e superproteção da criança pelos pais, - o narcisismo - ameaçado pelas experiências de frustração e pelas críticas do Outro, com nova perda de satisfação; nova nostalgia; instauração de novas táticas para a recuperação de algo da satisfação perdida” (CRESPO, 2003). A sociedade e os dirigentes de diversas nações estão tão perdidos, sem rumo, que nos fazemos uma pergunta recorrente: onde está o pai, onde está a lei, onde está o limite? Sendo o Nome-do-Pai o significante da lei, o agente da castração que funda o desejo e, por conseguinte o sujeito, talvez possamos dizer que o homem contemporâneo está em busca deste significante que o apoiará no momento de um acontecimento.
Para o psicanalista Costa (2006) é a idéia de Freud sobre o mal-estar na cultura que está presente nessa atual época de crises: crise familiar, crise política, crise ética etc. O homem vê-se fragmentado em meio a muitas crises, se entendermos crise significando ruptura, estranhamento, desconforto quanto a saber o que se é, o que se quer e o que se deve ser e querer.
Segundo o psicanalista Outeiral (2006), o sujeito já atormentado por conflitos emocionais e desafios existenciais, representado pelo mito de Édipo, sucumbe à velocidade da cultura contemporânea, à fragmentação, à globalização, ao fast-food. Para ele, esse ser humano cai no não-existir, por conta das patologias da contemporaneidade como o vazio, as adições e o não-ser.  Hoje, existe um número maior de novos Hamlets e novos Narcisos que necessitam exibir-se para defenderem-se do buraco negro do não-ser.
Em seu texto Introdução ao narcisismo (1914/1996), Freud observa que no terreno da libido o homem se mostra incapaz de renunciar aos gozos que já teve. Não quer renunciar ao que via como perfeito em sua infância e como não pode conservar isso, por conta do desenvolvimento de seu juízo, busca conquistar tudo, novamente, sob a forma do Eu ideal. Projeta seu ideal substituindo o narcisismo infantil, onde ele mesmo era seu próprio ideal. Esse esforço de recuperação da satisfação favorece o recalque, que pode vir em forma de frustração ou de sublimação.
Para Crespo (2003), essa falta de satisfação provocaria um excesso permanente de tensão pressionando o sujeito. O esforço para zerar a pressão da pulsão insatisfeita o arrastaria a um além do princípio do prazer e no lugar de conformar-se o sujeito se veria arrastado a transgredi-la (p.30).
Parece que somente Eros pode modificar a relação com a Lei no tocante a fazê-la produtiva para o homem. Afinal, entendemos estar na relação amorosa, do pai com o filho, o prazer de viver dentro da lei, para um novo direcionamento da pulsão, em algo positivo para a sociedade e para os indivíduos. Na verdade, para que o subordinamento ao interdito seja eficaz e para ser inscrito socialmente é necessário que o filho sinta-se amado e respeitado. Por outro lado, uma lei tem que ter potência de interdição e de punição, mas apesar disso, o pai pode exercer a sua autoridade com amor e afeto. Os psicanalistas trabalham em cima da enunciação de que o amor é um dos principais motores da educação, já que preserva a satisfação narcísica. A criança busca no amor dos pais a proteção para os perigos, na hora da tensão por não conseguir satisfazer os seus desejos.
Ou seja, a Lei do pai vem provar que para viver em sociedade, muitos nãos devem ser ditos e aceitos. Várias satisfações devem ser adiadas em nome do princípio da realidade e não do princípio do prazer.  O supereu exige o gozo, mas impõe barreiras contra o desejo. O homem contemporâneo pode dar conta da morte de Deus? A ausência dele gera a falta de Lei. O pai seria uma garantia contra essa instância.
Em decorrência disso surge o vazio sentido pelo homem. Pensamos que o distanciamento entre o pai e os demais membros do núcleo familiar, denuncia-se, na fragilidade do vínculo estabelecido entre pai e filho. Penetrar este silêncio e entender a questão do pai, tendo como eixo a identidade masculina, culturalmente determinada, colocam em perspectiva experiências contemporâneas da paternidade e a busca pela compreensão de suas subjetividades.
Padrões machistas de comportamento não se sustentam mais. Nesse acelerado processo de mudanças socioculturais, destacamos o advento da pílula anticoncepcional, que na década de 1960 influenciou toda uma geração de mulheres; a dissociação do prazer sexual da maternidade conferiu um novo fôlego ao movimento feminista e permitiu às mulheres maior autonomia quanto à sua sexualidade, ampliando o poder de decisão sobre quando ser mãe. E, como já dissemos acima, a chegada do teste DNA para confirmação ou não da paternidade.
No entanto, as transformações no campo da paternidade não se processam de maneira simples. Permanecem valores tradicionais da autoridade e da distância paternas, porém, surge aos poucos, uma nova possibilidade de paternidade que forma vínculo, oferecendo segurança afetiva para os filhos. Nessa perspectiva, pais alimentam bebês, trocam suas fraldas, os colocam para dormir, entre as diferentes atividades que começam a exercer dentro de casa. Em sua dissertação A participação do pai no nascimento da criança: as famílias e os desafios institucionais em uma maternidade pública, Carvalho (2001) aponta que apesar de incipiente e com dificuldades, novas experiências de construção de amor estão se realizando entre os homens. Eles estão buscando exercer uma paternidade mais dedicada e com amor do que aquela que seus pais experimentaram (p.43).
Em nosso entendimento, com o ingresso do homem no mundo privado, no cotidiano dos filhos, lucram os pais e os filhos que têm na pessoa desse novo pai, a autoridade, o nome do pai, o amor e o afeto, a presença importante que dá sustentação e suporte e ainda serve de modelo e referência para a formação de suas identidades e subjetividades.
Um dos fatores da importância do papel do pai é que ele é imprescindível para a educação de seus filhos, porquanto ocupa a função paterna e é o detentor da moral e dos bons costumes. Sendo quem legisla e dá limites, diante da complexidade do mundo atual, e para que o século XXI não seja berço para uma multidão de bárbaros, o novo pai deve ter como referência que dar tudo para os filhos é sinal de negligência e não de amor. A equação: dar tudo para os filhos, sem limite, é igual a muito amor é errônea e extremamente prejudicial à formação dos indivíduos. O resultado dessa equação, provavelmente, será o sentimento de um imenso vazio, e o desejo de a qualquer preço preenchê-lo, seja ao custo de um consumismo desenfreado, da violência física ou verbal, ou ainda do uso indiscriminado de drogas. O amor é fundamental na relação pai e filho e é um antídoto para a barbárie. O papel de pai – e também de educador -, é ensinar através da equação: amar é igual a estabelecer limites. Do contrário, há de se perceber, a negligência, a falta de respeito com o outro e consigo mesmo, e uma alienação social com riscos à civilização.
Sem o amparo da família a sobrevivência do ser humano fica comprometida. Pensamos que o ideal para o filho é que pai e mãe estejam juntos e vivam ética e saudavelmente, para que ele se sinta “completo, realizado, acabado, e perfeito” (BADINTER, 1986:23).
Hurstel (1999) considera que no âmago dos entrelaçamentos culturais que estão se desfazendo e se renovando, o desafio fundamental para a humanidade é a necessidade absoluta de que seja assegurada, para cada filho, a função simbólica do pai  (p.22).
Portanto, pensamos que seja em que situação for e em que pese a família contemporânea se estruturar com base em arranjos diversos, os efeitos da exclusão do pai se fazem sentir no indivíduo, na família e na sociedade. Diante de qualquer tipo de enfraquecimento do homem, no exercício da função paterna, ou seja, no abrir mão de encarná-la, de servir de seu embaixador devemos nos preocupar com as gerações futuras. Sem a ordenação da Lei do pai para se constituir homens, como esses viverão em comunidade? “Que a sociedade restaure a importância do pai, que os homens se conscientizem da sua função, e as mães estejam dispostas a abrir mão do excessivo poder que lhes foi conferido, incluindo o pai na vida dos filhos” (FELZENSZWALB, 2003:190). É o que desejamos.
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