sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Artes da sobrevivência e educação do carácter: o exemplo de S.
Tomé e Príncipe
Ramiro Marques
Um olhar apressado e etnocêntrico do Ocidental facilmente
encontrará uma série de alvos a abater na sociedade comunitária de
S. Tomé e Príncipe. O primeiro é, estou certo, a desigualdade de
género. É dela que me ocuparei neste texto. Com efeito, quem circula
pelas estradas do país observa, amiúde, as mulheres com alguidares
cheios de roupa, à cabeça, para lavar na ribeira. Observa, também,
que, regra geral, são as meninas que acompanham as mães nas
tarefas de recolha de água potável ou de lavagem da roupa e da
louça. Os meninos ocupam, preferencialmente, o seu tempo livre a
ajudar os pais nas artes da pesca, a apanharem frutos ou a fazerem
reparações em casa. Não há dúvida que, em S. Tomé e Príncipe,
continua a existir uma clara divisão das tarefas entre homens e
mulheres, rapazes e raparigas, e que essa divisão pode escandalizar
o Ocidental mais etnocêntrico. É claro que tem de ser feito um
esforço no sentido de reduzir estas diferenças e que tudo aquilo que
conduza a uma maior igualdade entre homens e mulheres é bemvindo. Contudo, convém perceber que, ao contrário do que acontece
nas sociedades materialmente desenvolvidas do Ocidente, as crianças
e  os  jovens  de  S.  Tomé  e  Príncipe não estão afastados do processo
produtivo e criativo e não se encontram separados do mundo dos
adultos. É por isso que respeitam os mais velhos, que aprendem,
desde cedo, a ser responsáveis e que não dão mostras de serem
caprichosas, arrogantes, desmotivadas, impacientes e irascíveis. Esse
facto e sobretudo a aquisição das artes da sobrevivência por parte
dos rapazes e das raparigas, bem como o envolvimento na
experiência directa a que estão sujeitos desde cedo, constituem factores absolutamente essenciais no processo de educação do
carácter e de aquisição das virtudes das crianças de S. Tomé e
Príncipe. Convém que, como resposta às críticas do Ocidental
etnocêntrico, o povo de S. Tomé e Príncipe não dê cabo das práticas
comunitárias que constituem a sua superioridade no processo de
educação do carácter das novas gerações. A esse respeito, S. Tomé e
Príncipe, não só não tem nada  a aprender com as sociedades
materialmente desenvolvidas do Ocidente, como, ao invés, tem muito
que ensinar. Assim, saibamos, nós, Ocidentais, libertar-nos da nossa
arrogância cultural e ter a humildade de aprender.

fonte:http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htm.

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