sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Cap. 3 A EDUCAÇÃO EM ESPARTA E EM ATENAS
Ramiro Marques
  Esparta e Atenas foram duas cidades gregas que
apresentaram soluções distintas  para a educação da juventude.
Ambas ancoradas no conceito de  cidade-estado, enquanto Esparta
manteve a preferência por um regime militarista despótico, Atenas
evoluía para uma democracia. As concepções educacionais
divergentes, de uma e de outra, serviram esses regimes políticos.
O processo educativo, em Esparta, servia o estado de guerra
permanente em que a cidade-estado vivia. A imposição de uma
disciplina de ferro, a preparação para a guerra, o ideal militarista e a
subordinação do indivíduo ao estado eram preparados, bem cedo,
com a frequência de uma escola autoritária inteiramente controlada
pelo Estado. A criança era propriedade do Estado, o casamento
obrigatório, mas a vida familiar era quase inexistente. Poucos dias
após o nascimento, a criança era examinada por uma conselho de
anciãos que decidiam se ela devia viver ou morrer. As crianças
doentes ou demasiado fracas eram, quase sempre, expostas até
morrerem. As outras eram entregues às mães até aos sete anos de
idade, após o que eram entregues aos cuidados de uma escola oficial
que deveria prepará-los para se tornarem bons soldados. Para os
rapazes, a escola era obrigatória  e obedecia a um currículo militar
que se destinava a formar pessoas destemidas e capazes de
dedicarem as suas vidas em defesa da cidade. "Ao ingressar na
escola, o menino recebe uma cama de palha, sem cobertor, e uma
camisola curta. Deve andar descalço. Para acostumar-se a passar
fome em tempo de guerra, só recebe um mínimo de comida. O resto,
ele deve conseguir como pode. Deve, pois, aprender a roubar. É meio
de desenvolver a astúcia. Só que, se for apanhado em flagrante, será
severamente castigado por falta de habilidade. O castigo para
qualquer falta contra a disciplina será a flagelação com o chicote" (1).
Uma vez por ano realizava-se o combate mortal que servia para
desenvolver nos jovens o gosto pela morte violenta. Podia-se matar
qualquer escravo que se encontrasse no caminho. O currículo escolar
era constituído sobretudo por exercícios físicos: salto, natação,
arremesso do disco, caça e luta livre. Nos anos mais adiantados,
havia exercícios militares.
A educação em Atenas era muito diferente da educação
espartana. Em comum, o costume de expor até à morte os recémnascidos doentes ou deficientes, mas a responsabilidade pela decisão
era dos pais e não do conselho de anciãos. Até aos sete anos de
idade, a criança era entregue aos cuidados de uma ama. A partir dos
sete anos de idade, era entregue a um pedagogo que, em casa, lhe
proporcionava educação moral. A partir do século VI, o pedagogo
começou a levar a criança à escola, onde aprendia ginástica, música,
gramática e oratória.  As escolas elementares funcionavam em pátios, ao ar livre ou nos jardins de casas particulares. A música era
muito apreciada e destinava-se  a desenvolver, nos alunos,  noção de
harmonia e equilíbrio, tão queridas pela cultura grega, e a saber
apreciar a participação em festivais, concursos e declamações
públicas. Através do ritmo e da harmonia, o menino aprendia a ser
moderado, temperado, continente, harmonioso e equilibrado. A
música tinha uma importante função na educação do carácter das
novas gerações.
Era dada uma grande importância à aprendizagem da escrita. O
aluno começava por copiar as letras individuais, para depois as
combinar em sílabas e, por fim, decorava palavras inteiras. A escrita
era feita em tábuas de barro cozido e o aluno utilizava um estilete
para gravar as letras na camada  de cera que cobria as tábuas. A
partir do século IV, também se começou a utilizar as folhas de papiro,
sem dúvida por influência egípcia. O cálculo também não era
descurado, sendo utilizados os dedos e pequenas pedras redondas
para contar e fazer contas. A leitura tinha uma importância
fundamental, uma vez que a religião grega tinha sido fixada pelos
poetas no período arcaico. A leitura era baseada nas obras de
Homero, Hesíodo, Esopo, Tucídides, Focilíades e Sólon. O desenho e a
geometria, embora não tivessem a importância da música, da leitura
ou da gramática, também não foram descurados.
Os professores eram, muitas vezes, escravos cultos e
estrangeiros residentes em Atenas, porque a profissão era pouco
considerada em Atenas. Tome-se  em conta que, em Atenas, o
trabalho remunerado era indigno  de uma pessoa livre que, regra
geral, vivia das suas propriedades e do trabalho dos seus escravos e
servos. O professor estava ao mesmo nível social do artesão que se
servia das suas capacidades manuais para ganhar a vida, prestando
um serviço ou vendendo um bem. A ginástica era uma das disciplinas
mais apreciadas e consistia na corrida, salto, dança, natação, luta
livre e arremesso do dardo e do disco.
A partir de Péricles (461-429) começam a dar-se grandes
transformações na educação ateniense. A antiga formação estéticomilitar perde importância e ganha  relevo a formação literária e a
retórica. O objectivo principal da educação passa a ser formar
cidadãos capazes de ocuparem altos postos na administração e na
política da cidade, embora continue a dar-se relevo à aprendizagem
da gestão dos negócios pessoais. Tendo em conta o regime
democrático de Atenas, a retórica passa a constituir uma disciplina
fundamental na formação dos políticos que precisavam de ser
eloquentes para persuadirem as assembleias a votarem as suas
propostas. O treino militar reduz-se a um ano e os jovens dos catorze
aos dezoito anos passam a ter uma sólida formação literária, baseada
nas disciplinas de gramática, retórica, literatura e filosofia. Estava,
assim, aberto o caminho para a enorme influência dos sofistas no
ensino superior de Atenas.  Estes surgem como resposta ao novo
ideal político, com a correspondente necessidade de formar cidadãos capazes de exercerem as mais altas magistraturas e tratarem dos
seus negócios pessoais. "Com o aumento do poderio comercial e do
espírito cosmopolita e a subida da nova classe mercantil, aumenta
também o espírito de inquérito e de crítica, bem como o anseio de
repensar toda a tradição herdada do passado. Tudo é objecto de
questionamento: costumes, valores, instituições e modos de pensar.
Afirma-se mesmo que todos eles são irrelevantes, ou ao menos
inoperantes. Pede-se novo processo educativo que se amolde às
novas necessidades de uma sociedade prestes a surgir, de uma
sociedade em que o êxito pertencerá àquele que souber conseguir o
acerto na vida pública. Exige-se um ensino relevante que leve o aluno
ao poder pessoal. A nova forma  de educação deve garantir a
vantagem política e o êxito nos assuntos públicos" (2). Os sofistas,
vindos  de  toda  a  Grécia  e  da  Ásia  Menor,  são  os  melhores  garantes
de uma educação utilitária desse tipo. Cultos, hábeis e excelentes
oradores, abrem escolas nas principais cidades gregas, oferecendo os
seus serviços em troca de dinheiro, e assegurando êxito na condução
dos negócios privados e na vida  pública. O objectivo da educação
passa a ser desenvolver nos jovens a capacidade de persuasão, a
eloquência e a oratória. A única verdade que interessa é a que
conduz ao êxito e, por isso, o currículo escolar passa a centrar-se nas
disciplinas utilitárias: retórica, gramática, etimologia e sintaxe. A
verdade desinteressada, a bondade  e a justiça deixam de ocupar o
lugar central no currículo. Não há  normas ou verdades absolutas,
mas apenas verdades particulares, válidas para determinadas
circunstâncias e lugares. O currículo passa a ser eminentemente
prático. Daí a importância concedida à retórica, onde a ênfase recai
na argumentação probabilística,  na metáfora, na alegoria, na
ornamentação e na estilística. O ideal educativo de Sócrates e de
Platão começa a ser abandonado. A condenação à morte de Sócrates,
sob a acusação infundada de impiedade e de corrupção do espírito da
juventude, é o prenúncio da vitória da nova concepção educacional
tão querida dos sofistas. O facto de entre os acusadores públicos de
Sócrates estar um famoso retórico e orador é sintomático desta nova
orientação pedagógica.
Notas
1) Giles, Th. (1987). História da Educação. São Paulo: EPU, p. 13
2) Idem, p. 15

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