quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Como educar o olhar?


Como educar o olhar? Como torná-lo capaz de perceber significados e construir relações? Como desenvolver a capacidade de ver estética e eticamente as imagens que nos circundam? Cultivando a arte de ver.
Pensemos, primeiramente, em desenvolver nossa “visão divergente” que, em Pedagogia, conforme nos informa Yunes e Agostini[1], “representa uma visão múltipla das coisas, uma visão não bitolada ou enquadrada”. Uma visão que nos capacita a usufruir esteticamente as imagens e a usar a criatividade nas diferentes situações da vida.
Segundo os autores citados acima, a escola não estimula nem desenvolve nas crianças a visão divergente.
Pelo contrário, leva-as para a ‘visão convergente’, a visão domesticada, centrada, unilateral e massificada, típica do adulto ‘normal’, ‘bem-adaptado’, conformista, conservador, sem brilho, sem cor e sem caráter. (Yunes Agostine, 1998)
Embora não pretendamos, agora, discutir a relação olhar crítico X escola, fica registrada a observação acima para posterior retomada neste trabalho.
Pensemos agora sobre o nosso “olhar divergente”. Até que ponto nós o temos cultivado? Até que ponto temos permitido que nossos olhos se abram para “infinitas veredas”?
Ainda segundo Yunes e Agostini,
O ser humano é múltiplo, dispõe de várias maneiras de perceber o real ou a vida. Os aspectos afetivos não estão dissociados do intelecto e da inteligência (...)”. Uma das formas de educar o olhar, portanto, é permitir que nossas emoções participem da nossa visão cotidiana das coisas, ou seja, exercitando cada vez mais a nossa “visão divergente.
E, para tanto, podemos nos valer das artes: literatura, pintura, escultura, música, fotografia, dança, dramatização e todas as outras artes que com elas se entrelaçam.
Segundo Costa[2], a arte penetra em nós através da porta da sensibilidade, mantendo aberto esse canal com nossa natureza mais instintiva e – por que não? – animal. A cada emoção ou prazer que resulta do contato com o belo, nossos sentidos se renovam e se apuram num processo infindável de aprofundamento e recriação. A cada momento de arte, nos tornamos mais aptos à captação da beleza do mundo e de seus significados.
A arte se opõe ao mergulho no individualismo egoísta. Trabalha o incrível paradoxo de, tendo suas raízes na subjetividade e na interioridade, só se realizar em comunicação com o outro e com o mundo. Exige eco e comunicação, exige diálogo e controvérsia. Assim, mantém livres nossos canais de comunicação com o outro, ao mesmo tempo em que aprimora a consciência que temos de nós mesmos. É fonte inesgotável de interpretação e sentido. Por mais que nos detenhamos em sua observação, decifração e entendimento, mais nos confrontaremos com novas aparências e significações.
E mesmo mantendo laços estreitos com seu tempo e seu espaço, a arte atravessa a história e se apresenta virgem a novas interpretações.(Costa, 1999)
Segundo De Masi[3] (2000), um dos momentos que assinalaram a passagem da nossa condição de animal a homem foi aquele em que, no nosso processo evolutivo, pudemos conceituar o belo. Desde os primeiros desenhos nas cavernas, o homem utilizou a capacidade estética para registrar as suas impressões do mundo, diferenciando-se dos outros animais, conquistando a sua condição humana e a felicidade. Isto porque, segundo o autor, “entre todas as formas de expressão humana, a estética é aquela que, mais do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade”. (De Masi, 2000)
Associando as idéias de Costa (1999) e de De Masi (2000), entendemos que a arte nos humaniza e, ao mesmo tempo, nos proporciona uma sensibilidade tão intensa que pode despertar nossas emoções mais selvagens, criando um feedback para múltiplas renovações do homem. Educando o nosso olhar através da arte, estaremos sempre ratificando a nossa condição humana.
Nosso olhar, entretanto, não é apenas estimulado por imagens que produzem prazer estético ou só prazer estético. Conforme já foi observado neste texto, vivemos um tempo de saturação de imagens.

Somos, a todo momento, levados a enfrentar novos desafios, que nos exigem uma visão mais crítica e abrangente dos recursos que nos cercam, imprimindo uma nova ordem ao tempo e ao espaço em que vivemos. (Caboclo[4], 1995).
São muitas as mídias que veiculam imagens e mensagens. Precisamos aprender a olhá-las em suas especificidades, interpretá-las criticamente e usufruir dos seus benefícios.
Segundo Kellner[5], precisamos desenvolver um alfabetismo crítico em relação à mídia e construir competências para a leitura crítica de imagens. Para ele,
Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas.  (Kellner, 1995)  
Analisando as imagens e mensagens veiculadas pela publicidade, Kellner considera que esta exerce uma ação pedagógica sobre as pessoas, ensinando-lhes o que precisam e devem desejar, pensar e fazer para alcançar o prazer e a felicidade. Para ele, a publicidade veicula e inculca nos indivíduos uma visão de mundo, uma ideologia de vida, valores e comportamentos que aparentemente trazem satisfação imediata.
Para neutralizar a influência ideológica da publicidade e escapar dos apelos do consumo precisamos, segundo o autor, desenvolver “competências emancipatórias”. Precisamos, ainda, “compreender como os textos culturais funcionam, como eles influenciam e moldam” nossos comportamentos.
É importante frisar que não consideramos os indivíduos totalmente desarmados para o “ataque” da mídia. Sabemos que é grande o poder de influência das imagens e mensagens veiculadas pela publicidade e pelos diferentes veículos de comunicação, mas também acreditamos, como Certeau[6] (1995), que é difícil estabelecer o grau de influência que elas exercem sobre os indivíduos, uma vez que não sabemos ao certo as maneiras de uso adotadas pelos consumidores em relação aos produtos culturais oferecidos. Estes conhecimentos, contudo, não nos isentam de incentivar a reflexão e a conscientização acerca da influência da mídia e das estratégias que podemos articular para neutralizar essa influência.
Também é importante observar que vivemos em uma sociedade do espetáculo, e que nessa sociedade todos os assuntos são apresentados como se fizessem parte de um show. Já não é fácil discernir o real do ficcional. Amor, morte, guerra, futebol, tragédia, comédia, tudo faz parte de um espetáculo cotidiano que não tem trégua. E nesse espetáculo, muitas vezes perdemos a capacidade de discernir criticamente os fatos. As coisas, segundo Chiavenato[7] (1998), “passam a ser o que aparentam. E aparentam ser pela imagem que transmitem”.
Muitas são as imagens e elas nos transmitem a ideologia da mercadoria: tudo é consumível e deve ser consumido. Segundo Lefebvre[8] (1991), essa ideologia “substitui o que foi filosofia, moral, religião, estética”. Nada mais importa a não ser realizar os desejos despertados pelas mensagens de consumo. Consumo de objetos, de drogas, de sexo, de ilusões e de vidas.
Como olhar para essas mercadorias, como assistir ao grande espetáculo da sociedade (e participar dele!) e como usufruir dos bens culturais sem perder a capacidade de fazer leituras críticas sobre os fatos e, a partir delas, realizar intervenções éticas?
Acreditamos que um caminho é não acreditar sempre no que nos mostra o nosso olhar, seja sob que ângulo estejamos “olhando” os fatos. É preciso sempre criar outros ângulos, refletir sobre as imagens que observamos a partir desses novos ângulos e entender que nada pode ser olhado maniqueisticamente: o bem e o mal (e o que é bem para uns nem sempre o é para todos) estão em todas as coisas e precisamos saber usufruir de cada coisa aquilo que ela apresenta de construtivo. Nesse sentido, o que primeiro precisamos fazer é  procurar conhecer tudo o que nos cerca, desvendar seus mistérios, penetrar em suas fortalezas, derrubar seus muros.
Começamos, neste trabalho, recordando o mecanismo do olhar. Verificamos como esse mecanismo é aproveitado e explorado pela propaganda e pela mídia. Refletimos sobre a importância das Artes e da consciência crítica em nossas vidas. Compreendemos que são múltiplos os meios de veicular  imagens e que, por isso, múltiplas devem ser nossas estratégias de interpretação.
Não podemos esquecer, também, da importância que se deve dar à observação dos diferentes modos de veicular ideologias, valores, estética e ética utilizados pelo cinema, pelo teatro, pelo rádio, pela televisão, pela internet, pelos jornais, pelas revistas, pelas músicas, pelas crônicas, pelos romances, pelos poemas, pelas charges, pelos quadrinhos, pelos comerciais, pelas comidas, pelos livros didáticos, pelos mapas e atlas, pelas disciplinas escolares, e ainda pelos pregadores religiosos, pelos artistas, pelos educadores, pelos políticos. Somente olhando-os de forma crítica é que poderemos identificar o lugar onde eles se colocam para veicular suas mensagens e que relação esses lugares e essas mensagens estabelecem com os nossos conceitos de gênero, raça, cidadania.
 Por fim, precisamos descobrir as formas de desconstrução das estratégias usadas por esses veículos e indivíduos, para que possamos, quando necessário, enfraquecer seus discursos e fortalecer discursos mais compatíveis com um pensamento planetário de solidariedade e de valorização humana.



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