segunda-feira, 12 de dezembro de 2011


Ações de Potencialização no PETI: uma experiência de extensão universitária com crianças e adolescentes.
Apresentação Oral em GT
Autor(es): Sharlinny Karina Silva de Lima, Nara Fernandes Lúcio, Giselle Christine Lins Lopes, Maria de Fatima Pereira Alberto
Ações de Potencialização no PETI: uma experiência universitária com crianças e adolescentes
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo fazer um relato e análise das atividades desenvolvidas pelo projeto de extensão universitária “Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI): Ações de Potencialização das Crianças e Adolescentes Atendidas nas Ações Sócio-educativas de Convivência” durante o ano de 2011.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é um programa do Governo Federal criado em 1996, com o objetivo de efetivar o que é definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Constituição Federal em relação à proibição do trabalho infantil. O PETI atende às crianças e aos adolescentes egressos do trabalho e exploração infantil com idade entre 7 e 15 anos e 11 meses, com exceção daqueles nas condições de aprendiz, cuja renda familiar seja de até meio salário mínimo, como também, visa atender às crianças e aos adolescentes que estejam matriculados em escolas e apresentem uma freqüência mínima de 85%, entre outros.
Este programa tem como objetivos: além do combate ao trabalho infantil, melhora dos desempenhos dos participantes na escola através de esportes, educação artística e cultural, orientação, capacitação e geração de renda das famílias envolvidas; a articulação com as instituições escolares e a capacitação constante da equipe técnica. Proporciona ainda, a formação da cidadania e da conscientização dos indivíduos envolvidos nessa atividade e da comunidade acerca dos seus direitos.
A extensão pretende dar continuidade a uma proposta de trabalho que vem sendo desenvolvido na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) desde 2001, pelo núcleo de Pesquisas e Estudos Sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência (NUPEDIA), o Projeto Universidade e Cidadania (UNICIDADANIA) que tinha como objetivo, através da extensão, trabalhar na formação de profissionais para atuar na área do trabalho infantil e no resgate dos direitos humanos, tendo em vista a identificação do despreparo dos profissionais que atuavam nessa área, bem como do conhecimento resultante de pesquisas feitas com crianças e adolescentes trabalhadoras, cuja conclusão foi de que o PETI diminuía, mas não conseguia de fato erradicar o trabalho infantil, conforme dados apresentados pela Organização Internacional do Trabalho (2008), os quais afirmam que o número de crianças e adolescentes trabalhando na faixa de 5 a 17 anos em 2003, era de 5,1milhões; em 2004, 5,3 milhões; em 2005, 5,9 milhões; em 2006, 5,3 milhões e em 2007, 4,8 milhões.
Desse modo, em 2008, 2009 e 2010 retomou-se a extensão, mas desta vez, a sua atuação voltou-se para as crianças e adolescentes. Tendo como principal objetivo a potencialização das mesmas; a desnaturalização do trabalho infantil; contribuir para a formação da cidadania de crianças e adolescentes egressas do trabalho infantil; desenvolver junto aos mesmos uma cultura de protagonismo; tentar desenvolver através do programa de extensão universitária da UFPB (PROBEX) a formação de futuros psicólogos a partir da atuação da Psicologia Social nos moldes da Psicologia Comunitária.
A experiência desenvolvida nesses últimos dois anos permitiu o avanço na compreensão da necessidade do trabalho em Rede. Sendo assim, no projeto de 2011 realiza-se o levantamento do histórico de cada uma das crianças, posteriormente o agrupamento delas por demandas semelhantes, e a partir desse histórico os extensionistas e o coordenador do projeto reúne-se em Rede para refletir e planejar a atuação nos casos visando uma ação conjunta com a escola e a família na busca por garantir os direitos das crianças e adolescentes.
A atuação da extensão ocorre uma vez por semana em dois núcleos, através de oficinas com crianças e adolescentes, estendendo-se para o trabalho com as famílias, a escola e as redes de instituições sócio-assistenciais e de garantia de direitos. Semanalmente realiza-se também uma reunião entre a equipe de extensionistas e o coordenador do projeto para supervisão, planejamento e avaliação das atividades
 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Até o século XVIII , como nos demonstra Ariés (1981) a infância e adolescência não eram até o século definidas enquanto etapas do desenvolvimento, nesse período a criança era vista como um adulto em miniatura e a adolescência antes confundida com a infância foi se delimitando a partir da aprendizagem de ofícios. A infância e a adolescência só fazem parte do desenvolvimento após a modernização da sociedade e do estabelecimento da família burguesa. Nessa época, enquanto a família centra-se sobre os cuidados e a atenção direcionados às crianças, a escola atua na preparação das crianças e adolescentes para a adolescência e para o mercado de trabalho (PILLOTTI, 1995; OZELLA, 2002).
Ao fazer-se um estudo ao longo da história, percebe-se em conjunto com os autores (ARIÉS, 1981; PILLOTTI, 1995; OZELLA, 2002) que o tratamento dado às crianças transitava entre a indiferença em relação à criança até a concepção de um sujeito inocente, carente. Entre nove e dezesseis anos eram recrutados a trabalhar exercendo atividades, nas quais estavam vulneráveis à violência sexual de tripulantes, além da privação de alimentos e trabalhos insalubres e exaustivos (RAMOS, 2004).
Durante a escravidão, o período da infância para as crianças negras não superava os oito anos. Enquanto as meninas exerciam trabalhos domésticos desde os quatro anos de idade, os meninos com oito, pastoreavam, e, aos quatorze trabalhavam como adultos (GÓES E FLORENTINO, 2004).
Com o advento da Lei do Ventre Livre, várias crianças foram abandonadas em instituições, ou eram encaminhadas a servir os marinheiros. Aos sete anos, passaram a ser grumetes nos arsenais ou em navios mercantes, expostos às péssimas condições de vida, como era o caso de crianças e adolescentes encaminhadas pela polícia, além daqueles matriculados espontaneamente pelos pais ou responsáveis, que viam nessa prática um meio daqueles se profissionalizarem, além de ganhar uma quantia pelo alistamento (VENÂNCIO, 2004).
O fim do regime escravocrata gera um aumento da pobreza e conseqüentemente aumento nas imigrações e ocupação dos centros urbanos, dobrando o número de crianças e adolescentes. Desse modo, foram se efetuando as políticas governamentais, e legislação, para a integração das crianças e dos adolescentes na sociedade, através do encaminhamento desses às instituições do governo ou filantrópicas com o objetivo de serem disciplinados por meio do trabalho.
Com o crescente índice de acidentes de trabalho, exploração, falta de legislação para o trabalho infanto-juvenil, várias denúncias de práticas que inferiam a integridade da criança e adolescente, surgem reivindicações a favor de direitos como: a diminuição da jornada de trabalho para oito horas diárias, abolindo o trabalho noturno e ampliando as vagas para outros operários; a igualdade e aumento salarial para homens e mulheres; condições ambientais para o desenvolvimento das atividades; garantias contra acidentes no trabalho e o respeito às leis de proibição do trabalho infantil (PASSETI, 2004).
No contexto brasileiro, o trabalho voltado para os adolescentes das classes populares tinha como objetivo “diminuir a criminalidade e a vagabundagem”, como afirma Pillotti (1995). Esse processo histórico tem continuidade até os dias de hoje com a presença marcante de crianças e adolescentes em várias atividades de trabalho.
Ao longo da história do Brasil diversas leis tentam proibir o trabalho infantil, mas só nos anos 90 com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a partir de 1992 com a criação do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho – IPEC–, criado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) é que a erradicação e a prevenção assumem contornos práticos e dimensões internacionais (GENEBRA, 1996; ALBERTO, 2002, 2003).
Em 1996 o Governo Federal cria o PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil que tem como objetivo retirar as crianças e adolescentes de 7 a 15 anos e 11 meses de idade da situação de trabalho através de sua inserção nas ações sócio-educativas (BRASIL, 2002). Esse programa parte do entendimento de que o trabalho infantil coloca em risco a saúde e o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
As conseqüências do trabalho precoce se estendem aos aspectos da imagem negativa de si, baixa auto-estima, problemas relacionados à má alimentação, adultilização precoce, falta de perspectivas de futuro, problemas de aprendizagem na escola, acarretando em analfabetismo ou histórico de reprovação, entre outros (ALBERTO et al., 2007). Ao mesmo tempo em que se consideram trabalhadores, não entendem como foram levados tão cedo a essa atividade, bem como não compreendem a causa de serem vistos como marginalizados, excluídos e estigmatizados pela sociedade.
As ações sócio-educativas ocorrem através da jornada ampliada, realizada em período complementar a escola, com duração de quatro horas, de segunda a sexta-feira sob a orientação dos monitores, oficineiros, dentre eles, os extensionistas universitários.

O projeto de extensão universitária “Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI): Ações de Potencialização das Crianças e Adolescentes Atendidas nas Ações Sócio-educativas de Convivência” da Universidade Federal da Paraíba busca através das atividades desenvolvidas nos dois núcleos, a potencialização das mesmas; a desnaturalização do trabalho infantil; contribuir para a formação da cidadania de crianças e adolescentes egressas do trabalho infantil; desenvolver junto aos mesmos uma cultura de protagonismo; tentar desenvolver através do programa de extensão universitária da UFPB (PROBEX) a formação de futuros psicólogos a partir da atuação de Psicologia Social nos moldes da Psicologia Comunitária. As atividades do PETI se ampliam entre reuniões com a coordenação do PETI, dos Núcleos e com os monitores.
Como referencial teórico-metodológico, a extensão utiliza em suas atividades a Psicologia Sócio-histórica, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Educação Popular e Psicologia Comunitária. A Psicologia Sócio-histórica entende que o homem é um ser construído a partir dos acontecimentos históricos, a partir das suas relações sociais e culturais (BOCK; GONÇALVES; FURTADO, 2002). Partindo dessa ótica, a noção da infância e adolescência é concebida enquanto produções históricas e sociais, não podendo então ser consideradas nem naturais, nem universais (OZELLA, 2002).
Dessa forma, as crianças e adolescentes devem ser entendidos como cidadãos constituídos de direitos, o que concorre para a utilização de uma forma diferenciada de tratamento pela sociedade que propicie um desenvolvimento adequado e sadio. É desse modo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se configura enquanto dispositivo para essa ação.
Através da Educação Popular, partindo do princípio da construção conjunta de saberes e vivências pelos atores envolvidos, utiliza-se nas oficinas elementos que fazem parte do cotidiano dos educandos, a fim de problematizar a realidade vivenciada por eles e promover a consciência crítica diante da realidade que os cercam, visando o empoderamento dessa realidade na tentativa de fazê-los construtores de sua própria história, na luta por mudanças e efetivação dos seus direitos (FEITOZA, 2008).
A Psicologia Comunitária atua partindo do questionamento e problematização da realidade social, buscando desenvolver uma consciência crítica dos sujeitos, para que ajam efetivamente como detentores de direitos e participantes ativos na construção de sua história (OLIVEIRA; XIMENES; COELHO; SILVA, 2008).
A extensão entende que as crianças e adolescentes assistidos pelo PETI, trazem em si marcas de suas realidades sociais, com histórias atravessadas por questões concernentes ao contexto sócio-econômico da comunidade em que vivem. Assim, as atividades são desenvolvidas na perspectiva dos direitos humanos, da cidadania e da educação popular.
Os extensionistas realizam várias atividades, dentre elas: oficinas de leitura, música, danças, teatro, rodas de conversa, brincadeiras, jogos, visitas domiciliares, visita às escolas das crianças e adolescentes atendidos nas instituições sócio-educativas e de convivência, além de reuniões com a coordenação do PETI, com os núcleos, com os educadores e com as instituições da Rede. As atividades realizadas são construídas conjuntamente entre extensionistas, educandos e educadores, proporcionando o protagonismo, cidadania, como também o conhecimento, resgate e aferição de seus direitos. As atividades abrangem diversos temas como: direitos humanos, direitos da criança e do adolescente, cidadania, trabalho infantil, violência, protagonismo juvenil, educação e escola, cultura e folclore, família, comunidade, diversidade sexual e preconceito.
Através das atividades percebe-se que as crianças e adolescentes, conseguem um efetivo avanço principalmente no que se refere ao protagonismo e à apropriação do espaço do PETI, a partir da constatação da participação ativa nas atividades, de progressos nas atividades escolares, referentes à leitura e à escrita, e ao fortalecimento do vínculo entre os educandos e os extensionistas.
É de grande importância o diálogo entre o PETI e a escola, para que possam trocar informações sobre as dificuldades de escolaridade que essas crianças advindas do trabalho precoce apresentam, na tentativa de em conjunto, buscar alternativas de trabalho visando o bom desenvolvimento das mesmas, pois em alguns casos, essas crianças necessitam de um olhar diferenciado.
Acredita-se na extensão universitária como uma intervenção que concorre para a assunção do papel de responsabilidade social da universidade pública, na medida em que estabelece parcerias com os diversos atores sociais e contribui para a reflexão e produção de conhecimento nas respectivas áreas de atuação, articulando extensão, ensino e pesquisa, preparando profissionais para atuar na área de políticas públicas.
Nesse sentido, as atividades do projeto de extensão estão comprometidas com a construção da cidadania das crianças, adolescentes e famílias, entendendo que para alcançá-la é necessário conhecer e reivindicar pelos direitos assegurados, através de ações sociais, conscientização e do empoderamento de suas vidas.
O papel do psicólogo social de enfoque comunitário entende a Psicologia como saber que “possa orientar sua práxis na direção da construção de relações sociais mais igualitárias” (KAHHALE; ROSA, 2009, p. 20).
METODOLOGIA
As atividades do projeto são realizadas semanalmente nos dois núcleos do PETI em João Pessoa, Paraíba, nos quais são desenvolvidas várias atividades, dentre elas: oficinas de leitura, música, dança, teatro, rodas de conversa, brincadeiras, jogos, os quais são construídas em conjunto com educandos e educadores. Acrescentado a isso, são realizadas visitas domiciliares, visitas às escolas das crianças e adolescentes, além de reuniões com a coordenação do PETI, com os núcleos, com os educadores e com as instituições da Rede, que são compostas por instituições responsáveis pelas garantias dos direitos das crianças e adolescentes ou desempenham políticas públicas de educação, de saúde ou de assistência. São elas Conselhos Tutelares, Programa de Saúde da Família (PSF), Secretaria de Educação do Estado, Coordenação e Equipe Técnica do PETI, Coordenação do Centro de Cidadania, Direção e Professores de Escolas Públicas Municipais e Estaduais nas quais os estudantes encontram-se matriculados e freqüentando.
Inicialmente, faz-se a apresentação e proposta do projeto com a solicitação da autorização dos educandos e educadores, após a autorização, é construído um Acordo de Convivência no qual são estabelecidas as ações que serão executadas durante o tempo em que os extensionistas vão estar presentes nos núcleos, assim como algumas regras a respeito do que se pode ou não fazer durante as atividades para se proporcionar o bom desenvolvimento do projeto e o alcance dos objetivos.
Os próximos encontros realizam-se através de oficinas com os temas acordados, avaliações e reconstrução da proposta, na medida em que se faz a realização de um encontro semanal entre estudantes extensionistas e coordenadora do projeto para o exercício do planejamento e avaliações das atividades empreendidas nos núcleos, tanto das oficinas como das visitas domiciliares e das instituições da Rede, com estudos de textos e orientações.
As oficinas são realizadas a partir de uma dinâmica inicial, a apresentação do tema gerador, a problematização e reflexão do grupo. As temáticas envolvem os direitos humanos, direitos da criança e do adolescente, cidadania, trabalho infantil, violência, protagonismo juvenil, educação e escola, cultura e folclore, família, comunidade, diversidade sexual e preconceito e são trabalhadas de acordo com as demandas apresentadas pelas crianças e adolescentes.
A realização de visitas familiares ou visitas domiciliares, como também às visitas às instituições são empreendidas a partir de demandas surgidas ao longo do trabalho desenvolvido pelos participantes do projeto nos núcleos, nas quais são trabalhados temas pertinentes às crianças e aos adolescentes que dizem respeito à escolaridade, aos direitos das crianças e ao acesso às instituições responsáveis pelas garantias desses direitos, além de temas pertinentes a própria família ou a membros dela tais como violência, violência contra a mulher, saúde, saúde mental, trabalho e renda. Além disso, faz-se junto às famílias uma breve explicação a respeito dos direitos do consumidor e de como garanti-los.
A metodologia do projeto de extensão tem como referencial teórico-metodológicos a Psicologia Sócio-histórica, a Psicologia Social Comunitária, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Educação Popular visando a construção conjunta do trabalho realizado e das experiências trazidas pelos diferentes atores envolvidos, a qual é viabilizada a partir do diálogo entre os diferentes atores, que compete para o pensar a respeito de nossa atuação enquanto psicólogos e cidadãos comprometidos com a transformação de uma determinada realidade social, contribuindo para o estabelecimento de trocas de saberes e parcerias.
Desse modo, entende-se que é em contato com outro ser humano, na comunhão e no partilhamento de seus desejos, saberes com outros que o indivíduo vai se desenvolvendo, assumindo uma compreensão mais ampla da sociedade e das relações estabelecidas em seu contexto. Cabe acrescentar que, de acordo com Eidt e Tuleski (2007, p. 227 e 228):
quanto mais os homens estiverem imersos e submersos em sua subjetividade individualizada, envoltos em seus interesses particulares, menos terão condições de compreender a totalidade de sua realidade objetiva, condição sine qua non para que os homens compreendam que são sujeitos, e não objetos desta sociedade, e superem a consciência alienada e imobilizadora, através de ações intencionais e planejadas individual e coletivamente.

RESULTADOS
No decorrer das atividades desenvolvidas no projeto de extensão, puderam-se apreender avanços em relação ao protagonismo das crianças e adolescentes, atendidas nas instituições sócio-educativas e de convivência, principalmente no que se refere à crescente apropriação do espaço do PETI por esses sujeitos, maior participação nas atividades, progressos referentes à leitura e escrita, e o fortalecimento do vínculo entre educandos e extensionistas.
Na medida em que, o trabalho da extensão visa construir em conjunto com os sujeitos e parceiros de nossa intervenção, estratégias de reflexão e solução de conflitos apontados no dia-a-dia dos sujeitos, buscando a formação de sujeitos críticos e participativos da sociedade, nossa atuação é pautada por uma postura crítica e reflexiva, no cotidiano de nossa atuação enquanto estudantes, futuros psicólogos, comprometidos com a transformação de uma dada realidade social.
Durante as intervenções, busca-se negar a postura do profissional que tem a resposta pronta, o trabalho é norteado na escuta, no diálogo, na reflexão e na problematização das questões trazidas pela população assistida pelo projeto, levando em consideração a categorização desta população como criadora de suas próprias histórias e detentora de direitos.
Um exemplo, dentre outros interessantes, foi a petição pública, o abaixo-assinado construído pelas crianças e adolescentes de um dos Núcleos atendidos pelo projeto em prol de melhorias na estrutura do prédio e na aquisição de elementos que iriam favorecer o desenvolvimento das atividades no Núcleo, o qual surgiu em decorrência de uma atividade que estava sendo desenvolvida pelos extensionistas, através de uma brincadeira chamada de Caça ao Tesouro. Com esta atividade buscava-se retomar o Acordo de Convivência feito anteriormente e firmar novas possibilidades.
Nessa atividade as crianças e adolescentes iriam se lançar na busca de pistas, cada uma dessa continha elementos acerca do que as crianças tinham sugerido no acordo de convivência feito no início do ano. Toda vez que uma dessas pistas fosse encontrada, as crianças teriam que escolher em qual baú ela iria colocar a pista, se no baú “Coisas que eu quero que aconteça” ou no baú “Coisas que eu não quero que aconteça”. Depois de encontradas as pistas, fez-se então uma roda para discutir o acordo. Foi interessante utilizar o dispositivo do baú porque pôde ser discutido com eles o porquê da seleção dos elementos em “Coisas que eu quero que aconteça” e “Coisas que não quero que aconteça”. A fofoca, a briga, por exemplo, estava entre as coisas que eles queriam que acontecesse. Diziam que de vez em quando tem que ter fofoca e briga e que nem todas as vezes que tem briga é de verdade, é coisa séria. Já trazer as tarefas da escola estava entre as coisas que eles queriam que não acontecesse. Indagou-se então se eles faziam as tarefas em casa e alguns disseram que nem sempre fazia, porque não sabiam. Aí Perguntou-se, por que não fazer no Núcleo, já que eles tinham as educadoras, as estudantes do apoio pedagógico e os extensionistas para dar suporte. Entre a discussão, foi revisto que fofoca e briga não aconteceria e que as tarefas deveriam ser feitas no Núcleo.
Durante a intervenção, um deles demonstrou resistência em participar da atividade e relatou que os estudantes estavam perguntando muito, daí, foi reafirmado que o acordo é um espaço onde todos podem discutir o quer e o que não quer que aconteça no Núcleo, não existindo nenhum problema em se conversar. Nesse momento, iniciou-se uma discussão que girou em torno da comparação entre as turmas da manhã e a da tarde, a qual teve a intervenção da coordenadora do Núcleo buscando explicar que não existem diferenças, a qual acarretou a atividade da petição pública.
Tal atividade serviu para motivar a ida do secretário do desenvolvimento social do município ao núcleo para receber o documento, ouvir as crianças e os adolescentes, como também conhecer o núcleo e verificar de perto as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos ali atendidos, esta visita proporcionou a vinda de alguns materiais para o núcleo, como ventiladores, bebedouros, fogão etc. Em menos de uma semana, além de contribuir para a execução de algumas reformas no prédio, entre elas: reparação do telhado e da estrutura elétrica, tal atividade também concorreu para a reflexão acerca das práticas desenvolvidas pela extensão, pela coordenação do PETI, como também da coordenação e educadores do núcleo, que permitiu a modificação de postura dos extensionistas e possibilitou a inserção de alguns elementos novos para as atividades, como a swingueira, tão desejados por eles, principalmente pelos adolescentes.
Além disso, cabe acrescentar ainda que, um número considerável de crianças reprovadas e com dificuldades de leitura e de aprendizagem em outras matérias, questões que enfatizadas pelas educadoras levou o grupo de extensionistas à atuação mais direcionada a essa temática.
A partir da identificação desse quadro, articularam-se junto às educadoras do núcleo, estratégias onde pudesse existir uma intervenção mais firme nessa situação de defasagem escolar. A parceria junto com as educadoras mostrou-se imprescindível, uma vez que o trabalho no núcleo é realizado uma vez por semana, e essa demanda exigia um acompanhamento mais sistemático, nas ações diárias das crianças nas atividades.
O dispositivo pensado conjuntamente foi de dedicar um espaço do tempo das atividades para o acompanhamento das tarefas de casa das crianças (30 minutos antes das atividades), pois aliado às dificuldades apresentadas pelos meninos, a jornada ampliada também era colocada por muitas crianças como uma rotina cansativa, que muitas vezes acabam por impedi-las de não fazerem as tarefas de casa, já que o único horário disponível para tal tarefa é à noite. Aliado a isso, pensou-se na construção de uma parceria com a escola, onde os professores das crianças encaminhariam tarefas dentro das dificuldades mais apresentadas pelas crianças, de modo a subsidiar nossa prática no Núcleo.
A proposta foi discutida entre as educadoras do Núcleo, Coordenação do PETI e Projeto de Extensão e aceita de forma consensual, já que se concebeu que o papel instituído por tais organismos era contribuir para o desenvolvimento das potencialidades escolares, uma vez que o PETI, enquanto uma política governamental traz entre suas prerrogativas preocupações e estratégias no que concerne à escolaridade desses sujeitos, como também, existiu uma concepção forte por parte das instituições envolvidas de que a aquisição da cultura é compreendida como um elemento muito importante para o alcance dos objetivos pretendidos pelas instâncias envolvidas, entendimento e compreensão por parte das crianças, adolescentes e suas famílias acerca dos seus direitos, resgate e aferição destes, protagonismo e cidadania.
Esse momento da realização da tarefa de casa no PETI se mostrou muito valioso, na medida em que tais momentos permitiram a inserção dos extensionistas no papel de educadores, assim como, possibilitou um momento de maior proximidade entre extensionistas e educandos, pois os extensionistas conversavam com as crianças e adolescentes e presenciavam-se momentos de solidariedade, nos quais as crianças ajudavam umas as outras nas tarefas, compartilhavam seus saberes e aprendiam coletivamente.
As dificuldades que foram surgindo dessa prática se situavam no pouco tempo que se tinha para as tarefas, como também ao fato de algumas crianças não levarem as tarefas para o núcleo, porque já tinham sido feitas ou por esquecimento, ou porque preferiram fazer outras atividades. Desse modo, surgiu às intervenções das educadoras de organizarem jogos para as crianças que não traziam as tarefas, o que produziu uma queda na quantidade de crianças que traziam. Em outros casos, o volume de tarefas ultrapassava o tempo estimado, afetando a participação das crianças nas oficinas.
Porém, atualmente o projeto do apoio pedagógico conta com a parceria de duas estudantes de graduação da UFPB, uma do curso de Letras e outra do curso de Pedagogia, financiadas pelo Programa Brasileiro de Extensão (PROEXT), cuja autoria e coordenação também, é da professora doutora Maria de Fátima Pereira Alberto, para auxiliar nas atividades de casa, que tem duração em média de 1 hora, e tem apresentado grandes contribuições na vida dos educandos, pois quem não sabia ler, agora já sabe. O fator de não saber ler deixava muitas crianças na idade do letramento envergonhadas e sem querer participar das atividades, que em sua maioria demandava no mínimo o conhecimento do alfabeto. Dessa forma, a aquisição do letramento possibilitou avanços na participação das atividades e na apropiação do espaço do PETI como contribuinte no resgate dos direitos e autonomia dos sujeitos ali atendidos.
Entretanto, no decorrer das várias atividades realizadas, uma questão presente nas falas das crianças, nos relacionamentos durante o desenvolvimento das oficinas e nas demandas observadas pelas educadoras dos núcleos e das escolas é a violência. Na maioria dos encontros, as brigas acabavam sendo inevitáveis e muitas vezes difíceis de lidar, de conter e de problematizar. O grito, o xingamento e a violência física acabam se apresentando como formas de relacionamento, e estes se constituem como um grande desafio para as ações que continuarão, com o andamento do projeto. Em algumas conversas, principalmente entre os meninos, as torcidas organizadas se fizeram bastantes presentes, colocadas por eles numa perspectiva positiva, entusiasmada, o que também nos fez entender um pouco desse universo e problematizar junto com eles essas questões durante as rodas de conversa.
Pode-se compreender que essa realidade vivenciada pelos educandos reflete de modo veemente o contexto social, escolar e familiar no qual as crianças e adolescentes estão inseridos. São oriundos de famílias tomadas por processos históricos de exclusão social, de abandono das intervenções do Estado, sem condições mínimas de garantia de direitos. Crianças cujas escolas se constituem como espaço de discriminação e disciplinarização, onde suas potencialidades são obstruídas em detrimento da noção do ‘bom comportamento’ e da homogeneização das condutas.
As desavenças fazem parte da condição humana e servem para motivar os sujeitos envolvidos na construção de uma realidade que traga maior satisfação a todos, já que os momentos de desavenças, até de desinteresse por nossas atividades serviu para instigar rodas de conversas e definir acordos importantes que serviram para uma melhor atuação da extensão e melhor andamento das atividades. Ressalta-se que na atuação da extensão não existe métodos prontos para a resolução de conflitos, o caminho se constrói ao caminhar, e os desacordos não podem servir para estagnar o andamento das práticas desenvolvidas.
CONCLUSÃO
A extensão universitária é uma ferramenta que possibilita aos estudantes da graduação vivenciar os conhecimentos abordados na academia, possibilitando-os fazer uma articulação dos conhecimentos abordados em sala de aula em seu cotidiano. Tendo em vista o desenvolvimento de um profissional crítico e reflexivo, bem como comprometido, na medida em que promove esta intervenção na tentativa de reassumir o compromisso social da universidade pública, retornando os investimentos realizados pelos cidadãos contribuintes.
Durante as rodas de conversas, crianças e adolescentes trazem reflexões sobre suas percepções diante das atividades, assim como elementos que fazem referência ao cotidiano deles, o que permite o surgimento de novas construções de sentidos sobre as questões que atravessam a vida desses sujeitos, o que permite aos estudantes, futuros profissionais de psicologia, fazer uma reflexão acerca das práticas desenvolvidas e pensar em novas possibilidades de atuação.
As rodas de conversa às vezes refletem em momentos de fuga pelos educandos, principalmente quando incitados a refletirem sobre suas vidas, ou simplesmente sobre as atividades realizadas, repercutindo na dificuldade em imaginarem outras possibilidades, aprisionados que estão a realidade estanque que vivenciam ou a negação nos diferentes espaços que estão em serem ouvidos.
É nesse sentido que a intervenção propiciada por este projeto procura refletir o movimento vivenciado cotidianamente, sem deixar que as dificuldades e certos entraves burocráticos que se fizeram presentes durante esta intervenção, tendo em vista, que o projeto se desenvolve desde 2008, em dois núcleos na cidade de João Pessoa, impeçam o construir e o andamento das atividades, pois os momentos de crise contribuem para a percepção da importância de outras ferramentas, reivindicadas pelos educandos, como a swingueira, que acarretou na execução do abaixo-assinado, favorecendo uma aproximação mais real dos sujeitos envolvidos, dos objetivos e do modelo de intervenção proposto.
Os avanços também foram sentidos por meio da parceria com as educadoras, que buscaram compartilhar aquele espaço através da colaboração e construção das atividades, com a discussão dos planejamentos e as conversas ocorridas durante as atividades, na medida em que aferiu aos estudantes um maior direcionamento, uma maior sistematização nos auxílios aos escolares, o apoio pedagógico.
É ainda, durante a supervisão, através dos relatos dos extensionistas, que diversos olhares acerca das práticas desenvolvidas até o momento, problematizando as intervenções relacionando com as referências teóricas, principalmente da psicologia histórico cultural do Vygotsky e desse modo, construindo novas possibilidades de sentidos sobre elas.
É, nesse conjunto, que o projeto busca fazer com que a ação desenvolvida possa contribuir com a autonomia e o empoderamento dos sujeitos atendidos, gerando, deste modo, ferramentas para transformação da realidade.

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