sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A questão do tempo deve ser o assunto que mais preocupa alunos e professores da Educação de Jovens e Adultos.
No nosso sistema educacional, a duração da EJA é exatamente a metade da do ensino regular. Cada ano do sistema convencional corresponde a um semestre na EJA.
Isso significa que todos os aprendizados que os estudantes do ensino regular conquistam em um ano têm que ser alcançados por nossos alunos em apenas seis meses. O Ensino Fundamental, que é percorrido normalmente em nove anos, deveria ser concluído por nossos alunos em quatro anos e meio. Nesse período, o aluno deveria alfabetizar-se, aprender procedimentos matemáticos fundamentais, apropriar-se de uma variedade de conteúdos de História, Geografia, Ciências…


Isso soa como uma contradição, pois muitos alunos da EJA precisam, na realidade, de mais tempo que os do ensino regular para aprender tantos conteúdos.
Tudo isso é agravado se imaginarmos que, na rotina da maioria dos estudantes da EJA, não há tempo para fazer lição de casa ou qualquer atividade fora da escola. E pior: a vida que eles levam, em muitos casos, os obriga a faltar nas aulas, reduzindo ainda mais o tempo que temos com a turma.
O tempo é pouco. O que fazer?
Não tenho uma resposta definitiva. Mas quero dividir com vocês alguns cuidados que procuro tomar para aproveitar da melhor maneira o tempo em que estou junto com os alunos.
Planeje-se com cuidado - Se isso é importante para o ensino regular, é fundamental na EJA. Pense nas aulas que irão acontecer e determine o tempo que cada etapa tomará. Isso não quer dizer que as aulas devam ser engessadas, sem espaços para mudanças. Quer dizer que nós temos que estar atentos ao andamento do trabalho no dia a dia e acompanhar de perto tudo o que acontece. Uma dica é organizar um calendário detalhado com as atividades que acontecem a cada aula.
Evite atividades desnecessárias - Se os seus alunos já dominam certo tipo de atividade que serviria apenas como meio para eles aprenderem um novo conteúdo, evite-a. Um exemplo: copiar textos que já estão em um livro. Os alunos aprenderão pouco copiando e seria mais produtivo investir o tempo na análise do conteúdo do texto. Outro exemplo: desenhar uma tabela quando o objetivo central é que os alunos saibam preenchê-la com dados. Muitas vezes, eles gastarão tempo precioso desenhando a tabela e poderia ser mais produtivo entregar as folhas com as tabelas para serem preenchidas.
Seja pontual e exija pontualidade - Com o tempo escasso, não há margem para tomar aquele café depois que o sinal já tocou nem para acabar a aula dez minutos antes. Procure chegar à sala precisamente no horário e cobre isso dos alunos. Todos nós professores sabemos que um exemplo vale mais que mil discursos.
Escolha o essencial - Use o seu “faro” de professor para selecionar, dentro do oceano de assuntos ensinados na escola, o que é realmente estruturante e ajudará os alunos a terem um melhor entendimento sobre o mundo.
Vou dar um exemplo da minha área: Ciências. No Ensino Fundamental, é muito comum abordar em detalhes os filos animais (Poríferos, Cnidários, etc.). Em minha opinião, é muito mais interessante que os alunos entendam a lógica da classificação dos seres vivos (ou seja, que os grupos são definidos com base em critérios, que existe uma hierarquia entre os grupos), em vez de conhecer exaustivamente cada um dos filos. Entender um sistema de classificação pode ser útil para outras disciplinas, como Matemática e Geografia, e em várias atividades do dia a dia. Então, em vez de tratar de cada filo, escolho um grupo interessante de seres vivos e, a partir dele, abordo com detalhes aspectos fundamentais da classificação.
Escolher o que é essencial não é uma tarefa fácil. Depende muito de cada área do conhecimento e da visão que cada professor tem sobre ela. Espero discutir melhor esse assunto em outro post.
Você também vive esse problema do tempo escasso na EJA? Como você conseguiu minimizar esse problema? Compartilhe conosco as suas dicas!



COMO TRABALHAR RELAÇÕES RACIAIS COM CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS: UMA PESQUISA – AÇÃO EM UMA ESCOLA DA PERIFERIA DO RECIFE
Elizama Pereira Messias 1
Maria Guiomar da Cunha Veríssimo 1

(1. Universidade Federal de Pernambuco)
INTRODUÇÃO:
Muitos problemas presentes na sociedade, como o racismo, também se manifestam dentro da escola assumindo configurações próprias que afetam a vida de toda comunidade escolar. Escola e sociedade estão intimamente relacionadas. O que ocorre fora da escola causa impacto nela e a maneira como estas questões são tratadas no seu interior pode influenciar o contexto social mais amplo. Na escola o racismo se manifesta através do comportamento discriminatório de alunos, professoras/es, pais e funcionários e através dos materiais pedagógicos, mais especificamente dos livros didáticos. Como resultado temos, o baixo rendimento das crianças negras que por causa dessa discriminação se sentem inferiorizadas. Levando em consideração estas questões realizamos uma pesquisa-ação em uma escola pública da periferia da cidade do Recife.  O objetivo deste trabalho foi realizar uma intervenção pedagógica em uma turma da referida escola sobre discriminação racial e a partir da análise dessa experiência apontar caminhos para uma educação que respeite a diversidade étnico-racial, refletindo sobre qual a melhor maneira de abordar esse tema com crianças das séries iniciais. Este trabalho tem sua importância na medida em que ao promover discussão sobre a temática com as crianças concomitantemente se propõe a refletir sobre as estratégias didáticas utilizadas contribuindo assim para a reflexão sobre a prática docente e formação de professores.
METODOLOGIA:
Numa primeira etapa do trabalho realizamos um estudo sobre a comunidade em que a escola está inserida através de visitas, conversas com moradores e consulta aos dados sobre o bairro divulgados pelos órgãos públicos. Num segundo momento, realizamos uma diagnose com algumas turmas da escola através de observação do comportamento dos alunos no que se refere à questão racial e do depoimento de professores. Em seguida, partimos para o trabalho pedagógico que foi realizado em uma turma com vinte e oito crianças com idade entre nove e dez anos, estudantes da quarta série do Ensino Fundamental da escola Municipal Professor José da Costa Porto. O trabalho com as crianças incluiu pesquisas, utilização de literatura infantil, análise coletiva de situações do cotidiano onde a discriminação se manifestava, debates e dinâmicas de grupo. Neste momento coletamos o depoimento das crianças através das rodas de conversa, dos textos produzidos e de uma entrevista estruturada que foi gravada com parte da turma contendo as seguintes questões: o que é preconceito? O que é discriminação? Qual a diferença entre os dois conceitos? E o que fazer para acabar com o preconceito e a discriminação?Numa última etapa nos debruçamos sobre o material coletado, onde analisamos o discurso das crianças expresso através dos textos orais e escritos produzidos no decorrer das atividades. Para tanto, foi feita definição de categorias e realizada a análise a luz do referencial teórico pesquisado.
RESULTADOS:

A comunidade onde o trabalho foi realizado, o Coque, é uma das maiores favelas da periferia urbana do Recife. A escola Municipal Professor José da Costa Porto é a maior escola da localidade e nela as crianças passam boa parte do seu dia, porém a situação de discriminação perdura mesmo dentro do ambiente escolar. A partir dos textos escritos pelas crianças foi possível perceber que estas reconheciam ter vivenciado a discriminação racial tanto como agressoras quanto como vítimas emitindo juízos de valor a cerca desta experiência.  Nas entrevistas todas as crianças utilizaram exemplos para conceituar preconceito e discriminação, fazendo referência aos apelidos. Todos afirmaram que preconceito e discriminação são coisas diferentes, mas não souberam explicar a diferença. Ao serem perguntados sobre o que fazer para acabar com o preconceito e a discriminação algumas crianças reconheceram que a discriminação racial é um crime precisando ser punido. Outras crianças apontaram que o caminho é orientar as pessoas para que não discriminem. No que se refere ao comportamento, as crianças passaram a valorizar mais a cultura afro-brasileira se auto-afirmando. As situações imediatas de conflito por causa dos apelidos também foram minimizadas. Com isso compreendemos que através de um trabalho contínuo e planejado é possível promover boas discussões entre as crianças, contribuindo para a diminuição da discriminação e elevação da auto-estima destas.
CONCLUSÕES:
A escola não é neutra. Ela é capaz de reproduzir a discriminação racial de várias maneiras, mas também é capaz de contribuir para uma convivência pacífica entre as várias etnias. Os nossos objetivos foram realizar uma intervenção pedagógica e refletir sobre essa experiência de maneira a contribuir para a ação de outros educadores. Com esta reflexão percebemos que trabalhar os conceitos de discriminação e preconceito é importante, mas é preciso associar estes a exemplos do cotidiano. Ultrapassando, assim o viés dos apelidos, muito enfatizado pelas crianças e tentando mostrar que a discriminação racial gera desigualdades. Constatamos a importância de partir das experiências vivenciadas pelas crianças, pois a partir do discurso elas expõem suas concepções, suas vivencias e se posicionam sobre o assunto. Com a realização deste trabalho compreendemos que é possível trabalhar sobre o racismo  com atividades diversificadas, desde que alguns eixos temáticos não deixem de ser abordados tais como, identidade étnico-racial, história da África, os africanos no Brasil e o que é preconceito e discriminação racial no contexto brasileiro e mundial. Por fim, o trabalho com este tema nos coloca diante do compromisso que cada um de nós assumimos com a luta pela igualdade, pois, como diz Paulo Freire pensar certo é a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação e isso só é possível quando não nos omitimos e fazemos da sala de aula um campo de pesquisa.  



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