quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Produção de Texto na Escola
Ao tentar integrar a disciplina de Português às outras áreas disciplinares através de uma redação, logo nos acode a idéia de pedir que os alunos façam uma narrativa ou uma dissertação. Neste caso, o processo inicia-se com a escolha do tema ou do título, lançado ao aluno como motivação inicial para começar a escrever. Na falta de um título, pede-se um resumo, uma opinião ou simplesmente um breve comentário sobre qualquer texto lido ou sobre o tema em debate nas diferentes disciplinas. Surgem então, inúmeros textos para o professor corrigir, desenhando neles sinais, cobrinhas, pontos de interrogação, em busca da correção gramatical para adequá-los às convenções mais visíveis da escrita. A redação menos marcada com estas intromissões é sorteada para uma possível exposição. As outras, voltam para seus autores e são devidamente engavetadas, quando não jogadas fora, contribuindo para o aumento do lixo.


Este parece ser o enredo de uma história que todos nós conhecemos, com pequenas variações, desde a mais tenra idade, seja como alunos, seja como professores, não importa a posição, incômoda em qualquer dos casos.
Se observássemos mais cuidadosamente o uso da escrita nas diferentes instâncias sociais, desde situações mais informais até aquelas que exigem um texto com certa padronização, talvez o princípio e o destino dos exercícios de escrita fossem outros. Pensemos em diários, poemas, bilhetes, panfletos, cartas de leitores aos jornais, anúncios classificados, declarações, relatórios, ofícios, procurações, planejamentos. Não nos esqueçamos de textos presentes em diferentes meios culturais e artísticos como romances, roteiros de filmes e vídeos, histórias em quadrinhos. Pensemos, ainda, em textos que circulam no cotidiano, lidos por apenas uma pessoa (o amado, a filha, o chefe) ou por um público vasto. Pensemos, por fim, nos diferentes propósitos ou objetivos dos mesmos textos: confessar, emocionar, informar, documentar, criticar, elogiar, persuadir.
Ao lermos os textos à nossa volta, veremos o quanto as condições em que são escritas as redações na sala de aula estão distantes da situação real de interlocução social, através da escrita. Se considerarmos os tipos e objetivos do texto, bem como os interlocutores, elementos que fazem parte da interação verbal, talvez o princípio e o destino dos textos dos alunos possam ser outros, possam deixar de ser um faz-de-conta, para se tornarem de fato textos significativos, com autores e leitores efetivos.
Nas situações efetivas de interação estabelece-se uma equação entre os objetivos do texto, elaborados a partir do projeto de dizer do locutor, o assunto tratado dentro de um conjunto de interesses e os tipos textuais existentes. Como um texto produzido é sempre dirigido a interlocutores, estes também contribuem para a construção deste texto significativo. Dentro deste espaço constituído lingüística e socialmente, os alunos passam a se comprometer com o processo de construção de sentidos e de conhecimento.
A produção textual na escola pode ocorrer a partir de necessidades reais surgidas durante a aprendizagem, como forma de registros, documentações, expressões de visão de mundo e divulgação. Pode ter como destino a sua circulação, dentro ou fora da escola, dependendo dos propósitos dos Projetos de Trabalho desenvolvidos.
As convenções da escrita passam a ser articuladas dentro do texto levando em conta a situação de comunicação, isto é, as adequações às normas serão necessárias na medida em que estes textos são produtos a serem socializados dentro de uma comunidade que tem seus padrões. Nesta perspectiva, não há mais uma correção com o fim em si mesma ou apenas para uma avaliação escolar, mas o trabalho com a linguagem terá como objetivo, além do aprendizado das normas em função das exigências da modalidade escrita, o aprendizado da melhor forma de explorar os recursos lingüísticos e expressivos da língua.
Dentro desta concepção de trabalho com a escrita, as produções textuais na escola passam a ter sua origem na real necessidade de interação com os colegas e com a comunidade. Diante disto, o texto, como unidade de comunicação interativa, não necessita ter uma extensão, um tamanho definido, podendo ir desde uma única palavra (por exemplo, placa de trânsito com a inscrição "Cuidado") até um volumoso livro. A articulação do texto será realizada tendo como critérios os objetivos que norteiam a sua produção e o contexto no qual está inserido. Estas práticas podem promover reflexões não apenas sobre o trabalho lingüístico que permeia a produção, como também sobre as diversas funções sociais e comunicativas da escrita.
Dentro de Projetos de Trabalho que visam integrar diferentes áreas de conhecimento na escola, a produção de texto é um instrumento importante no tratamento das informações, na organização e divulgação do trabalho entre os parceiros que estão em processo de construção de conhecimento, a partir dos temas eleitos. A escrita deixa de ser um acessório para tornar-se um lugar de organização, sistematização e socialização durante o processo de aprendizagem.
A seguir, são dadas sugestões de tipos de textos que podem ser trabalhados nos Projetos de diferentes campos de conhecimento, apresentados no Caderno de Atividades:
Índice
·         Entrevista
·         Legenda de fotos
·         Relatório
·         Título
·         Folheto
·         Roteiro de Trabalho
·         Rap
·         BIBLIOGRAFIA

Entrevista
As entrevistas buscam conhecer os saberes, a visão de mundo, o modo de viver do entrevistado, com o objetivo de ter acesso às informações que possam contribuir para a construção de um conhecimento mais amplo de um tema e de ações que daí decorram. Em função dos objetivos, da situação, do assunto e dos interlocutores, as questões são formuladas, mas não podem ser totalmente fixas, já que, provavelmente, há necessidade de reformulações durante o diálogo com o entrevistado, levando em conta as características específicas e as razões da escolha de determinado interlocutor.
O processo da entrevista, portanto, deve ser circular e reflexivo. Depois de algumas entrevistas, tanto o tema guia, como a seleção dos entrevistados, pode mudar. A análise deve ser integrada ao processo da realização das entrevistas.
Em seguida serão dadas algumas ações a serem realizadas com os respectivos grupos ou alunos responsáveis pela entrevista, não significando que elas devam ter uma seqüência linear:
1.prepare o TEMA GUIA;
2. selecione o método da entrevista: individual, grupal ou uma combinação dos dois;
3. prepare uma estratégia para a seleção dos entrevistados;
4. realize as entrevistas;
5. transcreva as entrevistas;
6. analise o conteúdo das entrevistas.
Caso as entrevistas sejam gravadas e depois transcritas, o trabalho lingüístico poderá estar focalizado nas diferenças entre as modalidades oral e escrita da linguagem e no processo de transposição de uma modalidade para outra, o que envolve, principalmente, uma reflexão sobre modos distintos de coesão, de coerência e de contextualização nas mesmas modalidades. Por meio da entrevista, ainda é possível trabalhar com diferentes tipos de discurso, principalmente o direto e o indireto, no momento de decidir a forma de apresentação para o público escolhido. Para se ter uma noção mais clara das diferentes possibilidades de articulação desses textos, é interessante que se analisem as entrevistas que aparecem em revistas ou jornais.
Após este trabalho de reflexão e de organização da linguagem, os conteúdos servirão de base para análise ao retornarem aos campos de conhecimento que promoveram esta forma de acesso às informações.
Legenda de fotos
As legendas são pequenos textos que acompanham as imagens (fotos, desenhos, figuras, pinturas etc.), como uma complementação, realizada através de descrição ou explicação. Podem também orientar o olhar do leitor e, até mesmo, interagir com a imagem, alterando o significado que ela teria, caso estivesse sem o suporte textual. Assim, mais do que explicar, a legenda passa a interpretar e a interagir com a imagem. Nesta interação pode ocorrer uma espécie de confirmação, de valorização da informação visual ou pode haver o estabelecimento de uma contraposição. No diálogo texto e imagem, uma terceira mensagem, não limitada nem a uma, nem a outra, pode ainda ser produzida. Algumas destas articulações entre texto e imagem podem ser analisadas em legendas de fotos nas diferentes produções da mídia impressa.
Assim, as legendas que acompanham as imagens, ou mesmo objetos ( por ex.: maquetes), devem ser trabalhadas em função dos objetivos, do contexto e dos interlocutores previstos, apresentando-se como descrição, interpretação ou, ainda, como narração.
Relatório
Os relatórios cumprem diversas funções, dependendo da situação em que se inserem (relatório de trabalho, relatório de experiência, de pesquisa etc.) O que há de comum é o fato de serem documentos que procuram registrar um processo, uma transformação ou ainda, uma investigação.
Embora haja algumas particularidades, dependendo da área de conhecimento e dos objetivos específicos, os relatórios podem ter a seguinte organização:
·         introdução ao assunto tratado, que pode ser articulado como respostas às questões O que, onde, quando;
·         breve histórico do problema ou contextualização do assunto dentro de um tema mais amplo;
·         descrição do processo (etapas de uma experiência, de ações) ou listagem de informações coletadas;
·         apoio de gráficos, tabelas, exemplos que servem de evidências da pesquisa;
·         conclusões;
·         bibliografia e fontes de pesquisa.
O relatório serve de base para a organização e sistematização de algumas atividades do Projeto e, posteriormente, será utilizado como documento a ser consultado e socializado pelos colegas, sendo um importante instrumento de informação para a escolha e a fundamentação de ações.
Título
Os títulos, assim como as legendas, têm a função de orientar a leitura e, ao mesmo tempo, chamar a atenção do leitor para algum aspecto saliente dos textos que os seguem. Em trabalho de leitura é interessante comparar as diferentes formas de apresentação dos títulos de acordo com os contextos (manchetes de jornal, títulos de reportagens, artigos, textos expositivos). Estas diferenças podem ser lingüisticamente analisadas no uso de verbos (notícias), nas nominalizações (textos dissertativos), nas expressões conotativas, dentre outros recursos da língua que são agenciados em função da situação comunicativa: interlocutores, o perfil dos veículos e a formalidade do contexto. Tanto na leitura como no processo de produção dos textos, estes recursos podem ser trabalhados junto ao alunos. Assim, o título deixa de ser o ponto de partida de um texto e torna-se a sua síntese e o primeiro elemento orientador para a leitura.
Folheto
Os folhetos são textos cuja função principal é esclarecer algum problema ao leitor, promovendo ações transformadoras. A sua organização textual consiste basicamente em:
·         definições básicas sobre o assunto;
·         explicações ou esclarecimentos para evitar falsas crenças ou mitos;
·         instruções de procedimento para resolver ou evitar um problema (opcional, dependendo do assunto e do objetivo do folheto);
·         desenhos , caricaturas, que personifiquem algum elemento de destaque do assunto;
·         esquemas explicativos facilitadores da compreensão.
Os folhetos caracterizam-se por uma linguagem didática que visa a conscientização ou a promoção de mudanças de posturas. Geralmente, estes textos são uma das ações de uma campanha maior e procuram atingir pessoas que têm pouco acesso às informações ou que estão expostas às informações ou crenças errôneas. Folhetos sobre Dengue, Aids, vacinação, amamentação, são alguns exemplos.
Nos Projetos de Trabalho, os folhetos podem ser um meio de divulgação das informações obtidas nas pesquisas dos alunos e de conscientização, colocados à disposição da escola e da comunidade.
Roteiro de Trabalho
Neste texto estão dispostas todas as ações necessárias para atingir os objetivos que norteiam o trabalho, promotoras da construção de um conhecimento compartilhado por todos os envolvidos. O roteiro de trabalho pode ser produzido coletivamente e estar em constante reconstrução e rearticulação, de acordo com o andamento das ações:
·         o estabelecimento do tema, a partir da avaliação de diferentes enfoques possíveis;
·         estabelecimento dos objetivos;
·         articulação das etapas das ações necessárias;
·         escolha das pessoas a serem entrevistadas e fontes a serem pesquisadas;
·         seleção e ordenação das ações possíveis, dentro da disponibilidade do grupo e das condições materiais;
·         distribuição das tarefas para os grupos ou para os elementos de cada grupo;
·         estabelecimento de momentos destinados às discussões e reavaliações do andamento do projeto (momento da própria reestruturação do roteiro);
·         organização das diferentes formas de compilação das informações e dados;
·         avaliação final do projeto como um todo, procurando analisar se os objetivos foram alcançados.
Rap
O RAP "é a abreviação para rhythm and poetry (ritmo e poesia). Gênero musical criado por negros-norte-americanos que se caracteriza por ritmo acelerado e a quase inexistência de melodia e harmonia.(...) As letras, em geral longas, são quase recitadas e utilizam gírias dos guetos e das gangues que habitam os bairros pobres das metrópoles norte-americanas(...) O Rap chega ao Brasil no início dos anos 80, mas só ganha espaço na indústria fonográfica em 1993, com o lançamento do primeiro disco de Gabriel, o pensador" (conferir verbete Rap, Almanaque Abril Multimídia). O Rap tem sido uma forma de protesto contra a opressão e a exclusão de determinados grupos sociais, assumindo assim um caráter denunciador e político.
Como pode ser utilizado? - Os próprios alunos apresentam interessantes propostas de atividades, relacionadas à composição de Raps, que poderão ser realizadas em sala de aula.
BIBLIOGRAFIA
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo, Martins Fontes, 1993. (Org). O texto na sala de aula. São Paulo, Ática, 1997. KAUFMAN, A. e RODRIGUEZ. M. H. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre, 1995. KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura; teoria e prática. Campinas, SP, Pontes/Editora da Unicamp,1992. VAL, M. G. C. Redação e textualidade. São Paulo, Martins Fontes, 1991.


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