segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

GUIA TEÓRICO DO ALFABETIZADOR: BREVE RESUMO

A alfabetização nunca foi tão discutida, sob o ponto de vista das mais diversificadas áreas do conhecimento humano, como nas últimas décadas. No entanto, apesar do grande número de trabalhos publicados no que diz respeito a este tema, é sempre possível encontrarmos algo novo, como é o caso do livro Guia teórico do alfabetizador, da linguista Miriam Lemle.

 Sem dúvida alguma, tal obra representa uma das maiores contribuições já recebidas, do campo da linguística, pela pedagogia. Isto porque seu conteúdo, por ser altamente didático e utilitário, apresenta-se, como o próprio título sugere, como um guia para alfabetizadores de modo geral, guia este que não se limita apenas à esfera daquilo que podemos chamar de alfabetização tradicional, isto é, da ênfase voltada para o domínio do bê-á-bá, mas, principalmente, por trazer à discussão toda a problemática que há por trás deste tema, como, por exemplo, a questão dos erros cometidos pelas crianças em processo de alfabetização e as riquíssimas considerações acerca das variedades linguísticas.
Logo nos primeiros capítulos, mais precisamente no segundo, Miriam Lemle destaca as capacidades necessárias para alfabetização; segundo ela, o primeiro desafio encontrado pelo alfabetizando, ou a primeira capacidade que ele precisa dominar, é a necessidade de compreender a ligação simbólica entre fonema-grafema, ou seja, entender que as letras representam sons e que quando juntamos esses sons, os transformamos em palavras; a segunda capacidade, por sua vez, diz respeito à faculdade de enxergar aquilo que distingue uma letra da outra, a fim de que a criança perceba que as letras são mais do que meros rabiscos pretos na página em branco; a terceira capacidade, por fim, restringi-se à escuta, isto é, o despertar da consciência fonológica, portanto, saber ouvir e ter consciência dos sons da fala, para distingui-los dos demais sons.
No que toca mais precisamente a questão da apropriação, por parte do alfabetizando, do sistema alfabético, ou, em outras palavras, a tecnologia do ler e escrever, a autora ressalta a importância de algumas etapas pelas quais o mesmo deverá passar, são elas: a teoria do casamento monogâmico entre letra e som, a teoria da poligamia com restrições de posição, a compreensão das partes arbitrárias do sistema alfabético e a necessidade de se ensinar um pouco de morfologia.
A teoria do casamento monogâmico entre letra e som compreende basicamente a relação biunívoca que algumas letras (f / b / d / t e a vogal a) representam entre si, assim sendo, não importa a ordem ou a posição que as mesmas apareçam em uma determinada palavra, pois sempre representarão seu som específico.
Contrapondo-se a teoria da relação biunívoca, há a teoria da poligamia, que, por sua vez, diz respeito, resumidamente, ao fato de que várias letras podem representar um determinado som e que há vários sons para uma mesma letra, dependendo, assim, da posição que as mesmas ocuparem dentro de uma palavra.
No que tange as partes arbitrárias do sistema, Lemle chama-nos a atenção para a questão de que esta etapa dura por toda a vida, pois está estritamente ligada à questão da ortografia. Isto ocorre quando mais de uma letra pode, na mesma posição, representar o mesmo som, assim, a opção pela letra correta em uma palavra é, em termos fonológicos, inteiramente arbitrária, ou seja, não há regras específicas que possa nos ajudar diante de tal impasse, a solução, para tanto, é memorizar as palavras que apresentam essa arbitrariedade.
Já no que diz respeito ao trabalho com a morfologia, a autora destaca a importância de se ensinar, aos alunos, as regularidades ligadas à morfologia das palavras, tanto o trabalho com os afixos, quanto com os prefixos, pois atividades voltadas especificamente para os aspectos morfológicos ajudam, segundo ela, na fixação da grafia correta das palavras.
Quanto ao conhecimento das variedades linguísticas, Lemle frisa a importância de se respeitar a fala peculiar dos alunos e de não se cometer o chamado preconceito linguístico, pois, além de ser um equívoco linguístico, é também um desrespeito humano e um erro político dizer que determinados grupos sociais falam errado, haja vista que geralmente essas pessoas não fazem parte de um contexto sociocultural e socioeconômico favorável à padronização da língua formal.
Miriam Lemle também destaca a necessidade de se olhar para os erros de escrita dos alfabetizandos com certa atenção teórica, pois nos ajuda a diagnosticar em qual etapa do processo de aquisição da leitura e da escrita os mesmos se encontram. Para tanto, ela classifica os erros dos alunos em três ordens: falha de primeira ordem, falha de segunda ordem e falha de terceira ordem.
A falha de primeira ordem indica que o alfabetizando se encontra na fase rudimentar da alfabetização, isto porque apresenta leitura lenta e com soletração de cada sílaba e escrita apresentando erros de correspondência letra-som.
A falha de segunda ordem, por seu turno, assinala que o alfabetizando ainda se encontra na etapa biunívoca de correspondência entre letras e sons, desse modo, o aluno comete erros de transcrição fonética, isto é, escreve como se fala, e lê pronunciando cada letra e enfatizando o valor central dos sons das letras.
Por fim, a falha de terceira ordem, a qual, em última instância, avalia que o já alcançou o saber ortográfico e já domina, com bastante propriedade, as correspondências entre fonemas e grafemas. Assim sendo, suas falhas se limitarão a erros de arbitrários da língua portuguesa, isto é, às trocas entre letras concorrentes. Constata-se, assim, que no que compete à leitura, o aluno será capaz de pronunciar naturalmente as palavras, sem maiores dificuldades.
Com relação à metodologia de ensino, percebe-se, na autora, uma postura extremamente ética e coerente com sua formação acadêmica, uma vez que ela, mesmo não tratando diretamente das questões metodológicas, por acreditar ser uma área própria dos pedagogos, sugere que se trabalhe com as crianças, no início da alfabetização, com letras que mantenham relações biunívocas entre si, isto é, que correspondam unicamente a um determinado som e vice-versa. Neste caso, deve-se dar preferência a vogal a e as consoantes p, b, t, d, f e v. Lemle ressalta que, com essas letras, podem ser formadas as primeiras palavras e frases, podendo, inclusive, criar versinhos e musiquinhas.
Como proposta didático-pedagógica, é sugerido que se aplique atividades que estimulem o interesse e a atenção das crianças, para tanto, pode-se propor, aos educandos, joguinhos de palavras cruzadas, tomar melodias conhecidas e cantarolá-las e diversas outras atividades que respeitem o nível de desenvolvimento cognitivo dos alfabetizandos.
Ainda com relação ao aspecto metodológico, vale frisar que, apesar de algumas crianças conseguirem fazer leitura por adivinhação, é tarefa do professor alfabetizador ensinar os alunos a decodificarem as palavras, pois é por meio da decodificação que se forma um leitor verdadeiramente autônomo.
No entanto, apesar de propor o que foi dito acima, a autora sublinha que a língua escrita deve ser adquirida pelo mesmo mecanismo natural que nos leva a adquirir a língua falada, portanto, constata-se certa “naturalização”, por parte dela, com relação à metodologia de ensino, haja vista que para ela é mais importante a familiarização das crianças com os livros do que a defesa concreta de um método específico para alfabetizar.
Por fim, cabe destacar, aqui, a relevância desta obra para nós, futuras professoras, a partir do momento em que sabemos que a boa ciência sana a má consciência. Portanto, eis a nossa tarefa, árdua, sem dúvida, mas que sempre pode ser aperfeiçoada e compartilhada com os que estão a nossa volta.

Referência:

LEMLE, M. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 2009.

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