O OBJETIVISMO SOCIOLÓGICO EM DURKHEIM
É preciso tratar os
fatos sociais como coisas – se é verdade que tal afirmação corresponde a
primeira e a mais fundamental regra da sociologia durkheimiana, não é menos
verdade que dentro dela já se encontra preconcebido o embrião de sua concepção
objetivista de ciência.
Tratar os fatos
sociais como coisas implica, sobretudo e antes de tudo, reconhecê-los como
fenômenos exteriores às consciências individuais; logo, vê-se demarcada
nitidamente a linha que separa o indivíduo da coletividade, a psicologia da
sociologia, a subjetividade da objetividade. A princípio, contudo, pode-nos
parecer que o que se está a fazer nada mais seja do que apenas uma demarcação teórico-metodológica
entre essas duas áreas do conhecimento, no entanto, nesse contexto específico,
o que se está reivindicando em suprassumo é a fundação da sociologia enquanto
uma ciência amparada em bases sólidas, isto é, objetiva, específica e metódica,
portanto, autônoma em relação a outras ciências e formas de conhecimento.
Tratar os fatos
sociais como coisas reivindica, por sua vez, reconhecer a existência do fato
social em si. Ora, o que isso significa senão o reconhecimento de um objeto
específico pertencente a uma ciência específica? Como se sabe, para que uma
ciência se constitua enquanto tal, exigi-se dela um objeto que lhe seja
próprio, o que lhe assegura, por esse viés, a sua autonomia com relação às
demais ciências. Logo, tratar os fatos sociais como coisas implica,
necessariamente, reconhecer a sociologia como uma ciência própria, dotada de um
objeto particular.
Assim, ao definir os
fatos sociais como maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores aos indivíduos
e dotados de poder de coerção, Durkheim não está simplesmente criando um
conceito abstrato da teoria social, mas está, inclusive, demarcando as
fronteiras da Sociologia para com as ciências naturais como um todo, e para com
a psicologia em particular.
No entanto, para se
compreender a discussão acerca do nascimento da sociologia enquanto disciplina
científica nos moldes de Émile Durkheim, é preciso levar em consideração não
apenas os seus princípios cientificistas cristalizados em As regras do
métodosociológico, bem como também o seu contexto de ruptura, fundação e
conquista.
Desse modo,
observar-se-á, por exemplo, as contribuições metodológicas tomadas de Francis
Bacon, como é o caso do abandono das prenoções (quer literárias, quer
metafísicas, quer estéticas, que ideológicas) e por parte do sociólogo, e a
questão da dúvida metódica e a certeza do conhecimento, influências diretas de
René Descartes. Em contrapartida, tem-se a crítica tanto ao Auguste Comte,
quanto ao Herbert Spencer, uma vez que estes trabalhavam mais com ideias
formuladas, influenciadas principalmente pela economia política e pela ciência
da moral, do que propriamente com a ciência empírica.
Por outro lado, é
válido destacar a aproximação do vocabulário da sociologia durkheimiana para
com a biologia e a medicina – as quais, diga-se de passagem, já eram
reconhecidas como ciências legítimas. Assim, à guisa de exemplos, pode-se citar
a divisão da sociologia em fisiologia social e morfologia
social, a ideia de reino psicológico e reino social,
bem como a concepção de fato social normal e patológico como
vocábulos próprios das ciências naturais e da medicina. Tal empreendimento
revela, até certo ponto, a busca de Durkheim pela legitimação científica da
sociologia; por outro lado, ao procurar o critério de normalidade dentro da sociedade
(fato social normal como algo diferente de fato social patológico), Durkheim
está procurando, sobretudo, as regularidades da vida social, uma vez que o fato
social normal deve condizer com as condições da vida coletiva; logo, a
possibilidade de se formular leis e de prever fenômenos sociais.
No que tange
propriamente à questão do método sociológico, Durkheim é seguidor de uma
corrente analítica, e, por vez, defensor da unidade metodológica dentro das
ciências sociais. No que diz respeito à sua metodologia, o mesmo estabelece
regras que podem ser apreendidas em seis verbos: definir, observar, distinguir,
classificar, explicar e provar – eis, mais uma vez, a sua concepção objetivista
de ciência.
Vale frisar, por fim,
que o principal objetivo de Durkheim é estender o racionalismo científico à
conduta humana. Por sua vez, a explicação sociológica consiste especificamente
em estabelecer causalidade. Assim, para Durkheim, se se analisar a conduta
humana, chegar-se-á a relações de causa e efeito. Logo, uma operação racional
poderá transformar essa mesma conduta em regras de ação para o futuro,
portanto, “racionalizá-la”.
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