Problemas de aprendizagem: Estudo revela que alunos acumulam defasagem
durante o Ensino Fundamental
Coordenado pela Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês) é um teste que avalia o conhecimento
dos alunos em matemática, ciências e leitura. Começou a ser aplicado em 2000 e
é repetido a cada três anos. Na última avaliação, realizada em 2009, os
estudantes brasileiros atingiram 401 pontos, um aumento de 33 pontos. Apesar de
ter sido o terceiro país que mais cresceu na avaliação, o Brasil ocupa a 57ª
posição no Pisa, na frente de apenas oito países.
O crescimento na pontuação pode até
parecer um alento para a Educação brasileira, porém, não passa de uma questão
matemática, pois a realidade em sala de aula continua mostrando defasagem na
aprendizagem dos alunos em todas as séries do Ensino Fundamental. A leitura foi
o quesito que obteve a menor melhora nos índices brasileiros do Pisa, o que vai
ao encontro da tese de doutorado Fracasso Escolar – Um Sintoma da
Contemporaneidade Revelando a Singularidade, desenvolvida por Nádia Bossa,
psicóloga, psicopedagoga e neuropsicóloga, com mestrado em Psicologia (PUC-SP)
e doutorado em Psicologia e Educação (USP).
Há 20 anos pesquisando sobre as
questões relacionadas aos problemas de aprendizagem escolar, a dra. Nádia
coordenou uma equipe com cerca de 40 alunos do curso de pós-graduação em
Psicologia que participavam do seu grupo de pesquisa. Eles foram enviados às
escolas públicas da capital paulista com o objetivo de levantar junto aos
professores os casos de estudantes que estavam apresentando problemas de
aprendizagem escolar, para que fossem feitas avaliações mais precisas a fim de
se constatar o que estaria na origem das dificuldades de aprendizagem.
No começo, a pesquisa estava focada
nos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, mas acabou se estendendo
a todos os alunos que estavam apresentando problemas ao longo da escolaridade.
“O que me causou preocupação muito
grande foi observar que uma criança que nós tínhamos diagnosticado na 2ª série
como sendo um aluno que não conseguiu atingir o mínimo dos
pré-requisitos necessários para ingressar na 3ª série, no ano seguinte estava na 3ª série, no posterior, na 4ª série, de maneira que o problema de aprendizagem só se agravava”, explica a dra. Nádia. “Em razão dessa constatação, passei a fazer uma avaliação com os alunos da 8ª
série do Ensino Fundamental, dessas escolas, com o objetivo de verificar qual era o grau de aprendizagem que esses alunos obtinham ao final do Ensino Fundamental”, diz a pesquisadora.
pré-requisitos necessários para ingressar na 3ª série, no ano seguinte estava na 3ª série, no posterior, na 4ª série, de maneira que o problema de aprendizagem só se agravava”, explica a dra. Nádia. “Em razão dessa constatação, passei a fazer uma avaliação com os alunos da 8ª
série do Ensino Fundamental, dessas escolas, com o objetivo de verificar qual era o grau de aprendizagem que esses alunos obtinham ao final do Ensino Fundamental”, diz a pesquisadora.
Para surpresa da psicóloga, após a
aplicação de uma série de instrumentos que avaliavam as condições de leitura,
escrita, interpretação de texto e operações matemáticas básicas, constatou-se
que mais de 70% dos alunos concluem o Ensino Fundamental sem ter adquirido as competências
mínimas desejadas para essa etapa da educação básica.
E as consequências dessas defasagens
acumuladas se refletem no desenvolvimento do País, afetando diretamente o
mercado de trabalho. Quantas vezes ouve-se a queixa de que existem vagas de
emprego, mas não pessoas habilitadas para ocupá-las? Isso porque os candidatos
não conseguem preencher os requisitos mínimos para ocupar o cargo.
“As empresas hoje estão se
preocupando em investir em alfabetização de adultos ou em educação continuada
porque não têm condições de manter um funcionário que não seja capaz de fazer
uma anotação, de entender um manual de instrução. Os empregadores são unânimes
em dizer que não tem mão de obra porque as pessoas apresentam um nível de
educação tão raso que não conseguem corresponder às funções que lhes são
atribuídas”, comenta a dra. Nádia.
Problemas de
aprendizagem
Segundo a pesquisa, os alunos
apresentavam defasagem no aprendizado em decorrência de uma série de fatores.
Por um lado, questões relacionadas à dificuldade dos próprios alunos, mas, por
outro lado, pela falta de condição, preparo e formação do professor para fazer
frente às necessidades dos alunos.
Se um aluno apresenta um pouco mais
de dificuldade para assimilar determinado conteúdo, necessita que o professor
tenha uma formação adequada para contornar essa dificuldade, utilizando-se de
outra forma de ensinar.
“Já que não existia mais a
reprovação, era necessário saber o que fazer nessas circunstâncias em que o
aluno não está aprendendo, e o professor não está sabendo lidar
metodologicamente com essa questão. O pior é que não se faz nada, e estão aí as
avaliações nacionais e internacionais, que comprovam que o aluno brasileiro, ao
concluir o Ensino Fundamental, não adquiriu nem 40% do repertório necessário para
prosseguir no Ensino Médio”, reitera a dra. Nádia Bossa.
Foram mais de cinco anos de trabalho,
com cerca de 5 mil alunos avaliados. Ao término do trabalho de campo, em 2007,
iniciou-se a análise dos dados, que foram discutidos com educadores de todo o Brasil,
constatando-se, segundo a pesquisadora, que o panorama se repetia também nos
outros estados.
Para a dra. Nádia, o fator pedagógico
que causa essa defasagem decorre da falta de um conhecimento sólido do
professor sobre o trabalho mental envolvido na aprendizagem da leitura e
escrita, o que o impede de aplicar uma metodologia apropriada para as diversas
situações.
“De uma maneira geral, o professor
não está preparado para trabalhar com a complexidade da mente humana. O
professor acredita que vai encontrar na sala de aula o aluno dos manuais de
pedagogia, mas esse aluno não existe. O indivíduo que você encontra na sala de
aula é um sujeito particular, com uma mente que tem um modo particular de
operar e que precisa da habilidade do professor de entender como esse aluno
pensa para ensiná-lo de maneira apropriada”, comenta a psicóloga.
São inúmeras habilidades envolvidas
no processo de aprendizagem desse objeto de conhecimento tão complexo que é a
leitura e a escrita. Para o indivíduo aprender a ler e escrever precisa da
capacidade de interpretação de sinais – as letras –, precisa que o cérebro
tenha subsídios para atribuir significado correspondente àqueles sinais, que o
corpo corresponda no aspecto motor para reproduzir a escrita, necessita ter
condição de reproduzir um ritmo para que a leitura seja compreensiva.
“É preciso uma reformulação dos
cursos de formação de professores de modo geral, não só dos professores
alfabetizadores. Um professor de matemática pode perfeitamente não entender que
um aluno não se sai bem na sua disciplina não porque não saiba operar
matematicamente, mas porque não consegue compreender o enunciado da questão ou
não consegue compreender aquela relação entre os símbolos que estão expressos
na linguagem da matemática”, argumenta a pesquisadora.
Alguém que não lida bem com a leitura
e com a escrita, que não se vale disso como uma ferramenta eficaz, não tem como
entender história, geografia, matemática e todo o conteúdo escolar.
Segundo a dra. Nádia, além de
reformular os cursos de licenciatura e de formação de professores em todas as
áreas, é imprescindível oferecer uma educação continuada para esses
profissionais, levando para dentro das escolas os resultados das pesquisas produzidas
nos mestrados e doutorados em Educação e Pedagogia.
“Essas pesquisas acabam não saindo da
biblioteca das universidades e não chegam aos professores. Quantas pesquisas
existem a respeito do trabalho mental envolvido no processo de alfabetização,
por exemplo, ou quantas existem abordando as possibilidades de intervenção do
professor ante um aluno com dificuldade de aprendizagem, já no início de sua
escolaridade? O professor não tem acesso a essas informações ou auxílio para
ampliar o seu repertório e compreender essa problemática. É preciso investir
maciçamente na formação do professor, de várias formas”, diz a dra. Nádia.
Nas escolas particulares, esses
problemas são minimizados. Ao selecionar os currículos de seus profissionais,
as instituições privadas contratam os professores com melhor formação, de base
mais sólida; além de elas próprias promoverem a formação continuada do corpo
docente, através de cursos, palestras, encontros pedagógicos. Soma-se a isso o
fato de as famílias colaborarem muito mais na educação dos filhos, na medida em
que, numa escola particular, quando os professores ou coordenadores chamam a
família para informar que o aluno está com problemas na alfabetização, esses
pais, geralmente, vão em busca do auxílio de outros profissionais, que darão
uma assistência individualizada àquela criança, ajudando-a avançar no processo
escolar.
Tratamento adequado
Se o professor apresenta para a
criança o objeto de conhecimento e ela não assimila esse conteúdo, alguma coisa
está errada. Pode ser com o aluno, pode ser com o modo de ensinar do professor.
Tem casos mais graves em que a
problemática é tão evidente que não é preciso fazer um esforço maior para
perceber que algo não vai bem, assim como existem os casos mais sutis. Mas o
fato é que a tendência natural do ser humano é aprender, e se ele não está
aprendendo como o esperado alguma coisa está errada. O não aprender é um
sintoma, assim como a febre.
“Aprender é um mecanismo de defesa,
faz parte da nossa espécie. Vamos aprendendo justamente porque é uma condição
de sobrevivência, portanto, é uma herança filogenética, que faz o ser humano se
adaptar a novas situações. Existem casos mais graves e outros mais sutis, mas a
ideia de que se o aluno não está aprendendo porque está com preguiça, não prestou
atenção ou o professor não está ensinando direito, não pode acontecer, existe
alguma coisa mais séria”, alerta a pesquisadora.
A velocidade e facilidade com que os
problemas de aprendizagem serão resolvidos dependerão do caso, da competência
do psicopedagogo, do apoio que esse aluno recebe das pessoas que estão ao seu
redor. O não aprender gera infelicidade e sofrimento no ser humano.
“Existem casos em que a resposta ao
tratamento é muito rápida, é só uma questão de ajuste; mas em outras vezes há a
necessidade de instalar competências mentais que não foram instaladas no
momento certo”, explica a dra. Nádia. “A criança deveria ter chegado à escola
com determinada condição de atenção e concentração, com capacidade de
percepção, de discriminação auditiva e visual, capacidade de raciocínio,
análise e síntese; tomada de decisão, memória, e essas competências não foram
devidamente instaladas, ou por uma deficiência biológica ou ambiental. Aí entra
uma intervenção de se trabalhar todas essas capacidades, provocando esse
cérebro como uma espécie de fisioterapia cerebral, porém, não de forma
mecânica, tendo a clareza que o cérebro reage de uma forma química e outra
mecânica, ambas as reações se fazem presentes em qualquer sinapse, em qualquer
atividade cerebral”, comenta a psicóloga.
O panorama atual
No caso da pesquisa da professora
Nádia, percebeu-se que os alunos que apresentavam algum fator físico ou mental
que dificultava a aprendizagem eram a minoria. A maioria apresentou condições
plenas de se desenvolver normalmente e poderia estar muito melhor no ponto de
vista acadêmico se a escola estivesse mais bem estruturada e oferecesse um
repertório informativo mais amplo, ou seja, com professores bem formados e
atividades diversificadas com a função de habilitar cognitiva e mentalmente o
aluno para o aprendizado escolar.
Segundo a pesquisadora, com o passar
dos anos e das políticas públicas para a Educação, a escola foi suprimindo uma
série de situações de aprendizagem que, de certa forma, complementava o
repertório básico para as áreas de comunicação e expressão, matemática,
ciências e estudos sociais.
“Antes, na rede pública, havia aulas
de música, artes, francês. Se o aluno começa a ter aula de música desde cedo,
quando chegar lá 3ª série, onde precisará ter clareza a respeito de ritmo para
a leitura, essas aulas de música ajudarão muito. Se teve aulas de artes, em que
se aprende a observar imagens, colorir, manter a proporção, a forma, ponto de
tangência, no momento em que essa criança precisará escrever, ela já treinou
isso e não terá dificuldade para perceber a diferença entre o P e o B, de
reproduzir letras que dependam de uma grafia com curvas e pontos de tangência,
porque, em outros momentos, passou por situações que foram instrumentalizando-a
para isso”, explica a dra. Nádia.
Se não houver um investimento no
sentido da mudança de qualidade na escola como um todo, os alunos podem
participar de muitos Enems que o resultado vai ser sempre o mesmo, a realidade
não será mudada, e eles não terão condições de mostrar um conhecimento que
efetivamente não foi construído. Portanto, não adianta avaliar o processo sem
melhorar nada em sua realização. A mais banal das teorias da administração já
diz que não tem como obter resultados diferentes fazendo sempre a mesma coisa.
O problema não é do professor
isoladamente, mas também da escola e de todo um projeto pedagógico, pois não se
consegue fazer com que aquelas aprendizagens todas e que todo esse conteúdo
acadêmico tenham sentido para o aluno, interessem-no e o façam reconhecer a
utilização disso na vida prática.
“O professor continua sendo
massacrado, e uma pessoa mais consciente acaba deixando essa profissão, que é
extremamente ingrata do ponto de vista econômico e no sentido do reconhecimento
da importância de sua tarefa na vida das pessoas. A formação continua sendo
muito precária e as medidas que se tomam para melhorar a Educação não vão ao
cerne do problema, servem apenas para camuflar uma situação”, lamenta a dra.
Nádia. “Embora a minha pesquisa tenha trazido resultados muito tristes, eu,
como otimista que sou, não deixo de acreditar que pode ser diferente, não deixo
de lutar para que esse panorama seja modificado para melhor. Se cada um, em sua
respectiva área de atuação, fizer alguma coisa em prol da Educação, talvez consigamos
mudar muita coisa neste país”, finaliza a pesquisadora.
A tese de doutorado Fracasso Escolar
– Um Sintoma da Contemporaneidade Revelando a Singularidade, deu origem a um
livro chamado Fracasso Escolar – Um Olhar Psicopedagógico, editado
pela Artmed.
Autora de diversos livros sobre
psicopedagogia e problemas de aprendizagem, a dra. Nádia Bossa é, também,
responsável pelo Centro de Estudos e Atendimento Psicopedagógico – Ceap. No
site da instituição (www.psicopedagogianet.com.br) é possível entrar em contato
com a pesquisadora, conhecer seu trabalho e esclarecer dúvidas.
Fonte:ww.portalguiaescolas.com.br/acontece-nas-escolas/espaco-educacional/problemas-de-aprendizagem-estudo-revela-que-alunos-acumulam-defasagem-durante-o-ensino-fundamental-por-vagner-apinhanesi/
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