Em seu livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, publicado
pela Editora Paz e Terra 3ª edição, em 1980, Bruno Bettelheim
discute como os contos de fadas podem intervir nos processos evolutivos da
criança, ajudando-a na compreensão do que esta acontecendo com si mesma, e
ainda, resolvendo de forma mais saudável seus conflitos internos. O autor busca
nas histórias infantis mais conhecidas, um sentido que não é visto por todos,
fazendo uma análise psicanalítica de algumas delas e por consequência, trazendo
a tona uma linguagem simbólica, dessa maneira, demostrando um conflito psíquico
por traz de todo o encantamento dos contos de fadas.
No início de seu texto, o autor enfoca que para a criança é mais fácil e
mais saudável aprender o que é certo ou errado através dos contos, pois eles
propiciam uma visão semelhante a da criança, e assim ela acaba encontrando
refúgio e solução para os seus problemas. Logo, quando a mesma deparar-se com
alguma dificuldade no seu pequeno “mundo cor de rosa” terá na lembrança o seu
refúgio mental, no qual um final feliz sempre lhe aguarda.
É valido lembrar, que além dos contos de fadas, há também os mitos e as
fábulas. Os mitos sempre se configuram nas bases do pessimismo, sendo que em
alguns deles seus finais são trágicos, já os contos guardam sempre um final
feliz e por último as fábulas, as quais empregam em seus finais a moralidade.
Contudo, todos têm em comum o fato de tentarem deixar uma mensagem gravada nos
cérebros de seus assíduos espectadores, dado que assim eles aprendem a
trabalhar desde o início da infância com a obscuridade do mundo, com a
distinção do certo e errado no âmbito social, e também com momentos de extrema
felicidade.
Ainda no início, Bettelheim menciona alguns aspectos que são comuns para
vários contos, nesses as crianças relacionam os personagens com os adultos que
as rodeiam, como por exemplo, a bruxa. “A bruxa - [...] – em seus aspectos
opostos é a reencarnação da mãe inteiramente boa na infância e da mãe
totalmente má da crise edípica” (p.119). A mãe que educa censurando-a e ao
mesmo tempo é bondosa como se espera, relaciona-se com a bruxa, que no início é
doce e acolhedora e após conquistar a confiança dos personagens mostra-se má.
Menciona também, que em vários contos a mãe morre, sendo simultaneamente
substituída por uma madrasta, fato que poderá ajudar a criança a compreender e
aceitar a morte da mãe, ou de algum ente querido.
Além dessa relação dos personagens com os adultos, citada anteriormente,
a criança cria expectativas para o futuro. Na fase edípica a vida está um caos,
a insegurança, o medo e a ansiedade tomam conta do ser, e este acaba
sentindo-se tolo e insignificante. A partir de histórias em que um menino (a)
que não é notado por ninguém, cresce e torna-se rei/rainha. Dessa forma, à
criança cria suas próprias fantasias nas quais será rei ou rainha do seu
próprio mundo, no qual quem está no comando é ela mesma, devido a isso
fortalecerá o seu interior para adentrar no tão temido mundo dos adultos, o
qual as deixa ao mesmo tempo fascinadas e oprimidas.
Em suas colocações Bettelheim afirmara que alguns adultos alegam que os
contos não são bons o suficiente, porque são fictícios, pois para eles as
crianças devem saber desde o princípio como é o mundo real. Todavia, para elas
o que importa é o significado que as narrativas trazem, já que as mesmas sabem
que o mundo real não é tão bom quanto o mundo dos contos de fadas, e sabem que
dragões e bruxas não existem. A partir disso, o autor analisa algumas histórias
separadamente e as pontua em alguns aspectos relevantes, levando em conta o
aspecto psicanalítico de cada uma.
Nos Três Porquinhos, a criança percebe como o desenvolvimento é bom e
como ele traz benefícios, na passagem, o porquinho mais velho construiu sua
casa de tijolos conseguindo assim proteger-se melhor do lobo. A criança tira
suas próprias conclusões sobre o que fazer, entende que a preguiça e a
comodidade não levam a nada, o que faz desenvolver o principio da realidade.
Ela percebe também que mais cedo ou mais tarde o bem prevalecerá.
Em João e Maria a história começa em um plano real, no qual os pais não
têm condições financeiras para cuidar dos filhos e tentam de várias formas a
garantia da sobrevivência da família. Assim, remete-se a ideia de que os
problemas não são resolvidos com a fuga, já que os irmãos tentaram fugir para a
floresta e não obtiveram sucesso. A casa que eles encontram na mata, a qual é feita
de biscoitos e doces, tem uma relação com a figura da mãe (que é vista como
fonte de satisfação oral) essa representação os leva até lá, e é neste local
que encontram a bruxa, essa que no primeiro momento também traz lembranças da
mãe, é acolhedora, porém mostra-se má no decorrer da história. As intenções da
bruxa mostram os perigos da voracidade e dependência oral. Ao fim da narrativa,
João e Maria voltam para casa, com joias que tiram a família da miséria, e
assim, mostra-se a independência adquirida pelas experiências que tiveram fora
de casa, aceitando o seu próprio desenvolvimento e libertando-se da fixação
oral.
Chapeuzinho Vermelho é um dos contos mais conhecidos e com muitos
significados, começando pelo título, a cor vermelha representa emoções violentas,
é a cor da atração, e na narração a avó presenteia a neta com uma capinha
vermelha, o que significa uma transferência sexual. Praticamente o conto todo é
desenvolvido em torno do conflito edípico da menina, a qual é seduzida pelo
lobo na floresta e acaba lhe ensinando o caminho para a casa da vovó. A criança
deixa seduzir-se por conta do seu desejo pelo pai, e a figura dele é
representada tanto pelo lobo quanto pelo caçador. “[...] O caçador é a
figura mais atraente, tanto para os meninos como para as meninas, porque salva
os bons e castiga o malvado.”(p.213). O caçador resiste aos mandamentos do
id (matar o lobo, sem tirar a menina e a idosa de dentro da barriga do animal)
e age pelo principio da realidade, primeiro salva os bons e depois mata o vilão.
O caçador traz a imagem do pai protetor.
A história deixa explícito que não é seguro falar com estranhos, por
mais que eles mostrem-se dóceis, como o lobo na conversa com Chapeuzinho. A
maneira que a avó e a neta saem de dentro da barriga do lobo é semelhante a um
parto, o que deixa claro que a menina ao encontrar com os perigos da vida,
perdeu a inocência de criança e renasce como uma moça madura capaz de ter
atitudes prudentes.
Em João e o Pé de Feijão, relata-se uma família com dificuldades
financeiras, uma mãe que não confia e não quer que seu filho torne-se
independente, e ao fim acaba se surpreendendo com o mesmo. A história mostra as
fases para o menino alcançar a independência, incluindo tentativas frustradas e
inúmeras dificuldades. Ao fim do conto o menino mata o gigante, o qual tem a
imagem do pai destruidor, e após isso está pronto para viver no princípio da
realidade abandonando as fantasias orais e fálicas. Deixa-se subentendido que
as coisas sempre podem ter um lado bom, sendo que se a única vaca que a família
tinha que dava leite não tivesse parado de produzir, ele não teria conseguido o
feijão mágico.
Na história de Branca de Neve em sua primeira edição a moça era filha de
um conde e uma condessa, a filha vivia seu conflito edípico saudavelmente com o
pai, enquanto a mãe sentia ciúmes da filha e tentava livrar-se dela. Nas
versões atuais, o pai não aparece e a mãe foi substituída pela madrasta. O
conto permite que a criança perceba que os pais também sentem ciúmes, e que os
problemas que surgem no decorrer da sua vida poderão ser resolvidos. Vale
ressaltar que o adulto que não viveu seu conflito edípico construtivamente
sentirá ciúmes de seus filhos.
A rainha representa o conflito edípico não resolvido quando criança e o
narcisismo, quando se olha no espelho para se admirar e não admite que exista
alguém mais bela do que si própria. Como o espelho diz que Branca de Neve é
mais bela, a madrasta tenta se alimentar de alguns de seus órgãos, tornando-se
assim tão boa quanto à moça. A imagem do pai aparece no caçador, forte e
protetor, porém ele não cumpre seu dever com a rainha nem o seu papel moral com
a moça, deixando-a na mata e levando órgãos de outro animal para a rainha. Os
anões representam pessoas não desenvolvidas, presas em um nível pré-edípico. A
moça amadurece quando vai morar com os anões sendo que aprende a realizar todos
os trabalhos da casa, que no castelo não realizava.
A garota come a maçã vermelha (cor erótica), e deixa de viver a latência
com os anões, e passa a precisar de algo diferente entrando em um sono
profundo, o despertar com um beijo apaixonado de um príncipe simboliza
despertar para um estado mais avançado de maturidade. O que remete a ideia de
que é necessário abandonar aquilo que apreciável no momento para passar para um
nível superior.
Já em Cachinhos de ouro e os três ursos encontra-se um conto diferente
dos demais, não há um final feliz, contudo é muito importante para a criança,
sendo que a menina sai em busca de sua identidade. Desde o início da narração
muitas perguntas ficam sem respostas, como por exemplo: como a menina perdeu-se
na floresta? De onde veio? Dentre outras. Em resumo, a menina busca seu lugar
no mundo, busca saber quem ela é. Quando encontra uma casinha no meio da
floresta tenta conhecer o que há dentro dela, retratando a curiosidade das
crianças em saber o que os adultos fazem sozinhos. Ao entrar na casa, tenta
ocupar o lugar de todos (pai, mãe e filho) e percebe que o melhor lugar pra ela
é o da criança e não dos adultos. Por fim, a menina foge sem resolver seus
problemas, deixando implícito que a fuga apesar de parecer mais fácil, não é a
melhor maneira para resolver os problemas.
Nas diversas variações de A Bela Adormecida o tema central da narração é
a tentativa dos pais impedir o despertar sexual da filha, entretanto, todos os
esforços do rei para evitar a maldição falham, e a ausência dos pais em alguns
momentos retratam a incapacidade deles de protegerem os filhos das crises do
crescimento por quais todos passam. A “maldição” aos quinze anos pode
representar a primeira menstruação, onde a menina vira mulher. O adormecimento
de Bela Adormecida e Branca de Neve representa o estado passivo da vida, após
esse período o adolescente torna-se ativo e mais responsável. Muitos príncipes
tentam chegar até Bela antes da hora certa e nenhum obtêm sucesso, o que
implica dizer que o despertar sexual prematuro é destrutivo.
“Borralheira, como a conhecemos, é uma estória onde são vivenciados os
sofrimentos e as esperanças que constituem essencialmente a rivalidade
fraternal, bem como a vitória da heroína humilhada, sobre as irmãs que a
maltrataram” (p. 277). Este conto relata as experiências internas da criança em
relação à rivalidade entre irmãos, no decorrer da história a madrasta por
ciúmes explora a enteada, a qual é minimizada e humilhada pelas irmãs. Os maus
tratos são decorrentes do conflito edípico mal resolvido da madrasta. Nas
inúmeras versões há uma mulher que ajuda Borralheira, fazendo o papel de boa
mãe. O horário para chegar em casa e a fuga para que o príncipe não a alcance,
nos diz que a moça quer ser amada da maneira que é. Seus sapatos decidem o seu
futuro, e pode-se apontar que a aparência não diz nada sobre o indivíduo, a
moça desenvolveu autonomia e identidade própria através de seus conflitos.
Finalizando, além de todos esses contos, o autor menciona o fato de que
geralmente os príncipes salvam as princesas por amor, porém nunca se fala do
sentimento da moça. Os salvadores apaixonam-se pela beleza das moças e devem
ser ativos para provar que são dignos do amor delas. Há também os príncipes
animais, os quais não se sabe o fato de serem animais, eles se
transformaram em bichos, mas a moça geralmente é obrigada a casar-se, dando a
entender que o sexo transforma-se em algo animalesco.
Todo o texto de Bettelheim é muito significativo, mas deve-se ressaltar
que nem todas as crianças vão ter a mesma leitura dos contos, sendo que cada
uma perceberá de uma maneira diferente, relacionando-os com experiências já
vividas e com o contexto em que esta inserida. Pode-se destacar também, o fato
de que os contos e/ou histórias estimulam o desenvolvimento cognitivo das
crianças, fazendo associações de ideias e imagens, a imaginação também é
beneficiada se não houver figuras impressas ou para esquematizar o decorrer do
conto. Portanto contos, histórias, fábulas e mitos são de grande importância
para qualquer criança sendo que, além do entretenimento propiciam na criança um
grande crescimento em relação aos conflitos internos e intelectuais.
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