Mobral, o ensino da ditadura Autor(a):
Estanislau Rybczynski
Mobral,
Movimento Brasileiro de Alfabetização – O ensino da ditadura.
O Movimento
Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi um projeto do governo militar
brasileiro criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967 a 1985, e
propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, que abandonaram a
escola, visando conduzir a pessoa a adquirir a leitura, escrita e cálculo como
meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida na
sociedade.
Criado e mantido
pelo regime militar, durante anos, jovens e adultos frequentaram as aulas do
Mobral, cujo objetivo era proporcionar alfabetização e letramento a pessoas
acima da idade escolar convencional, porém, com a recessão econômica iniciada
nos anos 1980 ,inviabilizou a continuidade do Mobral, que demandava altos
recursos; como sempre a educação e a saúde pagam pela má gestão ou
desinteresse, seja de que partido político for, ou filosofia empregada, de
direita, esquerda e até de centro, sempre acho que é culpa do “sistema”, deve ser
assim e pronto.
A metodologia
utilizada pelo programa de alfabetização funcional baseava-se em vários
objetivos, como: desenvolver nos alunos as habilidades de leitura, escrita e
contagem, um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos,
desenvolver o raciocínio, visando a facilitar a resolução de seus problemas e
os de sua comunidade, formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao
trabalho, a criatividade, a fim de melhorar as condições de vida, aproveitando
os recursos disponíveis, que por sinal cabe a qualquer curso ou idade dos
estudantes.
O programa
pretendia levar o aluno a conhecer seus direitos e deveres e as melhores formas
de participação comunitária e se empenharem na conservação da saúde e melhoria
das condições de higiene pessoal, familiar e da comunidade.
A direção do
Mobral defendia que o método utilizado baseava-se no aproveitamento das
experiências significativas dos alunos, esta forma, embora divergisse
ideologicamente do método de Paulo Freire, educador emérito, utilizava-se,
semelhantemente a este, de palavras geradoras e de uma série de procedimentos
para o processo de alfabetização comum a todos.
A principal e
essencial diferença na utilização destes procedimentos em relação ao método
Paulo Freire, era o fato de no Mobral haver uma uniformização do material
utilizado em todo o território nacional, não traduzindo assim a linguagem e as
necessidades do povo de cada região, principal característica da metodologia
freiriana.
No Mobral, o
método do educador Paulo Freire, a prática, não de liberdade, mas de integração
ao modelo brasileiro ao nível das realidades de cada região, seus problemas
suas virtudes.
Posto isso, eu
fui um dos que pertenceu a essa filosofia de trabalho nas escolas da Regional
de Campo Limpo, hoje subprefeitura, onde atuei de 1978 a 1981, nessa época como
estudante de engenharia período integral, consegui essas aulas à noite no
Mobral. E no ultimo ano da faculdade consegui algumas janelas vagas no horário
da tarde e consegui estágio em uma metalúrgica, mas continuei com as aulas à
noite, que por sinal quando chegava sexta-feira dormia em pé, onde parava de
tão cansado.
Nunca me
imaginei professor, na época era chamado de monitor, mesmo porque éramos
sindicalizados na APEOESP, seção Santo Amaro, mas tinha que me sustentar e
abracei essa carreira pelo menos com respeito e dedicação enquanto estive lá, e
de onde tirei muito proveito para a minha vida de cidadão.
Pude comprovar
os métodos de ensino para aquele curso, onde as classes eram muito
heterogêneas, havia alunos de todas as idades, entre 16 anos e 70 anos,
teoricamente difícil de conciliar, pois trabalhávamos com identidades bem
diferentes; cada aluno tinha um mundo diferente e a orientação era praticar
além das matérias dirigidas, programadas, tínhamos que nos adequar em exemplos
e experiência de vida de cada um, falar a linguagem deles, os problemas de
Matemática e os textos de Português, principalmente essas duas matérias,
tínhamos que usar exemplos da vida deles, a experiência deles.
Nas aulas de
Geografia, além do assunto inerente, falávamos de barraco, favela, barrancos,
córregos e suas enchentes e lixos relacionados com a vida de cada e suas
consequências em agir certo ou errado mediante as atitudes adotadas.
No social,
incluíamos também o tema da fome, miséria o arroz com feijão, mas focando o
futuro promissor, usávamos a Matemática para compor os preços e adquirir os
alimentos e demais itens de uma casa, ênfase para o salário mínimo e desemprego
como base de tudo.
Na matéria de
Português, os exemplos, as frases, os substantivos e adjetivos, aplicados eram
sempre feitos, montados com a realidade dos alunos. Era difícil para os alunos
frequentarem as aulas, pois a maioria trabalhava em serviços pesados, como
mecânicos, pedreiros, carroceiros, além disso a idade para muitos era problema.
Muitos jovens,
ao contrário, ainda não trabalhavam e precisavam aprender alguma coisa ou
receber o diploma do curso para poder preencher uma ficha de emprego e começar
a trabalhar.
Outro problema
era a fome, muitos deixavam a sala de aula antes do horário, pois precisavam
encontrar a padaria aberta ou um bar para comprar algo para a janta e café da
manha.
As salas de aula
eram em barracões, como sociedades amigos de bairro, muitas em locais de
difícil acesso, ruas de terra e outras no meio de favelas.
As aulas
começavam às 19h e iam até 23h, a iluminação era precária, chovia dentro; o
calor intenso conforme época, muitas vezes alguém atirava pedras no telhado
assustando a todos.
Outros fatos que
aconteciam muito eram namorados irem buscar as namoradas e queriam entrar sem
estudar, só para ficar ao lado da moça, já aconteceu de marido ciumento buscar
a mulher, porque achava que alguém estava paquerando-a, uns chegavam a agredir
a esposa ou namorada na saída da sala de aula e muitas vezes fomos ameaçados
por elementos mal encarados, os quais, muitas vezes mal, víamos o rosto pela
deficiência de iluminação.
Onde passei mais
susto foi na favela do Jardim Santo Antonio, próximo à ponte João Dias, local
na época perigoso, onde as aulas eram dadas em um barracão da sociedade amigos
do bairro, que tinha como caseiro o Sr. Vicente, que nos ajudava muito na
segurança e outros quesitos como água e apoio, pois era respeitado pela
malandragem do local.
Local melhor
para lecionar foi na Sociedade Amigos de V. das Belezas, na Rua Rafael de
Proença, onde o prédio era de alvenaria, com muita privacidade quanto à
segurança, mas os problemas com alunos eram os mesmos de qualquer lugar.
Para tudo isso,
nós, os monitores, passávamos por um treinamento e reuniões mensais com
prestação de contas quanto ao rendimento dos alunos e recebíamos visitas
surpresas dos técnicos da prefeitura nas salas de aula.
Após deixar essa
atividade no Mobral, dei aulas em escolas regulares, mas o que me deixava
contente era encontrar ex-alunos, agora alfabetizados, ou como dizem,
alfabetizado funcional, dizendo com orgulho para mim: graças ao senhor estou
bem, tenho emprego, melhor recompensa não há para nosso ego como professor e
ser humano.
Em 1985,
acabaram com o Mobral e instalaram o Projeto Fundação Educar, essa fundação
surgiu de 1985 a 1990, como substituto do Mobral. O estatuto, porém, só foi
estabelecido pelo Decreto nº 92.374, de 6 de fevereiro de 1986; todos os bens
do Mobral foram transferidos para a Educar, a diferença mais marcante foi
competência do MEC, apoio financeiro maior, com maior apoio governamental e de
organizações não governamentais e de empresas, começando aí as ditas ONGs e
milhares de associações sociais.
Tinha como
especialidade a educação básica não formal a aqueles que não tiveram acesso às
escolas ou delas foram excluídos prematuramente e foi extinta em 1990. E nesse
mesmo ano surge o PNAC, plano Nacional de Alfabetização e Cidadania, que só
durou um ano, pois seguia as mesmas regras dos antigos cursos, apenas políticos
querendo aparecer e mudando apenas o nome.
Surge então,
logo em seguida, o projeto denominado Educação de Jovens e adultos (EJA).
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), que perdura
até os dias de hoje, 2014, é vista como uma forma de alfabetizar quem não teve
a oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por um motivo qualquer
tiveram que abandonar a escola e, por conseguinte, se faz necessário hoje a
capacitação continuada em todas as fases da vida; e não somente durante a
infância e a juventude, ou seja, a única diferença com o precursor da ideia,que
foi o Mobral, é a escola que oferece um prédio e material de mais qualidade e
de professores formados ou dos chamados eventuais, porém com as mesmas
características do Mobral.
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