segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Mobral, o ensino da ditadura Autor(a): Estanislau Rybczynski
Mobral, Movimento Brasileiro de Alfabetização – O ensino da ditadura.

O Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi um projeto do governo militar brasileiro criado pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967 a 1985, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, que abandonaram a escola, visando conduzir a pessoa a adquirir a leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida na sociedade.


Criado e mantido pelo regime militar, durante anos, jovens e adultos frequentaram as aulas do Mobral, cujo objetivo era proporcionar alfabetização e letramento a pessoas acima da idade escolar convencional, porém, com a recessão econômica iniciada nos anos 1980 ,inviabilizou a continuidade do Mobral, que demandava altos recursos; como sempre a educação e a saúde pagam pela má gestão ou desinteresse, seja de que partido político for, ou filosofia empregada, de direita, esquerda e até de centro, sempre acho que é culpa do “sistema”, deve ser assim e pronto.

A metodologia utilizada pelo programa de alfabetização funcional baseava-se em vários objetivos, como: desenvolver nos alunos as habilidades de leitura, escrita e contagem, um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos, desenvolver o raciocínio, visando a facilitar a resolução de seus problemas e os de sua comunidade, formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao trabalho, a criatividade, a fim de melhorar as condições de vida, aproveitando os recursos disponíveis, que por sinal cabe a qualquer curso ou idade dos estudantes.

O programa pretendia levar o aluno a conhecer seus direitos e deveres e as melhores formas de participação comunitária e se empenharem na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pessoal, familiar e da comunidade.

A direção do Mobral defendia que o método utilizado baseava-se no aproveitamento das experiências significativas dos alunos, esta forma, embora divergisse ideologicamente do método de Paulo Freire, educador emérito, utilizava-se, semelhantemente a este, de palavras geradoras e de uma série de procedimentos para o processo de alfabetização comum a todos.

A principal e essencial diferença na utilização destes procedimentos em relação ao método Paulo Freire, era o fato de no Mobral haver uma uniformização do material utilizado em todo o território nacional, não traduzindo assim a linguagem e as necessidades do povo de cada região, principal característica da metodologia freiriana.

No Mobral, o método do educador Paulo Freire, a prática, não de liberdade, mas de integração ao modelo brasileiro ao nível das realidades de cada região, seus problemas suas virtudes.

Posto isso, eu fui um dos que pertenceu a essa filosofia de trabalho nas escolas da Regional de Campo Limpo, hoje subprefeitura, onde atuei de 1978 a 1981, nessa época como estudante de engenharia período integral, consegui essas aulas à noite no Mobral. E no ultimo ano da faculdade consegui algumas janelas vagas no horário da tarde e consegui estágio em uma metalúrgica, mas continuei com as aulas à noite, que por sinal quando chegava sexta-feira dormia em pé, onde parava de tão cansado.

Nunca me imaginei professor, na época era chamado de monitor, mesmo porque éramos sindicalizados na APEOESP, seção Santo Amaro, mas tinha que me sustentar e abracei essa carreira pelo menos com respeito e dedicação enquanto estive lá, e de onde tirei muito proveito para a minha vida de cidadão.

Pude comprovar os métodos de ensino para aquele curso, onde as classes eram muito heterogêneas, havia alunos de todas as idades, entre 16 anos e 70 anos, teoricamente difícil de conciliar, pois trabalhávamos com identidades bem diferentes; cada aluno tinha um mundo diferente e a orientação era praticar além das matérias dirigidas, programadas, tínhamos que nos adequar em exemplos e experiência de vida de cada um, falar a linguagem deles, os problemas de Matemática e os textos de Português, principalmente essas duas matérias, tínhamos que usar exemplos da vida deles, a experiência deles.

Nas aulas de Geografia, além do assunto inerente, falávamos de barraco, favela, barrancos, córregos e suas enchentes e lixos relacionados com a vida de cada e suas consequências em agir certo ou errado mediante as atitudes adotadas.

No social, incluíamos também o tema da fome, miséria o arroz com feijão, mas focando o futuro promissor, usávamos a Matemática para compor os preços e adquirir os alimentos e demais itens de uma casa, ênfase para o salário mínimo e desemprego como base de tudo.

Na matéria de Português, os exemplos, as frases, os substantivos e adjetivos, aplicados eram sempre feitos, montados com a realidade dos alunos. Era difícil para os alunos frequentarem as aulas, pois a maioria trabalhava em serviços pesados, como mecânicos, pedreiros, carroceiros, além disso a idade para muitos era problema.

Muitos jovens, ao contrário, ainda não trabalhavam e precisavam aprender alguma coisa ou receber o diploma do curso para poder preencher uma ficha de emprego e começar a trabalhar.

Outro problema era a fome, muitos deixavam a sala de aula antes do horário, pois precisavam encontrar a padaria aberta ou um bar para comprar algo para a janta e café da manha.

As salas de aula eram em barracões, como sociedades amigos de bairro, muitas em locais de difícil acesso, ruas de terra e outras no meio de favelas.

As aulas começavam às 19h e iam até 23h, a iluminação era precária, chovia dentro; o calor intenso conforme época, muitas vezes alguém atirava pedras no telhado assustando a todos. 

Outros fatos que aconteciam muito eram namorados irem buscar as namoradas e queriam entrar sem estudar, só para ficar ao lado da moça, já aconteceu de marido ciumento buscar a mulher, porque achava que alguém estava paquerando-a, uns chegavam a agredir a esposa ou namorada na saída da sala de aula e muitas vezes fomos ameaçados por elementos mal encarados, os quais, muitas vezes mal, víamos o rosto pela deficiência de iluminação.

Onde passei mais susto foi na favela do Jardim Santo Antonio, próximo à ponte João Dias, local na época perigoso, onde as aulas eram dadas em um barracão da sociedade amigos do bairro, que tinha como caseiro o Sr. Vicente, que nos ajudava muito na segurança e outros quesitos como água e apoio, pois era respeitado pela malandragem do local.

Local melhor para lecionar foi na Sociedade Amigos de V. das Belezas, na Rua Rafael de Proença, onde o prédio era de alvenaria, com muita privacidade quanto à segurança, mas os problemas com alunos eram os mesmos de qualquer lugar.

Para tudo isso, nós, os monitores, passávamos por um treinamento e reuniões mensais com prestação de contas quanto ao rendimento dos alunos e recebíamos visitas surpresas dos técnicos da prefeitura nas salas de aula.

Após deixar essa atividade no Mobral, dei aulas em escolas regulares, mas o que me deixava contente era encontrar ex-alunos, agora alfabetizados, ou como dizem, alfabetizado funcional, dizendo com orgulho para mim: graças ao senhor estou bem, tenho emprego, melhor recompensa não há para nosso ego como professor e ser humano.

Em 1985, acabaram com o Mobral e instalaram o Projeto Fundação Educar, essa fundação surgiu de 1985 a 1990, como substituto do Mobral. O estatuto, porém, só foi estabelecido pelo Decreto nº 92.374, de 6 de fevereiro de 1986; todos os bens do Mobral foram transferidos para a Educar, a diferença mais marcante foi competência do MEC, apoio financeiro maior, com maior apoio governamental e de organizações não governamentais e de empresas, começando aí as ditas ONGs e milhares de associações sociais.

Tinha como especialidade a educação básica não formal a aqueles que não tiveram acesso às escolas ou delas foram excluídos prematuramente e foi extinta em 1990. E nesse mesmo ano surge o PNAC, plano Nacional de Alfabetização e Cidadania, que só durou um ano, pois seguia as mesmas regras dos antigos cursos, apenas políticos querendo aparecer e mudando apenas o nome.

Surge então, logo em seguida, o projeto denominado Educação de Jovens e adultos (EJA).

A Educação de Jovens e Adultos (EJA), que perdura até os dias de hoje, 2014, é vista como uma forma de alfabetizar quem não teve a oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por um motivo qualquer tiveram que abandonar a escola e, por conseguinte, se faz necessário hoje a capacitação continuada em todas as fases da vida; e não somente durante a infância e a juventude, ou seja, a única diferença com o precursor da ideia,que foi o Mobral, é a escola que oferece um prédio e material de mais qualidade e de professores formados ou dos chamados eventuais, porém com as mesmas características do Mobral.


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